DAVOS, SUIÇA (FOLHAPRESS) - O Brasil reocupou seu lugar na mesa de negociação internacional em Davos, onde os cinco dias de encontro do Fórum Econômico Mundial, encerrado nesta sexta (20), foram dominados por expectativas lúgubres: recessão global, alertas sobre a crise climática e uma guerra que se arrasta com consequências geopolíticas e econômicas extensas.

De forma geral, participantes brasileiros e estrangeiros ouvidos pela Folha relataram alívio (a palavra foi usada com frequência) diante da disposição do recém-empossado governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de dialogar pelo sistema multilateral, do qual a gestão de Jair Bolsonaro (PL) afastou o país.

Como resumiu o publicitário e empresário Nizan Guanaes, "o Brasil [volta] com uma nova agenda e sendo fonte de solução, não de problema" aos olhos da plateia de autoridades e altos executivos nos Alpes suíços.

Temores com uma crise institucional ou democrática no país após os ataques de 8 de janeiro em Brasília também foram dirimidos pelo discurso do governo e a rápida união dos Poderes e dos governadores para rejeitar o golpismo, algo lembrado no painel sobre o país no fórum.

São boas notícias, embora não signifiquem que a mensagem sobre responsabilidade fiscal apresentada pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) no evento tenha sido suficiente para sanar dúvidas e receios, sobretudo em um momento em que boa parte das grandes economias enfrenta inflação, juros altos e as consequências de políticas expansionistas para reavivar a economia após a pandemia.

Em cenário tão pedregoso, a "reentrada" do Brasil ganhou força com a presença, na diminuta delegação, da ministra Marina Silva (Meio Ambiente), recebida com reverência pelo fórum e por seus pares, como o americano John Kerry.

"O Brasil está em uma situação favorável", disse Luiz Carlos Trabuco Cappi, presidente do conselho administrador do Bradesco.

"Nós temos uma nova diplomacia, houve um arejamento com a presença do ministro Haddad e da ministra Marina. A ministra Marina foi uma grande âncora para essa diplomacia ambiental. O novo governo está propondo novas relações internacionais, o que vai dando uma posição de liderança do Brasil no concerto [internacional]."

"O Brasil volta a ter papel importante, protagonismo e quem sabe liderança numa agenda que talvez seja a mais importante do planeta", avalia o apresentador Luciano Huck, que até o ano passado recebia no fórum perguntas sobre uma eventual candidatura à presidência que não se concretizou.

Huck não deixou de notar a expressão mais frequente desta semana de debates, presente na boca de banqueiros, ambientalistas, executivos, acadêmicos e políticos: "lição de casa". Os problemas estão mapeados e as soluções, propostas. Falta, contudo, agir.

Embora cobranças abundem em todos os fronts, não houve decisões efetivas. O fórum parece ter perdido fôlego em sua primeira edição pós pandemia, na qual, apesar do número recorde de participantes, 2.658, o número de chefes de Estado e governo minguou, e os que vieram eram em sua maior parte europeus, um fator que limita o debate.

A América Latina esteve subrepresentada, com apenas três presidentes (o colombiano Gustavo Petro, o equatoriano Guillermo Lasso e o costarriquenho Rodrigo Chaves). E muitos participantes não permaneceram em Davos pelos cinco dias do evento --resultado, segundo uma pessoa familiarizada com a organização, de agendas cada vez mais picotadas, que resumem a presença a dois ou três dias, como fez Haddad.

Há também um problema crônico. O fórum é frequentemente criticado por falhar e antever grandes crises ou por demorar a agir. Em discurso por teleconferência de uma Kiev imersa na guerra, o presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, perguntou qual seria a próxima ameaça global, já que há três anos Davos discutia os riscos trazidos pelo Irã, e agora o faz com a Rússia sem que nada, de fato, ocorra.

"É como se aqui a discussão fosse discutir a discussão, um eterno gerúndio. Dizem que estão acompanhando as emissões de carbono, mas o que estão fazendo de prático para reduzir? , avalia Nathalia Acuri, CEO do MePoupe!, que havia participado de edições passadas com o Google e agora foi convidada pelo fórum.

Ela questiona por que os painéis do evento, 391 ao todo, ignoram debates prementes inseridos nos próprios problemas eleitos como centrais --como o da redução de consumo, relacionado à crise ambiental.

Participantes ouvidos pela Folha, e também integrantes dos painéis nos quais ela e Haddad falaram, mostraram confiança nos compromissos com desmatamento zero e redução de emissões de gases estufa em linha com o que pede o Acordo de Paris sobre o Clima, apresentados pela ministra, o que deve ajudar o Brasil a retomar o protagonismo no tema.

Para além disso, o cenário é tortuoso.

"Vi uma percepção positiva e um otimismo pela seriedade com que o Brasil está lidando com a questão climática e o desmatamento", descreveu Patricia Ellen da Silva, ex-secretária de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, e agora CEO da consultoria Systemiq para o Brasil.

"Do outro lado, percebo uma realocação dos investimentos globais, devido à questão geopolítica que antecede à climática."

A diretora-executiva do Bradesco para recursos humanos, Glaucimar Peticov, aponta obstáculos --inclusive dentro das grandes corporações, que não têm conseguido, em muitos casos, mudar sua cultura de gestão para abarcar a fluidez destes tempos. Mas se diz otimista com a possibilidade de ver mudanças rápidas no país e no cenário global. "A recepção à ministra Marina e ao ministro Haddad aqui foi muito boa."

Muito em Davos se dá nos corredores, nos jantares e nas casas montadas por governos e empresas para promover seus interesses. A movimentação resultou em uma agenda atribulada dos dois ministros e dos três governadores que estiveram no fórum -Tarcisio de Freitas (Republicanos-SP), Helder Barbalho (MDB-PA) e Eduardo Leite (PSDB-RS).

Nos eventos oficiais, entretanto, a presença do país foi discreta. Para 2024, a organização espera que Lula, 20 anos depois de sua primeira participação, retorne aos Alpes.


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