BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A Americanas deverá entrar com um pedido de recuperação na Justiça nos próximos dias no valor de aproximadamente R$ 20 bilhões. Este é o montante estimado que os acionistas de referência teriam de injetar na companhia para salvá-la, mas, segundo pessoas que participaram das discussões, eles não aceitaram.

Esse grupo é formado pelo trio de bilionários Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles. Juntos, eles possuem 31% da companhia.

Os advogados Ana Basílio e José Roberto Sampaio, do escritório Basilio Advogados, e Rodrigo Salomão, do escritório Salomão, Kaiuca & Abrahão, foram os escolhidos pela empresa para conduzir o processo pela companhia. A informação foi confirmada por Salomão, que ainda acerta os últimos detalhes antes de aceitar a empreitada.

Procurada, a Americanas não respondeu até a publicação da reportagem.

A operação de salvamento da Americanas é resultado de uma inconsistência contábil de R$ 20 bilhões em seus resultados e, para corrigir, a companhia precisa de até R$ 21 bilhões em dinheiro novo para atender seus credores, segundo cálculos feitos pela XP Investimentos.

Os analistas da XP levaram em conta diferentes cenários de endividamento e margem operacional da varejista, ou margem Ebitda (lucro antes do pagamento de juros, impostos, depreciações e amortizações), e verificaram a necessidade de captação de algo entre R$ 12 bilhões e R$ 21 bilhões -recursos que seriam obtidos por meio de oferta de ações.

Pessoas próximas às negociações com o trio de bilionários informam que eles aceitariam colocar, no máximo, R$ 6 bilhões na empresa. Com a recusa, a saída deve ser a recuperação judicial.

Por meio desse processo, um juiz passa a administrar a negociação de dívidas da companhia junto aos credores, enquanto um plano de saneamento é montado, apresentado e votado por uma assembleia de credores.

Durante esse período, a empresa possui salvo-conduto e não precisa pagar nenhuma dívida. A experiência das empresas que já atravessaram esse calvário mostra que, em geral, os credores oferecem desconto da dívida, alongam o prazo de pagamento, em troca da sobrevivência da companhia -garantia de que receberão seu dinheiro de volta.

Já pensando nessa saída, a Americanas tinha solicitado previamente ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro uma espécie de blindagem para que, dentro de um mês, não precisasse pagar dívidas de credores -fundamentalmente os maiores bancos da praça.

Essa medida foi tomada logo após o ex-CEO da empresa Sergio Rial divulgar um comunicado ao mercado relatando as falhas contábeis encontradas no balanço.

O BTG Pactual recorreu da decisão levantando suspeitas de que houve fraude na empresa. A dívida total da Americanas com o banco é de ao menos R$ 2,3 bilhões, segundo informações incluídas na ação cautelar.

O banco também reclamou que o deferimento dessa blindagem já era uma antecipação dos efeitos de uma RJ que ainda não ocorreu.

Hoje, a dívida da empresa é de R$ 19,6 bilhões, mas a Americanas fez operações de crédito para financiar a compra de mercadorias junto a fornecedores ao longo dos últimos anos que não foram devidamente contabilizadas no balanço como dívida.

Essa manobra eleva o endividamento para algo próximo a R$ 30 bilhões, segundo executivos da empresa ouvidos sob anonimato.

No entanto, os advogados e executivos da empresa avaliam que, negociando o pagamento de R$ 20 bilhões com credores na recuperação judicial, será possível devolver a Americanas aos trilhos.

Questionado sobre o caso por jornalistas no Fórum Econômico Mundial nesta terça (17), o ministro Fernando Haddad afirmou que "a CVM está em cima disso".

"Obviamente a preocupação existe. Mas a CVM [está] em cima do caso e é a autoridade competente para dar as respostas aos credores e à sociedade brasileira", disse.

Após a divulgação do plano de entrar com um pedido de recuperação, as ações da empresa voltaram a cair. O papel fechou em queda de 2,06%, cotado a R$ 1,90, depois de subir mais de 20% na máxima do dia.

Além das tentativas do BTG Pactual de receber os valores devidos pela varejista, inclusive com recurso para derrubar a proteção fornecida pela Justiça que impede a cobrança de dívidas, o Bank of America também entrou com um questionamento para liquidar os contratos de derivativos feitos com a Americanas e assim, saber o tamanho da sua exposição.

A S&P Global rebaixou a nota de crédito da Americanas de "B" (na escala global) e de "brA-" (na escala nacional Brasil) para "D", o que significa situação de default (calote), segundo relatório divulgado nesta segunda-feira.

Lucas Serra, analista da Toro Investimentos, afirma que ainda faltam informações mais claras sobre as inconsistências da Americanas. "Existe uma dúvida se esse valor de R$ 40 bilhões ainda sofrerá alguma mudança."

O analista da Toro observa também o início de um movimento especulativo com a ação da Americanas. "Percebemos constantemente pessoas físicas querendo montar alguma posição, mas é algo arriscado face às incertezas e que, inclusive, desaconselhamos."


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