SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O jornalista e ex-candidato a vereador pelo PT William de Lucca denunciou no Twitter, no dia 10, que teve dados pessoais vazados no Telegram por bolsonaristas e que recebeu ameaças de morte. Segundo Lucca, foram divulgados o CPF e o local da residência. O endereço, por sorte, era antigo, relatou.
A prática da qual o comunicador foi alvo é chamada de doxing: consiste em publicar, em geral com intenções nocivas, informações privadas ou que permitem a identificação de alguém.
O Twitter proibiu, em dezembro, publicar dados pessoais de terceiros sem autorização dos donos da informação. As políticas de privacidade da rede social foram atualizadas após Elon Musk reclamar que jornalistas estavam divulgando a localização em tempo real de seu jato.
Com base na diretriz anunciada na própria rede social por seu dono, o Twitter suspendeu por um dia a conta dos profissionais acusados por Musk de doxing. Nas denúncias, o bilionário citou uma lei californiana que proíbe a divulgação de informações sensíveis para causar mal a alguém.
Musk alegou que os dados que permitiam localizá-lo tornavam alguém notoriamente rico como ele vulnerável a crimes patrimoniais e violência, o que se enquadraria na regra do estado da Califórnia.
"Como dono da plataforma, ele pode antecipar a tutela e agir para garantir o cumprimento da lei", afirma o professor Eduardo Tomasevicius, da Faculdade de Direito da USP. Segundo o jurista, as postagens dos profissionais de imprensa não eram trabalho de reportagem e funcionavam como fotos de paparazzi.
No Brasil, entretanto, o doxing não é categorizado pela legislação. Aqui, as vítimas podem apenas pedir, na Justiça, indenização e a remoção do conteúdo, se avaliarem que a publicação dos dados possa ter causado prejuízos à honra.
O caso do influenciador ligado ao PT, William de Lucca, serve como exemplo dos riscos do doxing: as informações divulgadas são usadas em campanhas de ataques virtuais, casos de perseguição na internet (crime conhecido como ciberstalking) e até ameaças de morte.
"Devemos exterminar William de Lucca, o jornalista pedófilo e pederasta confesso e assumido", escreveu, em 10 de janeiro, uma conta com a alcunha "O Marcial" no grupo de Telegram Aurora de Aço, ligado ao grupo de extrema-direita Nova Resistência. Os dados do comunicador também foram expostos no grupo Cristãos pelo Brasil. O Marcial depois reclamou ter sofrido sanções no Telegram.
Existem restrições ao doxing nas redes sociais em geral. Mesmo o Gettr, espécie de Twitter da extrema-direita, cujo mote é a defesa irrestrita da liberdade de expressão, remove postagens com exposição indevida de dados.
Lucca é um conhecido ativista LGBTQIA+ -o gatilho dos ataques havia sido uma piada com a prisão de bolsonaristas envolvidos na invasão a sedes dos três Poderes.
O Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos) oficiou, no dia 11, o procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo, Mário Luiz Sarrubbo, sobre essas conversas no Telegram. O conselho aponta, no documento, os crimes de ameaça e calúnia -a divulgação do endereço entra como agravante do risco à vida do comunicador.
O coordenador de direito digital da Escola Paulista de Magistratura e juiz Fernando Antonio Tasso ressalva que nem toda divulgação de dados que permitam identificação de alguém é doxing. Os jornais, por exemplo, podem veicular essas informações, desde que exista interesse público.
"É muito difícil um bolsonarista que participou dos atos públicos [de 8 de janeiro] reclamar nos tribunais sobre a exposição de sua imagem", diz Tasso. Nesses casos, a liberdade de expressão prevalece sobre o direito a proteção de dados pessoais, garantia constitucional desde a promulgação da emenda constitucional 115 de 2022.
A LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) não classifica as informações de geolocalização como sensíveis, pois não são fonte de discriminação -enquadram-se nessa categoria registros sobre preferência sexual, origem étnica ou racial, convicção religiosa e opinião política. A lei, em vigor desde 2020, abriu espaço para o uso de dados pessoais em processos judiciais.
Em relação às ações criminais, essa possibilidade está pacificada. Na Justiça do Trabalho, a legalidade e constitucionalidade da prática depende de decisão do TST (Tribunal Superior do Trabalho). Por enquanto, cada caso precisa ser analisado individualmente, diz o juiz do TRT-2 (Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região), de São Paulo, Thomaz Werneck.
Empresas e funcionários já pedem que dados de geolocalização armazenados pelo Google ou obtidos por meio de antenas telefônicas sejam usados para comprovar ou refutar alegações de horas extras trabalhadas, segundo o professor da Faculdade de Direito da USP Antônio Rodrigues Freitas Júnior.
Para garantir a proteção de dados, as ações que necessitam desse tipo de prova são mantidas em segredo de Justiça. Os juristas aconselham a abertura do mínimo necessário de informações. "Não é para fazer bisbilhotice", diz Freitas Júnior.
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