SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Para a economista Pavlina Tcherneva, os governos cometem um grande erro ao aumentar as taxas de juros e, assim, favorecer o aumento do desemprego, como modo de combater a inflação. Ela defende que o setor público passe a ofertar vagas diretas a quem busca recolocação.
Neste ano, os bancos centrais de diversos países, como do Brasil e dos Estados Unidos, estão aumentando as taxas de juros para esfriar a atividade econômica e, assim, tentar conter a alta de preços.
"Trata-se de uma decisão política que, se obtiver sucesso, freará o crescimento econômico e deixará milhões de pessoas sem trabalho. A ideia é que quando as pessoas perdem seus salários e empregos, elas não gastam. Este é um método para combater inflação, mas não temos que fazer desse jeito", defendeu ela, durante um debate virtual realizado pelo Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais), nesta terça (27).
De origem búlgara e doutora em economia, Tcherneva, 48, é professora no Bard College e pesquisadora do Levy Economic Institute, ambos de Nova York. Ela estuda teoria monetária e foi conselheira da campanha de Bernie Sanders à Presidência, em 2016. Em 2020, publicou o livro "The Case for a Job Guarantee", no qual propõe o modelo em que o Estado garante trabalho a todos que buscam uma ocupação.
Ela defende que os governos federais deveriam separar recursos para a criação de vagas, a serem gerenciadas por estados e cidades, a nível local. Estes trabalhadores, que seriam contratados de modo temporário, poderiam atuar em várias tarefas, como preparar comida em cozinhas comunitárias, de idosos, dar suporte a vítimas de violência e aulas de reforço a estudantes.
Os temporários poderiam também atuar em questões ambientais, como na despoluição de rios, na reciclagem de lixo e na criação de áreas verdes urbanas. E também em atividades remotas e flexíveis, como criar aplicativos de interesse público, auxiliar a transportar pessoas ou registrar a história das comunidades onde vivem.
Tcherneva reconhece que o maior entrave para transformar a ideia em realidade são os questionamentos relativos ao aumento dos gastos públicos, o que ela vê como um contrassenso.
"O público foi convencido de que os recursos [públicos] são escassos, mas isso é algo peculiar. Nós acabamos de ter a Covid, quando os EUA gastaram um quarto de seu PIB em um ano. Também fizemos isso durante a crise de 2008. Temos muitos exemplos de que quando o setor público quer financiar uma ação, isso não é um problema. Trata-se de uma escolha política não enfrentar o desemprego", afirma.
"Quando falamos sobre insegurança alimentar, há programas para fornecer comida a quem tem fome. Se falta moradia, há iniciativas que fornecem casas. Mas quando uma pessoa precisa de emprego, os governos dão uma pequena renda, algum treinamento, mas não um emprego em si", compara.
Ela lembra que a falta de ocupação gera uma série de dificuldades na vida de quem a experimenta.
"Os desempregados enfrentam muito mais problemas de saúde física e mental. Se ficam muito tempo fora do mercado, é difícil se recolocar depois. A questão leva a problemas de moradia, crime, encarceramento, pobreza. Só o custo de manter uma pessoa detida nos EUA é de US$ 35 mil por ano. De uma forma ou de outra, nós pagamos o custo de desemprego, que é muito alto."
Questionada pela reportagem depois do evento se os governos deveriam priorizar ofertar empregos ou dar auxílios emergenciais, ela defendeu a primeira opção, mas disse que as duas alternativas se complementam para criar uma rede de proteção social efetiva.
"A política de estabilização deveria focar em empregos, mas não pode ser a única coisa, porque muitas pessoas não podem trabalhar. Elas podem ser estudantes, terem limitações físicas, estarem aposentadas, então o apoio financeiro é importante", pondera.
Ela aponta que há modelos intermediários. "Em comunidades rurais da Índia, há um programa no qual a pessoa, ao se cadastrar, ganha um cartão, com um saldo depositado. Você pode ficar com o dinheiro e não ir trabalhar, mas o programa funciona bem, porque as pessoas geralmente gostam de ter um trabalho", conta. "É algo que dá dignidade."
A pesquisadora reconhece que ideia de o Estado criar empregos diretos não é nova: o programa New Deal, implantado nos anos 1930 nos Estados Unidos, abriu milhares de postos temporários da mesma forma. O governo federal enviou recursos para as cidades gerenciarem as vagas e terem mão de obra para fazer melhorias.
Tcherneva aponta que o modelo foi testado por diversos países nas décadas seguintes, mas que enfrentou resistência de várias frentes.
"O lobby conservador foi muito contrário aos empregos do New Deal. Muitos pobres que viviam em estados conservadores se beneficiaram deles, e passaram a votar nos democratas. Também houve oposição de empresários, industriais. Economistas também são um grande obstáculo. Mas a geração mais jovem, especialmente os interessados no New Deal, estão pensando pela mesma linha, mas de modo mais amplo, no que é chamado de Green New Deal. Talvez seja a hora de reviver esta ideia", espera.
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