SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A proposta de uma moeda comum entre Brasil e Argentina, que ganhou destaque e dominou parte do debate econômico, com a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao colega argentino, Alberto Fernandéz, na última semana.
Só que a adoção de uma referência monetária para as transações comerciais deve ser um projeto de mais longo prazo e tende a não tirar a supremacia do dólar na região ?sobretudo entre os argentinos?, avalia Diego Sánchez-Ancochea, que é chefe do Departamento de Desenvolvimento Internacional da Universidade de Oxford (Reino Unido).
Especialista em desigualdade regional e um estudioso da situação dos países da América Latina, ele também avalia que o fortalecimento das relações entre os países da região, com uma especial atenção ao Mercosul, pode ajudar nos planos de reindustrialização do Brasil, mas que o governo ainda enfrentará uma série de obstáculos para atingir esse objetivo.
PERGUNTA - O presidente Lula tem falado em resgatar o papel do Brasil no comércio internacional, fechar acordos internacionais e reaproximar o Brasil dos países vizinhos. Como isso se encaixa com a busca pela reindustrialização do país, como também sinalizou o presidente?
DIEGO SÁNCHEZ-ANCOCHEA - No mundo ideal, a regionalização no sul da América Latina ajudaria os projetos nacionais de reindustrialização. Esse sempre foi o sonho de grandes economistas latino-americanos, como [o argentino] Raul Prebisch. Por um lado, pode-se buscar um incremento nas relações comerciais entre os países do Mercosul que aumente a demanda agregada em todos os países-membros.
P. - Qual seria o caminho ideal para atingir os dois objetivos?
DA - Seria importante desenvolver cadeias de valor regionais que aumentem a eficiência produtiva de novos setores, bem como o investimento. Para isso, obviamente, é necessária uma política muito mais ativa de criação de incentivos e um compromisso de todos os líderes do Mercosul em promover novamente o modelo regional. É uma meta louvável, mas cheia de obstáculos, como a história tem mostrado.
P. - Em sua primeira viagem internacional, Lula disse querer intensificar a integração do Mercosul, olhando antes para o acordo com a União Europeia para só depois pensar em algo com a China, como quer o Uruguai. É a decisão correta?
DA - Apesar dos problemas recentes, continuamos a viver em um mundo globalizado onde a construção de cadeias de valor a nível regional é essencial para poder competir com a China e expandir o investimento, especialmente dos grandes grupos econômicos regionais. Além disso, a integração também é um projeto político fundamental que pode contribuir para uma maior colaboração em questões fundamentais, inclusive o meio ambiente. Mas é importante que esse impulso seja realista e considere também os obstáculos, incluindo o comércio insuficiente entre os países-membros.
P. - A criação de uma moeda comum para negócios entre países do Mercosul pode ajudar o comércio e reduzir as desigualdades entre o Norte e o Sul?
DA - Acredito que a criação de uma moeda comum será apenas um projeto de longo prazo e que enfrenta inúmeros obstáculos políticos e econômicos. Sem dúvida, poderia contribuir para aumentar o comércio e, sobretudo, os serviços dos países do Mercosul. No entanto, não acredito que isso ameace de alguma forma a supremacia do dólar na região ou que seja um instrumento central para tentar reduzir as desigualdades internacionais nos próximos anos.
P. - Com o cenário mais difícil para a economia mundial, sobretudo para as regiões dependentes do comércio de produtos básicos, como o Brasil, os países latinos estão em condições de reduzir a pobreza, como o presidente Lula promete fazer?
DA - O presidente Lula tem razão ao dizer que a redução da pobreza e queda da desigualdade devem ser prioridades para os governos latino-americanos, dada a enorme defasagem que eles têm nessas áreas. Embora o progresso rápido em ambos os objetivos seja difícil devido às restrições macroeconômicas, é sempre possível dar passos na direção certa. Creio que será particularmente importante tentar introduzir reformas fiscais que aumentem a arrecadação e a tornem mais progressiva, bem como introduzir reformas na política social e de emprego de forma criativa. No fundo é uma questão de prioridades.
RAIO-X
Diego Sánchez-Ancochea, 47
Nasceu em Madri, na Espanha. É economista, tendo estudado na Universidade Complutense de Madri, na New School for Social Research (em Nova York) e Universidade de Oxford, no Reino Unido, onde é chefe do Departamento de Desenvolvimento Internacional. É autor de "The Costs of Inequality in Latin America" (Os Custos da Desigualdade na América Latina).
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