BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O ministro da Agricultura da gestão Jair Bolsonaro (PL), Marcos Montes (PSD-MG), afirma que o governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) "tem tudo para dar certo", e que os nomes ventilados para substituí-lo na pasta a partir do ano que vem são "excelentes".
"Os nomes que estão aí são nomes que eu aplaudo. Não vou citar nenhum porque já surgiram uns cinco. O que eu sugiro é que o presidente que vai assumir dê a mesma atenção ao ministério que o presidente Bolsonaro deu", diz em entrevista à Folha de S.Paulo.
Marcos Montes afirma que, além de escolher um ministro que conheça o setor e tenha o apoio da bancada ruralista, Lula deve evitar a guerra entre agricultura e meio ambiente, além de não se curvar aos países que "gritam lá fora", mas "não fazem absolutamente nada".
O ex-número dois da então ministra Tereza Cristina (PP-MS) condena ainda o bloqueio de estradas e diz não ver indícios de participação de empresas do agro no financiamento de protestos antidemocráticos --embora as investigações apontem o contrário.
PERGUNTA - Que balanço o senhor faz do Ministério da Agricultura no governo de Jair Bolsonaro?
MARCOS MONTES - A gente tem que fazer uma retrospectiva do início, quando o presidente procura a Frente Parlamentar [da Agropecuária] e pede a indicação de um ministro. Já foi um grande gesto para o setor.
Outro ponto importante foi que, em 50 cargos, tiveram duas indicações políticas, a do Jorge Seiff para a [Secretaria da] Pesca e a do Nabhan [Garcia, para a Secretaria de Assuntos Fundiários]. No âmbito da agricultura familiar, os recursos do Plano Safra foram maiores e os juros menores em relação ao passado. Quase 500 mil famílias assentadas foram tituladas. Nós abrimos mais de 230 mercados. Fora as crises que nós enfrentamos: pandemia, guerra, o negócio de fertilizantes, que nós fizemos um grande trabalho.
O que o senhor espera do ministério no governo Lula?
M. M. - Eu não sei quem será o indicado aqui [para ministro]. Eu digo o seguinte: os nomes que estão aí são nomes que eu aplaudo. São excelentes nomes. Não vou citar nenhum porque já surgiram uns cinco. Não sei quem será, mas todos são muito bons.
O que eu sugiro é que o presidente que vai assumir dê a mesma atenção ao ministério que o presidente Bolsonaro deu. Se ele fizer isso, com as pessoas capazes --e eu tenho certeza que virá para cá uma pessoa capaz--, eu acho que ele vai poder andar junto com a Frente Parlamentar da Agropecuária, com a CNA [Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil] e a OCB [Organização das Cooperativas Brasileiras].
O ex-ministro Neri Geller disse que a resistência do agro a Lula já está diminuindo.
M. M. - Eu acho que o Neri está certo, a resistência tem que diminuir, mas ela só vai diminuir com gestos. Se for mantido o que foi feito no passado, o setor vai ficar arrepiado. Principalmente com essa questão de insegurança jurídica, invasão de terra.
Essa questão ambiental que tanto se fala tem que ter uma linha de entendimento entre o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério da Agricultura. Não podem ser antagônicos, como era no passado. Eu vivi isso. O Ministério Agricultura parecia que era de um governo e o Meio Ambiente, de outro. Tem que trabalhar junto. Todos nós queremos preservar ambientalmente.
Agora, não pode ser esse discurso jogando em cima do produtor rural a responsabilidade pelos deslizes ambientais que ainda existem. No passado era guerra mortal entre a questão ambiental e a produção. A produção pode conviver perfeitamente com a questão da sustentabilidade, e o mundo está precisando disso. Então eu acho que tem tudo para dar certo se ele [Lula] tiver essas posições.
Mas o senhor concorda que a resistência no agro está diminuindo?
M. M. - A resistência existe, não dá para negar. E isso se quebra com atos de confiança. O presidente vai ter que dar sinais. Eu tenho esperança de que o agro possa ter esse nível de confiança nele como teve com o presidente [Bolsonaro]. Mas é preciso atender e valorizar o setor. Não pode valorizar só um pedacinho. A própria agricultura familiar que eles tinham como bandeira nunca foi valorizada. Foi valorizada agora que tem o Plano Safra, tem recurso, tem titulação.
Eu não vou chamar de resistência, eu vou chamar de receio. O mundo trabalha contra nós em alguns setores porque nós somos competitivos. Usam a sustentabilidade, a questão ambiental, para tirar a nossa força. Ele não pode entrar nessa seara que a França faz, que principalmente a União Europeia faz. Ele tem que entender que primeiro ele tem que proteger e prestigiar o nosso setor, não os que gritam lá fora sobre a questão ambiental. Eles não fazem nada, absolutamente nada. Nem pagam o Brasil nem fazem nas terras deles. Eles têm medo do Brasil ser competitivo. E aqui nós fazemos nosso dever de casa. O Brasil avançou muito nessas coisas, mas tem ainda um caminho a avançar pelo potencial que nós temos.
