BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Cotado para assumir o Ministério da Fazenda em um eventual governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP) descartou a possibilidade de o partido apresentar uma proposta de regra para as despesas públicas durante a campanha eleitoral -como vem pressionando o mercado.
Ele disse que, antes de anunciar o mecanismo, é preciso assumir o governo e conhecer a situação real das contas públicas. "Qualquer proposta que tivesse sido apresentada há um mês, dois meses, três meses, ou neste momento, poderia ter sido desmontada em uma semana em razão das imprevisibilidades do [presidente Jair] Bolsonaro", disse Padilha, em entrevista à reportagem.
Logo no início da campanha de segundo turno da corrida presidencial, Lula conseguiu apoio de economistas ligados à criação do Plano Real e que atuaram em gestões do PSDB. Para Padilha, que foi ministro das Relações Institucionais de Lula e da Saúde da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), esse movimento "traz voto" para o candidato petista.
Apesar do perfil mais conservador do novo Congresso, que irá assumir em fevereiro de 2023, o deputado afirmou que, pela experiência de Lula e do candidato a vice, Geraldo Alckmin (PSB), será possível construir uma base de governo se o PT vencer a eleição.
"Em 2003, ele [Lula] não tinha maioria no Senado, não tinha [maioria] na Câmara. Vamos ter capacidade maior de diálogo com governadores e prefeitos, algo que Bolsonaro não fez", declarou.
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PERGUNTA - Economistas relevantes aderiram à campanha de Lula e Alckmin. Do ponto de vista simbólico, isso tem muito significado para o mercado, mas, do ponto de vista de votos, é capaz de ampliar apoio a Lula?
ALEXANDRE PADILHA - Acredito que esse apoio público de economistas históricos traz voto, vira voto, sem dúvida nenhuma.
Além deles, a declaração pública de apoio da Simone Tebet (MDB), uma candidata importante, transfere e traz voto, sim, mas, mais do que isso, mostra para a sociedade e para os atores econômicos que, de um lado, temos Lula e Alckmin, que têm um histórico de responsabilidade com as contas públicas em todos os governos, e, do outro lado, Bolsonaro, que nos seus primeiros quatro anos de governo não cumpriu em nenhum ano qualquer regra e âncora fiscal do país.
Ele fez uma verdadeira operação boca de urna, deteriorando qualquer situação das contas públicas. Ele escancarou a sua prática de irresponsabilidade fiscal no país, de imprevisibilidade permanente.
P - O Lula obteve o apoio do PDT, de Ciro Gomes, e de Tebet. Quais propostas deles serão incorporadas pela campanha petista?
AP - Certamente são propostas que vão ser analisadas pela coordenação de programa. Agora o fundamental é uma sinalização pública muito forte, não só da Simone como do PDT, Cidadania e de lideranças importantes históricas do PSDB.
P - O senhor fala sobre o histórico de responsabilidade fiscal. Só que, até agora, a campanha não apresentou uma proposta clara de como deve ser a regra fiscal em eventual governo Lula. O que deve acontecer com o teto de gastos? E qual será a nova regra?
AP - Não é à toa que figuras ícones da construção de âncoras fiscais no país, como ex-ministro [da Fazenda sob Fernando Henrique Cardoso, Pedro] Malan, como o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga, André Lara Resende, Persio Arida, Henrique Meirelles, declararam publicamente o apoio ao [ex-]presidente Lula e ao Alckmin.
Eu até compreendo o desejo de alguns atores econômicos e alguns investidores de querer antecipar o que podem ser cálculos e cenários possíveis. Mas, na história recente do país, da construção de regras de âncora fiscal estáveis, todas elas só começaram a ser detalhadas e discutidas a partir do momento em que você assumiu o governo.
Quando [o então vice-presidente de Dilma Rousseff, Michel] Temer escreveu a carta Ponte Para o Futuro, não tinha ali detalhamento de regra de teto de gastos. Você precisa estar no governo para ter a conta da situação fiscal do governo nas mãos, ter um diagnóstico detalhado do conjunto das irresponsabilidades que Bolsonaro pode cometer até o dia 31 de dezembro.
Além disso, tem que estar na coordenação do governo para coordenar esse debate junto ao Congresso Nacional e à sociedade. Qualquer proposta que tivesse sido apresentada há um mês, dois meses, três meses, ou neste momento, poderia ter sido desmontada em uma semana em razão das imprevisibilidades do Bolsonaro. O central agora é exatamente construir um ambiente político.
P - O senhor participou de algumas rodadas de conversas com representantes do mercado. De quantas rodadas participou? E o que ouve deles?
