SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Um em cada dez brasileiros com renda familiar acima de dez salários mínimos já tem uma conta com saldo em moeda estrangeira, serviço que vem atraindo consumidores interessados em realizar viagens internacionais e compras no exterior e que pode ganhar mais fôlego com a reativação do turismo após a queda das restrições impostas pela pandemia de Covid-19.

As vantagens mais evidentes das chamadas contas em dólar em relação ao meio de pagamento mais usual, o cartão de crédito internacional, são a alíquota de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) mais barata e, no caso dos viajantes, a possibilidade de trocar o câmbio do turismo pelo comercial, que custa menos.

Despesas realizadas no exterior, seja em viagens ou compras em sites estrangeiros, têm incidência de 6,38% de IOF. Mas, se o consumidor transfere o dinheiro para uma conta em um banco lá fora, esse custo cai para 1,1%.

É uma mera regra tributária, e não há novidade nisso. Clientes com acesso ao private banking, serviço bancário destinado aos muito ricos, desfrutam desse privilégio há bastante tempo.

Nos últimos anos, porém, novas empresas de tecnologia financeira tornaram mais acessível o serviço. A oferta surgiu a reboque do aquecimento da demanda por meios de pagamento mais baratos para compras nos sites estrangeiros de comércio eletrônico.

Entre os pioneiros no Brasil, o banco C6 Bank passou a ofertar a sua conta em dólar em dezembro de 2019. Um ano depois, começou a oferecer o serviço em euro.

A intenção era justamente tirar dos grandes bancos clientes de média e de alta renda insatisfeitos com o custo de operações no exterior, segundo Maxnaun Gutierrez, chefe de produtos voltados à pessoa física do C6 Bank.

"Identificamos, através de pesquisas, que era uma dor do cliente", comenta Gutierrez. "Aquele que viaja ou mantém um filho que estuda no exterior, e também com a entrada de sites estrangeiros, como Shopee e Alibaba", comentou.

Encomendada pelo C6 Bank ao Ipec, a pesquisa citada no começo do texto mostra que 12% da população das classes A e B já conta com o serviço. Se considerada só a classe A, cuja renda familiar passa de 20 salários mínimos pelo critério do IBGE, a aceitação do produto sobe para 20%.

Essa pesquisa também mostrou que 35% das pessoas com conta em moeda estrangeira buscaram o serviço para economizar com viagens e 27% para realizar compras. Outros 26% desejavam transferir dinheiro para fora do país.

Gutierrez diz que o crescimento das contas em moedas estrangeiras está só no começo. O espaço para avançar, afirma, é do tamanho da parcela dessa população que ainda não tem conta em dólar ou em euro.

"Você ainda tem praticamente 90% [das classes A e B] que desconhecem o produto", diz. "O custo para esse público, mesmo que viaje ao exterior a cada três anos, é muito alto."

Escapatória para não pagar o IOF mais caro em uma viagem, a compra da moeda aqui no Brasil tem taxa de 1,1%. A regra é a mesma da conta em dólar, explica o advogado tributarista Diogo Olm Ferreira, do escritório VBSO.

O custo é menor porque, nesse caso, o dinheiro mais barato é para o uso no exterior, em vez da importação de mercadorias. "Faz sentido do ponto de vista da lógica da legislação tributária", diz Ferreira.

Mas viajar com quantia elevada em dinheiro vivo é arriscado, obviamente, e eventualmente mais burocrático. Ao sair do Brasil com mais de R$ 10 mil, cada viajante é obrigado a preencher a e-DBV (Declaração Eletrônica de Bens de Viajantes) e apresentá-la à fiscalização aduaneira.

Além disso, há o custo do dólar turismo, também aplicado para os cartões pré-pagos e até mesmo nos serviços de remessas de valores para resgate no exterior oferecidos por casas de câmbio.

Tomando por base as cotações da consultoria mercantil CMA na sexta-feira (23), o dólar comercial fechou em R$ 5,248. O turismo, em R$ 5,430. O custo da moeda para viajante sobe 3,4%, nessa comparação, embora a diferença possa variar conforme o preço encontrado em cada casa de câmbio.

A facilidade para abrir uma conta em dólar também é um atrativo. Aloisio Matos, diretor de serviços internacionais do Inter, afirma que a conta em moeda estrangeira é integrada ao aplicativo do banco digital.

No caso do Inter, é necessário um documento original com foto que esteja dentro do período de validade, podendo ser RG, CNH ou RNE (registro de estrangeiros). Basta fotografar os documentos. O processo em outras instituições do ramo é semelhante.

Taxas mais baratas do que as oferecidas por bancos convencionais também foram descritas como vantagens por C6 Bank, Inter, Wise e Nomad, instituições que responderam a uma consulta feita pela Folha. Mas esse é um ponto um pouco mais difícil de verificar.

Bancos costumam diluir taxas e custos em diferentes tipos de serviços ou alterar alíquotas de acordo com o valor da operação. Uma empresa que, por exemplo, não cobra taxa para abrir a conta pode, entretanto, embutir esse custo na emissão do cartão. Na verificação feita pela reportagem nos sites e respostas das empresas citadas esse tipo de variação também apareceu.

Preço médio pode reduzir custo do câmbio "O câmbio existe para tornar economistas humildes", diz Fernanda Mello, planejadora financeira pela Planejar (Associação Brasileira de Planejamento Financeiro), repetindo uma piada conhecida no meio financeiro. "É a variável mais imprevisível da economia", diz.

Como é praticamente impossível acertar o ponto ideal de queda do dólar ou do euro para conseguir a menor cotação, a solução para quem pretende viajar a curto prazo é aproveitar momentos pontuais de queda para comprar moeda estrangeira, segundo a especialista.

Compras regulares de moeda estrangeira permitem a construção de um preço médio para o câmbio.

É mais fácil explicar isso com um exemplo: alguém que, desde o início do ano, transfere quantidades iguais para uma conta no exterior no primeiro dia útil de cada mês fez uma taxa média de câmbio de R$ 5,06 por dólar. Se tivesse feito uma única transferência na sexta (23), a taxa seria de R$ 5,25 por dólar.

Mello afirma que as contas internacionais realmente são a melhor alternativa para esse uso. "Existe a praticidade de transitar apenas com um cartão, ou até mesmo o cartão virtual no celular, sem que o viajante precise carregar o papel-moeda para ter um custo mais baixo", diz.

Para quem planeja uma viagem para um horizonte maior de tempo, a planejadora sugere que o interessado considere investir em fundos cambiais. "É uma opção interessante porque permite manter o poder de compra em moeda estrangeira, seja dólar ou euro."


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