O volume de famílias com contas atrasadas no país subiu em outubro e atingiu a maior taxa anual em seis anos, revelou hoje (7) a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), divulgada nesta segunda-feira pela CNC, a proporção de famílias inadimplentes ficou em 30,3% em no mês passado, alta de 0,3 ponto percentual em relação a setembro, e de 4,6 pontos em relação a outubro do ano passado.
Esse avanço de 4,6 pontos em 12 meses foi o maior registrado na comparação anual desde março de 2016, informou a CNC. O indicador subiu pelo quarto mês consecutivo.
O aumento na inadimplência ocorreu mesmo com a relativa estabilidade na proporção de endividados. Em outubro, o percentual das famílias com dívidas a vencer chegou a 79,2%. O indicador caiu 0,1 ponto na comparação com setembro, mas subiu 4,6 pontos percentuais em relação a outubro de 2021.
De acordo com a CNC, o aumento da inadimplência pode ser explicado pela combinação de grande nível de endividamento e juros altos. Na avaliação da entidade, esse cenário dificulta a quitação de todos os compromissos financeiros dentro do mês, mesmo com a melhora progressiva no mercado de trabalho, a queda da inflação e as políticas de transferência de renda reduzindo a proporção de endividados.
Estados e renda
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Na comparação por renda, a taxa de endividamento aumentou nos últimos 12 meses tanto entre as famílias de baixa e média renda (que ganham até dez salários mínimos) quanto entre as de maior renda (que recebem mais que dez salários mínimos). Segundo a CNC, as dívidas no cartão de crédito e no cheque especial, que cobram os juros mais altos, estão pressionando o aumento na proporção de endividados.
Desaceleração
Na comparação com outubro de 2021, o número de famílias com dívidas a vencer subiu 4,6 pontos percentuais, menor taxa anual desde julho de 2021, disse à Agência Brasil a economista da CNC Izis Ferreira. Segundo Izis, nessa base de comparação, o aumento tem sido cada vez menor. A economista destacou que hoje ainda existe uma proporção de endividados mais alta do que havia em outubro de 2021, mas disse que a taxa anual vem desacelerando, ficando “cada vez menos expressiva”.
Izis Ferreira ressaltou que, atualmente, as pessoas circulam mais pelas ruas e podem consumir produtos e serviços sem nenhuma restrição. O contexto econômico mostra que a inflação está dando uma trégua, temporariamente e ainda em nível elevado, mas tem aliviado um pouco a renda disponível. “Isso se refletiu na proporção de endividamento, embora o nível de endividamento ainda seja muito alto.”
A economista ressaltou que, em 2021, a proporção de endividados cresceu mais entre famílias de maior renda (5,8 pontos percentuais) que entre as de menor renda (4,3 pontos percentuais ). De setembro para outubro deste ano, a redução foi mais significativa entre os consumidores de renda elevada (-0,5 pontos percentuais). “Temos 80,2% de famílias de baixa e média renda endividadas hoje e 75,4% de famílias de renda alta endividadas. Na comparação com outubro do ano passado, o endividamento foi maior para o grupo de alta renda, que retomou o consumo de serviços em um ambiente em que estes estão mais caros. Estamos falando de passagens aéreas, viagens, salão de beleza, alimentação fora do domicílio. Tudo isso cresceu muito de preço no último ano.”
Passagens aéreas pesam muito no item de viagens para famílias de renda elevada, que as compram com cartão de crédito, disse a economista. A retomada de serviços por esse grupo, em um ambiente em que há inflação de serviços alta, levou-o a um aumento mais expressivo na proporção de endividados. Mas o grupo de menor renda ainda tem famílias mais numerosas quando se olha o total de endividados no Brasil, destacou.
Juros altos
Os orçamentos domésticos continuam apertados, principalmente entre as famílias de menor renda, apesar da retomada progressiva do fôlego na economia, disse o presidente da CNC, José Roberto Tadros. “O nível de endividamento alto e os juros elevados pioram as despesas financeiras associadas às dívidas em andamento, ficando mais difícil quitar todos os compromissos financeiros dentro do mês.”
Segundo o Banco Central, os juros anuais em todas as linhas de crédito para as pessoas físicas atingiram 53,7% em média, em setembro, com evolução de 12,5 pontos percentuais. Izis Ferreira afirmou, contudo, que a proporção de famílias com dívidas atrasadas por mais de 90 dias vem se reduzindo desde abril. Em outubro, esse indicador alcançou 41,9% dos inadimplentes, menor proporção desde dezembro de 2021.
Segundo Izis, os consumidores têm buscado renegociar as dívidas atrasadas. A porcentagem de famílias que afirmaram não ter condições de pagar as contas caiu 1 ponto percentual de setembro para outubro, representando 10,6% do total de famílias.
Principais dívidas
O cartão de crédito mantém-se, já há algum tempo, como principal tipo de dívida das famílias brasileiras, indica a Peic. Aumentou de 84,9%, em outubro do ano passado, para 86,2% em igual mês deste ano. Do mesmo modo, houve expansão no cheque especial, de 4,9% para 5,1%, na mesma base de comparação." São duas modalidades de fácil acesso, além de serem meios de pagamento muito difundidos. E, muitas vezes, as famílias consideram o limite aprovado como renda disponível, assim como o cheque especial. O que aconteceu, ao longo do ano, é que as duas modalidades foram suportando o consumo, especialmente de gêneros de primeira necessidade, para consumo imediato, e o orçamento não deu. Aí, como a família não tem reserva de emergência, usou o cheque especial e o cartão de crédito.”
Izis salientou que, nesse caso, além da questão conjuntural, há o fator comportamental. Além de ser muito fácil de usar e muito divulgado, o cartão de crédito enfrenta promessas de benefícios e incentivos de muitas lojas. Isso, de certa forma, incentiva as pessoas a usar mais o cartão de crédito. “Por isso, chegamos a 86,2% de endividados no cartão. Só que o cartão é uma faca de dois gumes. Ele é muito fácil, mas é muito caro.”
A taxa de juros média do rotativo do cartão alcança em torno de 380% ao ano, embora existam instituições que pratiquem juros bem maiores que a média. “Aí, a pessoa, quando não consegue pagar toda a fatura, fica sujeita a essa taxa de juros que é a maior do mercado de crédito. A taxa do cheque especial é a segunda maior. Então, o que a gente vê são as modalidades que custam mais caro apresentarem crescimento quando se olha o resultado de outubro em relação a outubro do ano passado.”
Já o crédito consignado, um dos tipos de crédito com juros mais baixos (cerca de 25% ao ano, segundo dados do Banco Central, perdeu espaço no endividamento dos brasileiros: 5% do total de consumidores endividados tem dívidas consignadas atualmente, ante 7% em outubro de 2021.
*Colaborou Wellton Máximo
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