AP - Fui convidado por ter sido ministro da coordenação política de Lula. Foram diálogos muito proveitosos. Nos permitiu relembrar para esses atores a postura do [ex-]presidente Lula de diálogo e responsabilidade com a saúde das contas públicas, assim como a de Alckmin.
E, ao longo do ano, foi se configurando aquilo que eu dizia, que a maior ameaça à criação de um ambiente de planejamento econômico de responsabilidade com as contas públicas é a postura de Bolsonaro.
P - Mesmo com a pressão do mercado, o sr. acredita que Lula manteria a decisão de colocar no Ministério da Economia ou da Fazenda uma pessoa com perfil mais político?
AP - Lula e Alckmin são figuras experientes na política. Eu nunca os vi anteciparem nenhuma discussão e não acredito que façam nenhuma discussão nesse sentido antes de terminar o processo eleitoral.
Lula tem dito publicamente que ele quer que o seu conjunto dos ministérios, inclusive da área econômica, sejam quadros, independentemente da profissão, que tenham habilidade política. Ele tem consciência de que o Brasil hoje tem um desafio político enorme.
P- Se Lula for eleito, o governo vai manter medidas, como Auxílio Gás e de redução do preço dos combustíveis, além do valor de R$ 600 do Auxílio Brasil? Se sim, como fazer isso já em janeiro para evitar um vácuo?
AP - Essa é uma responsabilidade não só do governo. Na minha opinião, é uma responsabilidade inclusive do Congresso atual, que estará debruçado sobre a peça [proposta de lei para 2023] de Orçamento e encaminhada por Bolsonaro, que prevê um corte do Auxílio Brasil, tira recursos da Farmácia Popular.
Esse Congresso atual tem uma grande responsabilidade nos próximos meses de não permitir que essa atrocidade aconteça no nosso país. Se o Congresso não garantir, o [ex-]presidente Lula vai garantir.
P - Há a perspectiva de um pedido de uma licença para gastar [o chamado "waiver fiscal"], por exemplo, para manter o valor do Auxílio Brasil em R$ 600? Qual seria esse valor?
AP - O waiver é um termo que você está utilizando. Eu nunca vi o [ex-]presidente Lula falar em waiver. A população brasileira tem que saber que o único [candidato] que tem compromisso real em manter R$ 600 esse Auxílio e tem como proposta acrescentar R$ 150 por filho é o [ex-]presidente Lula. O único que tem compromisso em garantir aumento real do salário mínimo é ele. E o debate disso, detalhamento disso, depende do que o Congresso vai discutir nesse momento do Orçamento [de 2023].
P -O segundo turno da corrida presidencial vem reforçando uma guerra religiosa. Mas Lula dizia que não ia tratar desses temas na campanha. Qual sua avaliação sobre isso?
AP - Em nenhum momento eu vi o [ex-]presidente Lula falar sobre isso. Não vi vídeos da campanha sobre isso [religião] até agora. Durante a pandemia, tive uma relação muito próxima com lideranças religiosas das mais variadas religiões, porque são centros de acolhimento fundamentais sobretudo nas comunidades mais pobres.
O que eu vejo é uma indignação de várias dessas lideranças sobre a forma como o Bolsonaro tenta profanar a fé das pessoas para um projeto de ódio, para um projeto de disputa política, para um projeto de preconceito e de intolerância religiosa. O centro da nossa campanha é o sofrimento do povo brasileiro, desde o mais pobre até o mais rico.
P - O Congresso eleito é mais conservador. O presidente Bolsonaro conseguiu eleger aliados, como ex-ministros. Qual o efeito disso nas negociações com o Legislativo caso Lula seja eleito?
AP - Pelas características do sistema político brasileiro, não se pode saber como vai ser o comportamento do Congresso olhando pela sigla.
Tenho certeza de que o [ex-]presidente Lula, junto com Alckmin, tem toda a capacidade política, se ganhar as eleições, de construir uma governabilidade junto com esse Congresso Nacional pela sua experiência política. Em 2003, ele [Lula] não tinha maioria no Senado, não tinha [maioria] na Câmara. Vamos ter capacidade maior de diálogo com governadores e prefeitos, algo que Bolsonaro não fez.
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ALEXANDRE PADILHA, 51
Médico, formado pela Unicamp. Foi ministro da SrI (Secretaria de relações Institucionais) de Lula. Em 2011, assumiu o Ministério da Saúde na gestão
dilma rousseff (Pt) implementou o programa Mais Médicos. deixou a pasta em 2014 para disputar o governo de São Paulo, quando foi derrotado por Geraldo alckmin (PSb)
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