BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Um novo bloqueio de R$ 2,6 bilhões sobre as emendas de relator, usadas como moeda de troca em negociações políticas, deixou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sem emendas para agradar aliados a quatro meses da disputa pelo comando da Casa.
A trava nas verbas irritou Lira, que agora pressiona o Ministério da Economia a desbloquear o dinheiro. Com o novo bloqueio, o total de emendas de relator congeladas chega a R$ 6,8 bilhões.
A estratégia da cúpula da Câmara é pedir para que o governo faça um pente fino nos ministérios e encontre gastos que possam ser adiados.
Isso abriria caminho para que o dinheiro das emendas seja novamente liberado e usado para contemplar parlamentares próximos a Lira, que poderiam ajudá-lo a garantir a recondução no comando da Casa. A eleição para a presidência da Câmara deve ocorrer em fevereiro de 2023.
O bloqueio das emendas é delicado do ponto de vista político, a ponto de o Ministério da Economia ter escondido a informação do congelamento da verba às vésperas da eleição.
O decreto de programação orçamentária foi publicado em edição extra do Diário Oficial da União na noite de sexta-feira (30), antes do primeiro turno. O ato, assinado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), oficializa a decisão de quais áreas serão alvo do bloqueio de recursos, anunciado uma semana antes.
Usualmente, a publicação do decreto é sucedida por um detalhamento oficial da medida pelo ministério da Economia. Desta vez, a pasta silenciou e até agora não divulgou os alvos do corte. Mas a reportagem apurou que todo o bloqueio de R$ 2,6 bilhões em setembro recaiu sobre as emendas de relator.
Com isso, Lira ficou praticamente sem dinheiro para agradar aliados e assegurar apoio na votação de fevereiro, quando começa a próxima legislatura.
As emendas de relator somam R$ 16,5 bilhões no Orçamento de 2022, mas apenas R$ 7,7 bilhões estão livres de bloqueio. Desse valor, só R$ 900 milhões estão efetivamente disponíveis ?e essa verba já está comprometida por tratativas feitas antes da eleição.
Para novos acordos políticos com base nas emendas, a cúpula da Câmara precisa que o ministro Paulo Guedes (Economia) recue e descongele o dinheiro.
Sob a perspectiva da área econômica, não há neste momento como fazer novos desbloqueios, a não ser que técnicos atestem a redução de alguma outra despesa obrigatória. Outra opção seria inverter o bloqueio, liberando emendas e apertando ainda mais as despesas de custeio e investimento dos ministérios.
As emendas de relator são distribuídas por critérios políticos e permitem a congressistas mais influentes bancarem projetos e obras em seus redutos eleitorais.
A divisão das emendas de relator é feita em acordos entre Lira, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), líderes partidários e o relator do Orçamento, deputado Hugo Leal (PSD-RJ).
Ao abrir mão de parte do Orçamento federal, Bolsonaro fez um afago bilionário ao Congresso e, com isso, ampliou sua base política nas duas Casas.
Reeleito com a maior votação de Alagoas, Lira voltou a Brasília nesta semana e conversou com Guedes nesta terça-feira (4). Ele também se encontrou com aliados para analisar o mapa das emendas.
Desde julho, o presidente da Câmara embarcou na campanha para renovar o mandato de deputado federal e também eleger aliados em Alagoas.
Poucas emendas foram liberadas nesse período. O Ministério da Economia se apoiou no argumento de que, no período eleitoral, há restrições para o repasse financeiro e bloqueou quase tudo que o Congresso ainda tinha de emendas no segundo semestre.
O Palácio do Planalto e o Ministério da Economia chegaram a avisar Lira que os recursos seriam liberados logo após a eleição. Mas os aliados não quiseram esperar, e o governo foi empurrado a fazer manobras no Orçamento para descongelar emendas às vésperas da eleição.
Isso resultou numa confusão de informações. O vaivém começou em 6 de setembro, com a liberação de R$ 3,5 bilhões em emendas após o adiamento de repasses ao setor cultural e de ciência e tecnologia, como revelou a Folha de S.Paulo. Outros R$ 2,1 bilhões foram liberados para ministérios.
Ainda que em ritmo lento, os ministérios começaram a assinar contratos e prever a liberação de dinheiro em emendas. O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), e aliados do presidente foram os mais beneficiados às vésperas do pleito.
Em 22 de setembro, porém, o Ministério da Economia anunciou que precisaria refazer parte do bloqueio (R$ 2,6 bilhões) por causa do crescimento significativo das despesas com a Previdência. Em entrevista a jornalistas, os técnicos da pasta não deram pistas de quais seriam os alvos da medida.
Desde 30 de setembro, a pasta de Guedes é questionada pela imprensa, mas não informa que voltou a congelar emendas parlamentares ?medida que desagrada o Congresso e partidos políticos.
Segundo aliados de Lira, o que mais incomodou o presidente da Câmara é que, em vez de o governo cumprir a promessa de liberar todas as emendas após a eleição, o time de Guedes adotou o caminho oposto e congelou mais recursos.
Procurado, o Ministério da Economia não respondeu sobre a falta de transparência no bloqueio feito em setembro, e disse apenas que o "detalhamento dos bloqueios ainda está em discussão". Lira nega que tenha tratado do descongelamento de emendas com Guedes.
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CONFUSÃO E VAIVÉM NAS EMENDAS PARLAMENTARES
30 de março
Após reavaliação do Orçamento, governo bloqueia R$ 1,7 bilhão nas emendas de relator, usadas como moeda de troca nas negociações com o Congresso Nacional.
29 de julho
Orçamento precisa de novos cortes, e governo efetua outro bloqueio sobre as emendas; valor travado chega a R$ 7,6 bilhões.
29 de agosto
Cúpula do Congresso reclama do congelamento de emendas às vésperas da eleição. Bolsonaro edita duas medidas provisórias cortando gastos de ciência e tecnologia e adiando repasses ao setor cultural para 2023. Isso dá um alívio no Orçamento e abre espaço para emendas.
6 de setembro
Na noite da véspera do feriado, Bolsonaro edita um decreto que, na prática, libera R$ 3,5 bilhões para as emendas de relator (restando R$ 4,1 bilhões bloqueados).
Semana de 19 de setembro
Governo identifica aumento expressivo de despesas em 2022, e se vê forçado a recuar da liberação das emendas. Congresso é avisado da confusão.
30 de setembro
Governo efetiva novo congelamento de despesas, mas não informa quais gastos foram travados. Apesar de esconder os números, todo o bloqueio de R$ 2,6 bilhões foi em recursos de emendas.
4 de outubro
Lira faz reuniões com o governo para pedir a liberação dos recursos.
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