BRASÍLIA, DF, E RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - O mercado de energia está atento ao resultado do leilão das térmicas a gás, marcado para sexta-feira (30). Quem acompanha o setor avalia que o certame vai definir a força do lobby em defesa de financiamento público para a ampliação da rede de gasodutos no Brasil.
A exigência de construção dessas térmicas foi inserida, via emendas, na medida provisória da privatização da Eletrobras. Por não terem nenhuma relação com a desestatização da companhia, o projeto de expansão de térmicas a gás ficou conhecido como jabuti da Eletrobras.
Sob o argumento de que é preciso fomentar o uso do gás no Brasil, os parlamentares exigiram a oferta de 8 MW (megawatts) com projetos onde não há gasodutos para levar o gás ou linha de transmissão para escoar a energia até centros consumidores. As usinas também são inflexíveis --ou seja, não podem ser desligadas.
Especialistas do setor de energia questionam a medida, alegando que ela não tem sentido técnico, que o gás vai elevar a conta de luz e o custo Brasil e que a implantação da infraestrutura desses projetos também tende a pesar no bolso dos consumidores.
Neste primeiro leilão, na modalidade de reserva de capacidade com contratos de 15 anos, serão ofertados 2 GW. A geração de 1 GW precisa ser instalada em áreas metropolitanas da região Norte, com entrega a partir de dezembro de 2026. O outro 1 GW é para o Nordeste, sendo especificamente 700 MW no Piauí e 300 MW no Maranhão, a partir de dezembro de 2027.
Apresentaram garantia física para se candidatarem ao leilão 37 projetos, que somam quase 12 GW, mas a lista final de habilitados para participar do leilão não foi divulgada pela EPE (Empresa de Planejamento Energético).
O preço teto ficou em R$ 444 por MWh (megawatt-hora) e é considerado uma linha de corte, pois limita ganhos e a margem de manobra para correr risco. Durante a audiência pública, por exemplo, distribuidores chegaram a reivindicar teto de R$ 600 a R$ 700.
Os especialistas argumentam que apenas um grupo seleto de investidores tem condições de participar, quando se considera valor do teto, as limitações para o transporte de gás nessas regiões e a instabilidade na oferta de gás por causa dos desdobramentos da Guerra da Ucrânia. A Rússia é um importante produtor que vem mexendo com o preço e a oferta em escala global do gás.
Piauí é apontado como um local crítico. Oito projetos foram inscritos, mas se a racionalidade imperar, dizem os especialistas, nenhum investidor deveria apresentar proposta.
A leitura no setor é que se usinas saírem vencedoras no Piauí haverá uma nova investida em defesa da ampliação da rede de gasodutos, com especial atenção ao Gasoduto Meio Norte. Há anos na gaveta, esse duto com quase 1 mil km ligaria o porto cearense de Pacém a São Luís (MA), atravessando a capital do Piauí. Em Pecém já há um terminal de gás natural liquefeito.
A construção do Meio Norte demandaria de R$ 3 bilhões a R$ 5 bilhões, segundo estimativas do mercado.
A garantia de gás também viabilizaria a Gaspisa, distribuidora de gás que não opera por falta de insumo, e tem como sócios o governo do estado do Piauí e o empresário Carlos Suarez.
O lobby do setor já tentou inúmeras vezes transferir a expansão da rede de gasodutos para o caixa público, via inserção de emendas em projetos que estavam em tramitação.
As iniciativas mais recentes tentaram criar o Brasduto, um fundo com recursos de royalties do pré-sal. Como a solução tiraria recursos da área social, tem sido derrubada. Existe o temor de que a proposta do Brasduto possa ser ressuscitada com uma emenda jabuti no PL (projeto de lei) 414, que trata da reestruturação do setor de energia.
No Maranhão, o cenário para o leilão é complicado, mas com maior margem operacional. Os investidores têm opção de receber GNL (Gás Natural Liquefeito) via porto, desde que assumindo riscos de preço e oferta.
A Eneva é a empresa mais bem posicionada na disputa neste estado, uma vez que detém cinco campos de gás já em produção na Bacia do Parnaíba (MA). A garantia de insumo local é considerada o grande trunfo para este leilão, mas demanda a construção de um gasoduto de cerca de 300 km.
No entanto, analistas acreditam que ela tende a concentrar esforços no Norte, onde é a favorita. A Eneva explora Azulão, na Bacia do Amazonas (AM), e já utiliza o campo para abastecer a térmica Jaguatirica II, em Boa Vista (RO), única capital isolada do sistema nacional de energia. O gás é transportado por caminhões. A empresa também detém o campo de Juruá, na Bacia de Solimões (AM).
Segundo a reportagem apurou, a Global também avalia entrar na disputa no Norte com um grupo de três usinas, Manaus e Manaus I e II. Sua alternativa de oferta de insumo está no Polo de Urucu, uma das maiores reservas em terra, com sete campos na Bacia de Solimões (AM).
A Eletronorte cogita a participação com a usina Rio Negro (AM). Em tese, afirma quem acompanha o certame, a empresa, agora privatizada, pode aproveitar parte de sua infraestrutura local e ser abastecida pela Cigas (Companhia de Gás do Amazonas).
A Abegás (Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado) tentou, na última hora, mas não conseguiu, aumentar o preço da energia para R$ 550 por MWh. Ainda assim, acredita no sucesso do certame. A entidade foi uma das apoiadoras do leilão alegando que as térmicas podem funcionar como âncoras para levar gás a regiões ainda não atendidas.
Os projetos desse primeiro certame vão precisar de 4 milhões de m3/dia (metros cúbicos por dia). A Abegás chegou a propor que a PPSA (Pré-sal Petróleo SA), braço da Petrobras para o pré-sal, gerenciasse a produção de gás para esses projetos e oferecesse contratos de 15 anos. No entanto, a estatal disse não ter gás suficiente.
De todo modo, a entidade diz que o contrato do leilão dá quase seis anos para entrada em operação, tempo suficiente para aumento da oferta de gás e investimento na infraestrutura para levar o combustível até as regiões onde estarão as térmicas.
Nesta terça-feira (26), o Instituto Internacional Arayara entrou com ação civil na Justiça Federal em Brasília pedindo a suspensão do leilão desta sexta. A entidade questiona os custos financeiros e ambientais dessas usinas. A Justiça, no entanto, não se manifestou até a publicação deste texto.
A Frente Nacional dos Consumidores de Energia tem entre suas metas convencer a nova leva de parlamentares e rever a lei da Eletrobras para retirar a obrigatoriedades de construção das demais usinas.
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