SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Era verão de 2021, na cidade do Rio de Janeiro. O jovem Leonardo Vitor de Oliveira foi com alguns amigos à praia do Arpoador, em Ipanema, zona sul carioca. Na metade do passeio, decidiram comprar alimentos e bebidas no supermercado mais próximo e saíram com os produtos na mão, "sem bolsa" (sacola), paga à parte.

No caminho de volta para a praia, ele e dois amigos foram abordados por policiais que participavam de uma blitz do outro lado da rua. "Vocês pagaram por isso aí?", perguntou um deles, já partindo para a revista. Felizmente, a nota fiscal estava no bolso de Oliveira.

"Eram apenas três homens carregando produtos na mão", diz o jovem de 25 anos, morador da favela da Maré, na zona norte do Rio. "Se a gente tivesse roubado alguma coisa, teria saído correndo, mas não, a gente estava andando normalmente, sem bagunça."

Mas, para Oliveira --um jovem branco de 1,95 metro, bigode fino e "corte do jaca" no cabelo (um corte navalhado com efeito degradê, que teria nascido na comunidade do Jacarezinho)--, ficou claro que os policiais viram nele e nos dois amigos negros que o acompanhavam sinais de que se tratava de moradores da favela.

"Eles nunca teriam feito isso [abordagem sem motivo] com gente de Ipanema, mesmo se os moradores estivessem vestidos como a gente", diz ele, lembrando que estavam de chinelos, bermuda e sem camisa. "Desanima ir à praia assim."

E não só à praia, segundo estudo da FGV Ebape (Escola Brasileira de Administração Pública de Empresas), em parceria com a francesa Iéseg School of Management. O levantamento apontou que o medo da discriminação faz com que consumidores de baixa renda prefiram comprar em lojas com público da mesma classe social --mesmo em casos em que o produto é mais caro do que em lugares frequentados por pessoas mais abastadas.

"Existe uma alta expectativa de discriminação dos consumidores pobres em ambientes comerciais mais sofisticados, uma preocupação praticamente não existente entre os consumidores ricos", diz o professor Yan Vieites, coordenador do centro de pesquisas comportamentais da Ebape e um dos autores do estudo, intitulado "Expectativa de discriminação socioeconômica reduz a sensibilidade ao preço entre os pobres".

O levantamento foi conduzido de agosto de 2017 a janeiro de 2022, com a participação de 1.936 pessoas, entre moradores do complexo de favelas da Maré e da zona sul do Rio de Janeiro. "Mas a expectativa é que sejam generalizáveis para outras localidades, porque refletem a realidade de outros estados e até mesmo de outros países", afirma Vieites.

De acordo com o especialista, muitas vezes os mais pobres acabam pagando um custo econômico para evitar o preconceito em ambientes comerciais. "Chamamos de 'pedágio social' o custo adicional que se paga para ter acesso aos mesmos bens e serviços", diz ele. "Grandes redes de mercado costumam estar fora de favelas, por exemplo, assim como serviços bancários formais", afirma.

A pesquisa envolveu alguns experimentos. Em um deles, foi dada uma quantia de dinheiro para moradores da Maré comprarem um par de chinelos, com direito a ficarem com o troco. Havia duas opções: pagar mais em uma banca de jornal ou menos em uma loja de um shopping de luxo, que estava em liquidação. A maioria preferiu não entrar no shopping e pagar mais pelo produto na banca.

Em outro experimento, foram oferecidos vales de compras em supermercados para os entrevistados. Os valores maiores eram para comprar em shoppings mais distantes e mais frequentados por outro grupo social. Mas havia valores menores para comprar em locais mais próximos e de predominância do mesmo grupo social dos moradores. A maioria optou pelo voucher menor.

Funcionário de uma loja de ferramentas, onde trabalha como entregador, Vieira gostaria de ir mais ao shopping Rio Sul, em Botafogo, zona sul carioca, com a namorada. "Eles têm mais variedade, mais opção", diz o jovem, que está estudando para prestar concurso a fim de ingressar no Corpo de Bombeiros. "Mas eu acabo indo ao NorteShopping", diz ele, referindo-se ao centro de compras no bairro do Cachambi, zona norte do Rio. "Não quero ser tachado de bandido."

Foi exatamente assim que Douglas Viana, 30, se sentiu quando, depois da praia no fim de semana, foi a um supermercado em Ipanema. "O segurança perseguiu a mim e aos meus amigos dentro da loja, nos encarando o tempo todo. Ele percebeu que a gente não era parte daquele público cativo da loja", diz Viana, coordenador-executivo do Seja Democracia, projeto de formação política não partidária do Instituto Maria e João Aleixo, apoiado pela Fundação Tide Setubal, na Maré.

Graduado em marketing e com pós-graduação em gerência de projetos, Viana diz que costuma analisar muito as opções de compras antes de se decidir por alguma. E que existem chances interessantes de consumo fora da zona norte do Rio.

"Como um homem negro e periférico, entendo que é melhor eu consumir na Maré, um espaço que de certa forma me protege do racismo estrutural", diz ele.

"Fui criado por uma lógica simples: cuidado por onde você anda para não ser confundido com bandido."

De acordo com Viana, os sinais de reprovação à sua circulação por espaços da classe média e média alta carioca são muito sutis. "Os olhos dos outros estão sempre voltados para você. Os seguranças e os atendentes, que vêm da mesma classe social que eu, me reconhecem como um igual. Mas estão ali para mostrar que aquele não é meu lugar como cliente."

No Leblon ou em Ipanema, diz, um jovem pode vestir bermuda, regata e chinelo e ser bem tratado, porque é reconhecido como um morador do bairro. "Eu preciso me arrumar mais para frequentar o mesmo lugar que ele. Nesses espaços, não posso me vestir do mesmo jeito que eu me vestiria aqui na Maré."

Passear em um shopping da zona sul é sempre um problema, afirma. "Eu não posso entrar em uma loja, olhar e sair. O segurança com certeza vai querer ver o que está na minha bolsa. E como não gosto de ser abordado desta forma, prefiro não ir."


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