BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O relator-geral do Orçamento de 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI), estima em pelo menos R$ 100 bilhões o ajuste nas contas do ano que vem a ser feito entre os parlamentares e a equipe do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Otimista com a possibilidade de votar a proposta até 16 de dezembro, Castro terá uma primeira reunião com integrantes do time de Lula na próxima quinta-feira (3). O interlocutor petista nessas negociações será o ex-governador do Piauí e senador eleito Wellington Dias --cotado para virar ministro no novo governo. Também participam o ex-ministro Aloizio Mercadante, que atua na equipe de transição, e outros parlamentares.

As tratativas ainda estão incipientes, e o relator pretende primeiro ouvir as propostas da equipe de Lula para só então encaminhar uma solução. O diagnóstico, porém, é categórico. "O Orçamento está superapertado, não temos margem para mexer em nada", diz o relator à Folha de S.Paulo. "Com o teto que nós temos, não tem de onde tirar."

Embora mudanças e até o fim do teto de gastos já sejam esperadas por economistas, a regra (que impede o crescimento das despesas em ritmo acima da inflação) segue em vigor. Por isso, pode ser necessário aprovar uma PEC (proposta de emenda à Constituição) para autorizar gastos extras. Essa licença vem sendo chamada de "waiver" pelo mercado financeiro.

Castro diz que outras alternativas estão em estudo pelos técnicos, mas ressalta que vai ouvir também as ideias trazidas pelo PT na reunião de quinta antes de fechar seu parecer.

A iniciativa mais urgente é assegurar os R$ 52 bilhões para manter o pagamento mínimo de R$ 600 aos beneficiários do Auxílio Brasil. "Não há condições políticas de não cumprir os R$ 600, foi um compromisso público", diz Castro.

Outros R$ 18 bilhões serão necessários para bancar o benefício extra de R$ 150 por criança até 6 anos no Auxílio Brasil. A correção da tabela do IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física), garantindo uma faixa de isenção para quem recebe até R$ 5.000, como prometeu Lula, custaria mais R$ 21 bilhões em receitas.

Há ainda a promessa de dar reajuste acima da inflação para o salário mínimo, o que impacta as despesas com aposentadorias, e a necessidade de recompor verbas de programas sociais.

A avaliação do senador, porém, é que o novo governo tem mais margem de manobra nessas frentes. Como a Folha de S.Paulo mostrou, o próprio PT avalia utilizar certo gradualismo na adoção de algumas medidas que têm impacto nas contas públicas.

O relator também vê necessidade de atuar para afastar o risco de compressão ainda maior das despesas. Por isso, ele antecipa que deve manter os parâmetros usados na elaboração da proposta de Orçamento, para assegurar uma correção maior do teto de gastos, apesar da desaceleração da inflação.

A peça foi enviada com uma expansão de 7,2% no limite, refletindo a projeção para o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) em agosto. Hoje, a previsão dos analistas é de 5,6%, segundo o Boletim Focus. Atualizar esse parâmetro (para o patamar mais baixo) achataria o teto de gastos e criaria uma dificuldade adicional ao Congresso na aprovação do Orçamento.

"O governo projetou um reajuste para o Orçamento 2023 de 7,2%. Nós estamos trabalhando com esse número, o número vai ser esse daí. Se depender de mim, não [vamos revisar]", afirma Castro.

A emenda constitucional que expandiu o teto de gastos no fim do ano passado, para acomodar a primeira ampliação do Auxílio Brasil, mudou a forma de correção do limite, que antes usava a inflação acumulada em 12 meses até junho. Por ser um índice já conhecido, não havia qualquer margem de manobra.

Agora, a inflação usada é a do fim do ano, que só é divulgada após a aprovação do Orçamento. Por isso, o Congresso tem espaço para atualizar ou não as estimativas, segundo o entendimento dos parlamentares.

O economista Marcos Mendes, pesquisador do Insper, alertou já em janeiro para o risco de se criar uma "zona cinzenta", com incentivo aos legisladores para inflar a correção do teto. Ele calcula que a manutenção da inflação de 7,2% evita o corte de R$ 27 bilhões no espaço fiscal.

O relator do Orçamento diz ainda acreditar que o Congresso e o Executivo devem buscar um acordo para que as emendas de relator sejam mantidas no Orçamento. Esse instrumento é usado como moeda de troca nas negociações políticas, permitindo aos parlamentares aliados direcionar recursos a seus redutos eleitorais.

Durante a campanha presidencial, Lula defendeu o fim dessas emendas, usadas pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) para ampliar a base política na Câmara e no Senado, ao custo de cortes em despesas dos próprios ministérios.

Castro, que é aliado de Lula, diz que a ampla maioria do Congresso quer continuar com o controle dessa fatia das despesas públicas -as emendas de relator estão previstas em R$ 19,4 bilhões no próximo ano.

"Vai depender muito da negociação entre o Executivo e o Legislativo. Pela manifestação do Lula, elas seriam extintas. Pela manifestação da imensa maioria dos congressistas, elas seriam mantidas. Então, os políticos negociam", afirma o senador.

O elevado valor das emendas de relator pressionou ainda mais as contas públicas e gerou desgaste ao governo de Bolsonaro, que enviou a proposta de Orçamento de 2023 com cortes na área social.

O relator também quer encontrar uma forma de recompor o orçamento desses programas, como Farmácia Popular. Há risco também de o Casa Verde e Amarela parar em 2023 se não houver aumento de verba para o programa habitacional.

O senador ainda reiterou a sinalização de que buscará elevar o reajuste previsto para servidores públicos do Poder Executivo.

A proposta de Orçamento reservou uma verba de R$ 11,6 bilhões para esses aumentos, o suficiente para um reajuste de aproximadamente 4,85% a partir de janeiro --caso seja aplicado em meados do ano, o percentual poderia ser maior.

O Judiciário, por sua vez, enviou proposta de reajuste de 18% em dois anos, o que deve servir de referência para a demanda dos servidores do Legislativo.

"O servidor do Legislativo e Judiciário ganham salário maior. Eles vão ter um reajuste maior dos que tradicionalmente ganham menos? O que está previsto [para servidores do] Executivo é só a metade do que está previsto para o Judiciário. É justo isso? Eu acho que não. Como fazer? Vamos ter que estudar e equacionar para ver o que pode ser feito", afirma o relator.


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