RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - A equipe que elabora o plano energético do governo Lula, eleito neste domingo (30), quer uma Petrobras de volta a áreas abandonadas por gestões anteriores, e com mais foco em expansão das atividades do que na remuneração aos acionistas.
Defende ainda uma nova política de preços dos combustíveis e estuda a criação de um fundo de estabilização de preços, que limitaria repasses em caso de flutuações abruptas no mercado internacional.
A estratégia vem sendo discutida por especialistas ligados ao setor, reunidos em um grupo liderado pelo ex-ministro da Fazenda, Aloísio Mercadante. Lula já defendeu também a retomada dos investimentos em refino e de contratações junto à indústria naval brasileira, assuntos também deixados de lado após Temer.
O plano de governo do PT fala em "abrasileirar" os preços dos combustíveis, deixando de lado o PPI (Preço de Paridade de Importação) e considerando que parcela relevante dos custos de produção é feita em moeda nacional.
O modelo é criticado por petroleiras e importadores, sob o argumento de que pode prejudicar as importações necessárias para complementar o abastecimento nacional.
Ao divulgar nesta quinta-feira (3) o lucro de R$ 46,1 bilhões no terceiro trimestre de 2022, o diretor Financeiro da Petrobras, Rodrigo Araújo, defendeu a manutenção dos preços atrelados ao mercado internacional.
"Sem preços de mercado corre-se o risco de escassez de produtos, com óbvias consequências negativas para a sociedade como um todo", escreveu ele, no texto que acompanha o balanço da estatal.
Para reduzir esse risco, integrantes do grupo defendem a retomada do debate sobre a conta para estabilizar os preços, financiada por royalties e participações espaciais arrecadados sobre a produção de petróleo e por dividendos da Petrobras.
A ideia já foi debatida no Congresso, mas ficou em segundo plano depois que o governo decidiu apoiar proposta de cortes nos impostos federais e estaduais para conter a escalada dos preços no primeiro semestre.
Foi criticada na época pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, para quem esse tipo de fundo é caro e não traz resultados.
As mudanças pretendidas pelo PT, porém, vão bem além do preço dos combustíveis. O governo Lula enterra de vez a proposta de privatização da estatal e deseja "uma empresa integrada de energia, investindo em exploração, produção, refino e distribuição", como diz o programa eleitoral.
Quer ainda o retorno a segmentos abandonados por gestões anteriores, como aqueles "que se conectam à transição ecológica e energética como gás, fertilizantes, biocombustíveis e energias renováveis."
O setor de fertilizantes, por exemplo, é visto como estratégico, para tentar reduzir a dependência brasileira de importações. A estatal chegou a iniciar obras de duas fábricas de fertilizantes nitrogenados no governo Dilma, mas os projetos foram abandonados após o início da Operação Lava Jato.
O retorno às energias renováveis é visto por conselheiros do novo governo como essencial para manter a sobrevivência da empresa em um futuro com maiores restrições à produção de petróleo. O segmento foi retirado do plano estratégico da companhia no primeiro ano do governo Bolsonaro.
A área de refino também volta a entrar no radar, após seis anos de tentativas de venda de refinarias, processo que até o momento só foi bem-sucedido na Refinaria de Mataripe, na Bahia, desde dezembro de 2021 sob gestão do fundo árabe Mubadala.
O fundo de estabilização dos preços ajudaria a viabilizar os investimentos em novas refinarias, segundo pessoas que vêm ajudando na formulação das propostas.
A ampliação das áreas de atuação e, consequentemente, do volume de investimentos da estatal impacta diretamente a política de distribuição de dividendos da estatal, que aproximou investidores ao governo Bolsonaro nos últimos anos.
No primeiro semestre de 2022, a Petrobras foi a maior pagadora de dividendos do mundo, segundo a gestora Janus Henderson. No terceiro trimestre, a estatal anunciou a distribuição de R$ 43,7 bilhões, elevando a R$ 180 bilhões o total pago pelos resultados no ano.
A reação da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, adianta o que o partido pensa sobre o assunto. "Não concordamos com essa política que retira da empresa sua capacidade de investimento e só enriquece acionistas. A Petrobras tem de servir ao povo brasileiro", escreveu ela.
O programa de governo de Lula não trata do assunto, mas a reação do mercado aos questionamentos sobre o valor distribuído mostra que investidores já esperam uma Petrobras diferente da gestão atual. Mesmo após o bom resultado trimestral, as ações da empresa despencaram na Bolsa.
A assessoria de Mercadante disse à reportagem que precisa esperar a nomeação da equipe de transição para comentar o assunto. Algumas das mudanças propostas dependem de alterações no estatuto da companhia, como é o caso da política de preços dos combustíveis.
Fontes ouvidas pela reportagem defendem que o acionista controlador tenha mais influência na gestão, cenário limitado pela Lei das Estatais, que restringe nomeações políticas para a administração dessas empresas e impede sua atuação como apoio a políticas públicas.
O nome mais cotado para presidir a Petrobras sob Lula, por exemplo, é o senador potiguar Jean-Paul Prates, filiado ao PT.
Essas restrições, porém, foram desconsideradas por Bolsonaro neste ano, com a eleição de um conselho alinhado, formado majoritariamente por ocupantes de cargos públicos. Bolsonaro também abandonou a paridade internacional de preços durante a campanha para o segundo turno.
No texto que acompanha o balanço, o diretor Financeiro da Petrobras defende a estratégia atual, repetindo o argumento de que uma empresa forte contribui com a sociedade ao pagar dividendos e impostos.
"Os números deixam claro o valor que uma companhia pode gerar para a sociedade e seus acionistas, ao fazer as escolhas certas", escreveu Araújo.
O QUE PREGA O PROGRAMA DE LULA SOBRE A PETROBRAS
Forte oposição à privatização
Plano estratégico orientado para a segurança energética, a autossuficiência nacional em petróleo e derivados, a garantia do abastecimento de combustíveis no país
Estatal voltará a ser empresa integrada de energia, investindo em exploração, produção, refino e distribuição
Atuação também em segmentos que se conectam à transição ecológica e energética, como gás, fertilizantes, biocombustíveis e energias renováveis
Transição para nova política de preços dos combustíveis e do gás, que considere os custos nacionais e que seja adequada à ampliação dos investimentos em refino e distribuição e à redução da carestia
Preservação do regime de partilha da produção do pré-sal, no qual o governo tem direito a parcela do petróleo produzido
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