SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A volta da regra que dá ao governo o voto de desempate nos julgamentos do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) deve aumentar o contencioso tributário e frustrar os planos do Ministério da Fazenda de arrecadar R$ 50 bilhões neste ano com essa e outras mudanças na forma de funcionamento do órgão.

Essa é a avaliação de advogados tributaristas que acompanham as decisões do conselho.

O Carf é um órgão do Ministério da Fazenda, formado meio a meio por representantes da União e dos contribuintes, que julga em segunda instância administrativa litígios em matéria tributária e aduaneira.

Mudanças nas regras do conselho são parte do pacote fiscal anunciado pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) no início de janeiro para aumentar a arrecadação.

Entre elas está uma medida provisória que acabou com o desempate pró-contribuinte instituído em abril de 2020 por iniciativa do Congresso. Com isso, voltou a valer o chamado "voto de qualidade" do representante do Fisco em casos de empate em julgamentos. O governo também limitou o acesso ao tribunal a causas com valor superior a mil salários mínimos (R$ 1,32 milhão).

Segundo dados do Carf, 76% dos julgamentos foram decididos por unanimidade e 19% por maioria de votos no ano passado. Os outros 5% terminaram em empate, sendo que 1,9% tiveram a decisão pró-contribuinte prevista na lei para casos em que há exigência de crédito tributário.

Renata Emery, especialista em Direito Tributário da TozziniFreire Advogados, afirma que a existência do voto de qualidade não levou a um aumento de arrecadação no passado e nem vai trazer mais receitas agora. Isso porque os contribuintes derrotados com base nesse dispositivo costumam recorrer ao Judiciário. Muitas vezes, com dois processos. Um contestando a constitucionalidade do mecanismo de desempate. Outro contra a autuação da Receita Federal que deu origem à discussão.

"Tudo aquilo que o Fisco ganhou com voto de qualidade ele não levou. Virou processo judicial, que se arrasta até hoje. Não aumentou a arrecadação. Só aumentou o litígio", afirma a advogada.

Um dos argumentos da Fazenda contra o desempate pró-contribuinte é que, quando este perde, pode rediscutir a questão no Judiciário. Quando há derrota do Fisco, a União não tem como recorrer à Justiça.

O governo também afirma que muitas decisões contrárias ao Fisco foram tomadas desde 2020 em desacordo com o entendimento consolidado no Judiciário -e que a Fazenda Nacional estuda cobrar os contribuintes na Justiça nesses casos.

A Aconcarf, associação dos representantes dos contribuintes no conselho, diz que "não é permitido não aplicar decisões judiciais já pacificadas" pelo Judiciário e que isso não mudou com o fim do voto de qualidade.

Alguns tributaristas afirmam que os representantes do Fisco têm interpretado ou distorcido decisões judiciais ao aplicá-las aos julgamentos no órgão.

"As decisões do Carf passaram a ser mais legalistas [com o fim do voto de qualidade], o que trouxe um certo alinhamento com o Judiciário", afirma Alamy Candido, sócio do Candido Martins Advogados.

O tributarista afirma que as discussões sobre o voto de desempate estão oscilando entre dois extremos: ou a favor do Fisco ou do contribuinte. Para ele é possível pensar em outro mecanismo, como ter representantes dos contribuintes na presidência de algumas turmas do Carf ou promover discussões internas para pacificar o entendimento sobre alguns temas, duas coisas que deram resultado no Tribunal de Impostos e Taxas em São Paulo.

Advogados veem outro entrave para que possíveis vitórias do Fisco se transformem em arrecadação imediata: a escolha de uma medida provisória para trazer de volta o voto de qualidade. Com isso, a regra entra em vigor imediatamente, mas o instrumento precisa ser aprovado pelo Congresso em até 120 dias para não perder a validade. Representantes do setor privado já pediram a parlamentares que não aprovem a mudança.

Com isso, a empresa que tiver uma decisão desfavorável no período de vigência da MP poderá questionar o uso do voto de qualidade se a norma for derrubada no Congresso.

"Não tenho dúvida de que as grandes empresas que vão possivelmente perder nessa nova sistemática vão recorrer ao Judiciário. Então não vai ter o efeito caixa que o governo espera. Vai ser inócua a medida se a expectativa for arrecadar mais", diz Diego Miguita, sócio do VBSO Advogados.

De acordo com Rodrigo Massud, do escritório Choaib, Paiva e Justo Advogados, a incerteza trazida pela MP é um argumento usado por contribuintes que já acionaram o Judiciário para retirar de pauta casos que irão a julgamento em fevereiro.


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