BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Os bancos credores pressionaram a Americanas para que ela entrasse em recuperação judicial. A medida, considerada extremada pela companhia, foi uma resposta dos credores ao trio de bilionários Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles -acionistas de referência que não quiseram cobrir integralmente o rombo da companhia.
Há cerca de uma semana, o ex-presidente da empresa Sergio Rial comunicou ao mercado ter encontrado inconsistências contábeis de R$ 20 bilhões na companhia, o que deflagrou uma crise sem precedentes, que culminou no pedido de recuperação judicial. Ele deixou o cargo dez dias após assumi-lo.
Sob condição de anonimato, um dos banqueiros ouvidos pela Folha de afirma que, nas negociações prévias, o trio -que possui 31% das ações da Americanas- se dispôs a injetar somente R$ 6 bilhões. No limite, chegariam a R$ 8 bilhões.
No entanto, segundo cálculos desse banco, seria preciso colocar no mínimo R$ 20 bilhões para que a empresa continuasse sua operação sem problemas de caixa. A XP chegou a fazer uma projeção de que, diante da crise, a necessidade de caixa da empresa estaria entre R$ 12 bilhões e R$ 21 bilhões.
Segundo relato do banqueiro, diante da recusa, os principais credores começaram a se articular juridicamente para dar início à execução integral das dívidas com o grupo.
BTG Pactual e Votorantim foram os primeiros a recorrer à Justiça e conseguiram bloquear R$ 1,5 bilhão. Outros bancos --como Bradesco e Safra-- também estão prestes a ingressar com ação similar.
O BTG, controlado por André Esteves, chamou o trio de bilionários de "fraudadores que dão 'uma de maluco'".
Na petição da recuperação judicial, a Americanas critica seus credores pela pressão sofrida. Diz que, não fosse a sangria no caixa --iniciada pela cobrança judicial do BTG Pactual-- seria possível renegociar as dívidas e continuar operando sem problemas de liquidez.
"Com a concessão do benefício da recuperação judicial, toda essa sangria poderá ser estancada e o cenário positivo vivido pelas requerentes, ao longo dos últimos 100 anos, poderá ser retomado, para que seja apresentado um plano de recuperação factível", diz a empresa no documento.
Advogados envolvidos nas negociações afirmam que o plano da companhia era, inicialmente, renegociar as dívidas com os credores por meio de uma recuperação extrajudicial.
Segundo eles, a diferença, neste caso, seria que somente a dívida financeira seria equacionada. Não entrariam as pendências trabalhistas e judiciais que, na recuperação judicial, foram incluídas -o que tornou o valor do processo bem maior do que o inicialmente cogitado.
Ainda segundo advogados, o valor solicitado da recuperação pode sofrer alterações, porque a lista de credores será preparada nos próximos dois dias e a situação de cada credor, revista.
Na petição em que tenta se defender do bloqueio de recursos pelo BTG, a Americanas elencou uma dívida com o BNDES, por exemplo, que já tinha sido integralmente paga.
A estratégia de asfixiar a Americanas foi bem-sucedida, na avaliação de um advogado envolvido no processo. A ideia, segundo ele, vinha sendo executada como forma de obrigar os acionistas de referência a colocarem a mão no bolso.
Ainda segundo o banqueiro ouvido pela Folha de S.Paulo, para o mercado, a impressão que ficou foi de que a empresa, deliberadamente, passou anos tomando dinheiro na praça para não só se financiar, mas inflar o retorno aos acionistas e executivos do grupo, tidos como os mais bem pagos do mercado. Por esse motivo, ainda segundo o executivo, os bancos não aceitaram renegociar os débitos.
O ROMBO
O pedido de recuperação é resultado de uma inconsistência contábil de R$ 20 bilhões relacionada à operação de "risco-sacado", ou "forfait". Por esse tipo de transação, comum no varejo, a companhia contrata instituições financeiras para fazerem o pagamento adiantado de fornecedores.
A varejista assume a obrigação de pagar o banco, com juros, dentro do prazo combinado com fornecedores. Esse prazo sempre foi muito mais estendido do que a média do varejo: 180 dias, ante 90 do habitual.
A Americanas não incluía na sua contabilidade os juros dessa operação que deveria pagar aos bancos, o que tornava os seus resultados melhores do que realmente eram o que, consequentemente, beneficiava o valor das suas ações.
Estima-se que essa distorção tenha sido da ordem de R$ 20 bilhões, valor que somado aos R$ 23 bilhões de dívida registrada da companhia (em valores atualizados até esta quinta-feira) resulta nos R$ 43 bilhões informados à Justiça.
Essa falha na contabilidade foi tornada pública pelo ex-presidente Sergio Rial, que deixou a presidência da companhia, assim como o ex-diretor de relações com investidores da empresa, André Covre.
Logo após o comunicado ao mercado, a empresa mergulhou em um calvário. Sua nota de crédito foi rebaixada pelas principais agências de risco.
Naquele momento, a empresa disse que tinha cerca de R$ 8 bilhões, considerando os valores bloqueados, no montante de R$ 1,4 bilhão, pelo BTG e Votorantim, e R$ 3 bilhões que esperava obter com operações de recebíveis de cartão de crédito -"o que representaria 6,4 vezes o valor da dívida de curto prazo", escreve na petição à Justiça do Rio.
A empresa ainda possui R$ 1 bilhão em aplicações que não puderam ser sacadas, mais um golpe no seu caixa. Ao final, conta com cerca de R$ 800 milhões, valor considerado insuficiente para fazer girar o motor de sua operação diária que envolve mais de 100 mil empregos diretos e indiretos em 3.600 estabelecimentos espalhados por todo o país, atendendo a mais de 50 milhões de consumidores.
Procurada, a Americanas não respondeu até a publicação deste texto. A Folha de S.Paulo não conseguiu contato com Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles.
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