RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - A força tarefa criada pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários) para apurar a crise na Americanas decidiu investigar também a conduta dos acionistas de referência da companhia, o trio de bilionários Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles.
Ao lado dos administradores da companhia, eles são alvo de um processo que investiga os passos adotados após o anúncio das "inconsistências contábeis" que culminaram com o pedido de recuperação judicial nesta quinta-feira (19).
Procurada, a Americanas ainda não comentou o assunto. A Folha de S.Paulo não conseguiu contato com os empresários ou seus porta-vozes.
A CVM não divulga detalhes dos processos, mas especialista ouvido pela Folha de S.Paulo entende que o objetivo é avaliar se houve omissão de informações relevantes no primeiro comunicado sobre o tema, divulgado no dia 11 de janeiro.
Nele, a Americanas informava ao mercado a descoberta de "inconsistências contábeis" no valor de R$ 20 bilhões, com a identificação de operações de financiamento de compras que "não se encontram adequadamente refletidas" no balanço.
Dois dias depois, a empresa foi à Justiça pedir proteção contra seus credores, ação que não havia sido anunciada no primeiro comunicado.
"Embora não esteja claro, [o objeto do processo] dá a entender que a CVM está investigando se a comunicação feita em 11 de janeiro foi clara o suficiente para dizer tudo o que o mercado precisava saber", diz Tiago Gomes, mestre em direito comercial pela USP e sócio do Ambiel Advogados.
Lemann, Sicupira e Telles têm 30,1% das ações da Americanas, volume bem superior ao segundo maior acionista, a gestora de fundos de investimento Capital Group, com 9,91%. Sicupira é ainda membro do conselho de administração.
Gomes pondera, no entanto, que o Brasil tem pouca jurisprudência na responsabilização de acionistas de empresas, o que torna imprevisível o desenrolar do caso.
O processo que envolve os acionistas de referência é um dos sete já abertos na CVM para apurar a conduta da empresa e de seus administradores. Um deles vai avaliar também a atuação das empresas de classificação de risco que analisaram as contas da companhia.
Em outros três, a CVM apura eventuais irregularidades nas informações contábeis da empresa, na divulgação de fatos relevantes e comunicados e na negociação de ações por seus diretores. Intermediários na emissão de ações são alvos de outro processo.
A Folha teve acesso a informações do primeiro processo aberto, no dia 12 de janeiro, que investiga as demonstrações contábeis da companhia.
Nele, a CVM pede à administração da Americanas detalhes sobre as inconsistências contábeis e seus reais impactos nas finanças da companhia. Questiona ainda porque os administradores disseram que os impactos no caixa são "imateriais".
O órgão determina também que a empresa identifique os procedimentos adotados para corrigir o problema. O processo lista balanços divulgados pela companhia desde o início da década passada, mas foca os pedidos de informações de resultados desde 2017.
A CVM diz ainda que está fazendo uso de convênios e da cooperação que possui com a Polícia Federal e com o Ministério Público Federal para investigar o caso.
"Após a investigação e apuração de fatos e eventos, caso venham a ser formalmente caracterizados ilícitos e/ou infrações, cada um dos responsáveis poderá ser devidamente responsabilizado com o rigor da lei e na extensão que lhe for aplicável", diz a CVM.
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