O que se viu no governo Bolsonaro foi o enfraquecimento do Ministério do Meio Ambiente.
M. M. - Eu acho que nós tínhamos que ser mais severos com as irregularidades ambientais. Tinha que punir porque muitas vezes é o madeireiro que está fazendo isso, não é o pecuarista. Garimpo, madeira, gente do agro que estiver fazendo errado tem que ser punido também.
Agora, não é punir por qualquer coisa. Não é ir lá, olhar, e colocar fogo no trator por qualquer coisa. A questão do desmatamento ilegal, por exemplo, tem que buscar chegar a zero. E não aceitar o discurso dos países que criticam o Brasil e não fazem absolutamente nada. Nós temos que ser muito mais parceiros da nossa produção. Cobrando lá fora e não se curvando às opiniões dos países que, repito, não estão pensando só na questão ambiental --estão pensando também na competitividade do Brasil. As penalidades, as fiscalizações existiam, só que o discurso não era compatível com o que se estava fazendo.
Funcionários do Ibama e do ICMBio denunciaram o enfraquecimento da fiscalização, o ex-ministro Ricardo Salles defendeu passar a boiada.
M. M. - Isso foi uma infelicidade, um termo muito ruim. Eu não quero defender ele, mas o termo não foi bom. Não é correto um termo daquele, mas não foi com má intenção. O que ele poderia estar querendo dizer é que tem que aprovar muita coisa.
Em relação aos funcionários, eu vejo o seguinte: eles eram supervalorizados, tinham suas funções superdimensionadas. De repente tirou um pouco o poder desses funcionários. Eles não queriam saber da produção brasileira. Eles iam lá e metiam o ferro, desculpa a expressão.
Eu sou testemunha de muitos casos. Os ministros do Meio Ambiente que eu conheci, quase todos que passaram por lá [governos petistas] tinham posições às vezes muito mais ideológicas do que essa ação conjunta com a produção. O mundo inteiro está vindo aqui dizer: 'produzam, produzam, precisamos ter segurança alimentar'. Agora, precisamos produzir com sustentabilidade. Discordo politicamente do presidente eleito, sou de uma ala contrária, fui a vida inteira. Mas, com a minha experiência, eu tenho que dar crédito às pessoas.
O que explica o apoio do setor ao presidente? Há uma questão ideológica por trás, como a armamentista?
M. M. - A questão armamentista para o setor é tão pequena, tão irrelevante. As pessoas que defendem isso arduamente representam tão pouca gente no setor. E defendem [isso] porque passaram por problemas pessoais. Mas isso não é a pauta principal do setor.
Agora, eu acho corretíssimo ter uma arma na fazenda. Você está isolado, o cara entra lá dentro, tem que passar um susto no cara. Mas não é esse o problema do setor.
Então o senhor acha que isso não foi decisivo para apoio ao presidente.
M. M. - Não, nem de longe. Foi porque o setor teve o apoio consistente do presidente através do Ministério da Agricultura e das entidades. A questão armamentista é merreca perto disso.
O apoio é pelo que o agro passou nesses quatro anos. E a segurança jurídica. O que tem mais na cabeça do produtor é a questão de invasão de terra. Isso aí preocupa mesmo. O MST [Movimento dos Trabalhadores Sem Terra] participar da transição é um tiro no coração do produtor.
As informações enviadas ao STF indicam a participação de empresas do setor nos protestos em frente a quartéis e no bloqueio de estradas. Como o senhor vê isso?
M. M. - Eu acho que [Ministérios Públicos e polícias] estão equivocados. Pode ter produtores rurais ajudando os manifestantes, mas empresas não. É impossível você concordar com bloquear estradas.
Agora, se o cara está lá fazendo uma manifestação pacífica e a pessoa vai lá e quer ajudar, diz que vai fazer um churrasco, não vejo nada de errado. 'Ah, estão incentivando o golpe militar.' Como incentivando? O Exército vai ser induzido a sair da linha por causa da pressão popular? Se for, nós estamos ferrados. O Exército não pode estar subordinado a pressões populares.
O agro está participando, mas não com empresas. Está participando individualmente. Vamos supor que as pessoas vão fazer uma manifestação perto da minha fazenda. Eu posso falar: 'Vou matar um boi e fazer um churrasco para esse povo'. Eu não faço, porque eu não vou dar boi para ninguém [risos].
RAIO-X
Marcos Montes, 73
No Ministério da Agricultura desde o início do governo de Jair Bolsonaro como número dois de Tereza Cristina, assumiu o comando da pasta em março deste ano. Deputado federal entre 2007 e 2019, presidiu a Comissão de Agricultura e a FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária). Médico anestesista e produtor rural, foi prefeito de Uberaba (MG) por dois mandatos.
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