SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em meio às incertezas sobre a condução da política monetária do BC (Banco Central) em 2023 na esteira das discussões sobre a condução da política fiscal pelo governo no próximo ano, o presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto, afirmou que a principal preocupação à frente pode deixar de ser tanto a pressão inflacionária e passar a ser mais voltada ao ritmo de crescimento da atividade econômica.
"O Brasil estava precificando um ciclo de queda [dos juros]. Mais recentemente, com essa dúvida sobre o futuro do arcabouço fiscal, as taxas de juros futuro reagiram. Mas a gente está vendo aqui, basicamente, que talvez a gente entre em um período agora de mudança da preocupação principal, de não ser tanto a inflação e ser um pouco mais o crescimento", afirmou nesta quarta-feira (23) durante evento promovido pela gestora de recursos BlackRock em São Paulo.
Nas últimas semanas, com as sinalizações do governo eleito de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre uma fatura de cerca de R$ 198 bilhões fora do teto para bancar o Bolsa Família a partir de 2023, o mercado passou a precificar a necessidade de novos aumentos de juros pelo BC, diante da perspectiva de uma maior pressão inflacionária.
O número, que não está fechado, assim como as negociações em torno da PEC (proposta de emenda à Constituição) da Transição, têm provocado oscilações no mercado financeiro, que teme um descontrole das contas públicas.
Nesta quarta, o contrato de juros futuros para 2024 avançava de 14,38% na sessão anterior para 14,66%, enquanto o título com vencimento em 2025 subia de 13,69% para 14,06%.
"A taxa longa [dos juros futuros] está super sensível à trajetória da dívida, temos um mundo bastante endividado, e o Brasil precisa mostrar um equilíbrio nas contas olhando para frente."
Em referência ao cenário turbulento, Campos Neto cobrou mais transparência. O presidente do BC disse que "se você for mais transparente e explicar melhor, você pode gastar mais com menos custo em termos de credibilidade".
"Não estar explicando muito bem ou não estar desenhando muito bem o programa, e ter várias notícias ao mesmo tempo, acaba gerando uma incerteza que diminui a sua capacidade de gastar. Você obviamente pode gastar mais se a sua explicação de como vai convergir a dívida lá na frente for crível", completou.
O presidente do BC assinalou ainda a importância de o governo conseguir atender os mais vulneráveis e as pessoas que sofrem os efeitos da pandemia, mas sem abandonar com isso a busca por um equilíbrio fiscal.
Ele ressaltou que é preciso que o governo indique que adotará uma política fiscal que permita ao mercado vislumbrar uma trajetória sustentável da dívida pública nos próximos anos.
Campos Neto afirmou ainda que um cenário no qual o governo venha a retomar a política de estimular o subsídio de crédito pelos bancos públicos tende a causar um impacto para a taxa de juros considerada neutra, que é aquela que permite o crescimento da economia sem que isso resulte em um aumento da inflação.
"Voltar para um mundo de crédito subsidiado vai fazer com que a taxa neutra suba", ressaltou.
O presidente do BC abordou também nesta quarta a importância sobre a independência da autoridade monetária durante a transição de governo.
Ele afirmou que a independência do BC é operacional, mas não é administrativa e financeira, e, portanto, não se trata de uma autonomia completa.
"É importante que eu fique esses dois anos [o mandato de Campos Neto à frente do BC se encerra em 2024] e que eu mostre que todo o esforço que foi feito, o apoio das pessoas, do Congresso, do STF a esse movimento de ganho institucional, que ele sirva para momentos de transição de governo."
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