LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) - O ciclo de aumento de juros para tentar conter a inflação recorde na União Europeia (UE) pode representar uma bomba-relógio para as famílias em Portugal, onde mais de 90% dos contratos de crédito para habitação foram celebrados com taxas variáveis.
A disparada no valor das prestações da casa própria já começou, e o cenário é particularmente mais complicado para quem tem contratos recentes e com montantes mais elevados. Em alguns casos, o reajuste para os próximos 12 meses pode superar os 30%.
A principal variável no cálculo das prestações é a chamada Euribor, a taxa de referência interbancária na UE que serve como parâmetro para a maior parte dos financiamentos habitacionais. Os valores costumam estar intimamente relacionados às taxas de juros do BCE (Banco Central Europeu).
Como forma de estímulo após a crise financeira da década passada, a Euribor esteve em patamares negativos entre 2015 e 2021. Com o cenário de inflação em alta na Europa, a taxa voltou a subir em 2022.
Principal referência de reajuste dos contratos, a Euribor a 12 meses já está acima dos 2,4%.
Para uma família que tenha contraído um empréstimo de 150 mil euros (cerca de R$ 756,7 mil) com prazo de 30 anos, taxa de juros associada a Euribor a 12 meses e um spread bancário (margem de lucro da instituição) de 1%, a prestação pode ter um aumento de mais de 120 euros mensais (R$ 605).
"Nós passamos sete anos com taxas de juros negativas, tivemos um período de exceção. Agora existe uma normalização das taxas de juros. O problema é que isso acontece de forma muito acelerada e em um momento de elevada inflação [quase de 10%] e de aumento generalizado do custo de vida", diz o economista Nuno Rico, da Deco Proteste, associação de defesa dos consumidores.
Na avaliação do profissional, embora a situação seja motivo de apreensão, a economia portuguesa hoje está em melhores condições para lidar com as mudanças.
"Estamos em uma situação globalmente melhor do que no período de 2011 e 2013, quando tivemos uma crise e houve a intervenção da troika [FMI, BCE e Comissão Europeia] no país. Agora a situação parece menos grave, não temos sinal de aumento do desemprego", completa.
Em Portugal há seis anos, Kelly e Robson Oliveira, ambos de Minas Gerais, financiaram um apartamento de um quarto em Sintra, na região metropolitana de Lisboa, em dezembro de 2021. O casal se diz apreensivo com o primeiro reajuste da parcela, no aniversário de um ano do contrato.
"A vida encareceu muito nos últimos meses: supermercado, conta de luz e gasolina. Só não aumentou o nosso salário. Se a prestação da casa aumentar tanto quanto as pessoas estão dizendo, não sei como vamos fazer para encaixar os gastos", diz Kelly, que ganha cerca de 1.000 euros (R$ 5.040) como esteticista.
Nos últimos meses, com o cenário de aumento dos juros, a preocupação com um aumento generalizado das prestações habitacionais tem sido discutida com seriedade em Portugal.
Nesta segunda-feira (10), o governo do premiê socialista António Costa anunciou algumas medidas de apoio às famílias com crédito à habitação.
Na proposta de Orçamento de Estado para 2022, entregue agora ao Parlamento, haverá redução no imposto de renda retido na fonte para quem tem financiamento habitacional "para habitação própria e permanente" e ganha até 2.700 euros (R$ 13,6 mil) brutos por mês.
A estimativa é de que cerca de 1,4 milhão de titulares de contrato de crédito possam se beneficiar da medida, cujo principal objetivo é aumentar a liquidez dos portugueses.
Enquanto países com economias mais fortes, como França e Alemanha, costumam ter empréstimos do crédito à habitação com taxas pré-definidas por toda a duração do contrato ou ao longo vários anos, a situação é diferente no Sul da Europa.
Dados do Banco de Portugal indicam que cerca de 93% do crédito habitacional no país tem taxas variáveis. Na vizinha Espanha, são cerca de 75%.
"Os bancos em Portugal não tinham a mesma capacidade financeira dos países mais ricos da Europa. Os empréstimos com taxas variáveis foram inicialmente uma forma para que eles fornecessem crédito com valores competitivos dentro desse contexto", diz o Nuno Rico, da Deco Proteste.
Segundo o economista, durante muitos anos os bancos tiveram pouco interesse pelos créditos com taxas variáveis. Com poucas opções disponíveis e menos concorrência, as taxas cobradas não eram competitivas. Ele avalia que, com o cenário inflacionário, a situação tem vindo a mudar, com mais opções para quem celebrar novos contratos.
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