SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O DIP (do inglês debtor-in-possesion financing, ou "financiamento do devedor em posse"), modelo de financiamento estudado pela Americanas, é usado apenas em recuperações judiciais. O recurso passou a ser adotado no Brasil em 2021, após a promulgação da lei nº 14.112/20, que reformou a lei 11.101/05, de falência e recuperação de empresas. Segundo especialistas, é uma ideia importada do direito empresarial americano.

Em fato relevante divulgado na noite de terça-feira (31), a Americanas informou que estuda pedir à Justiça do Rio de Janeiro um financiamento DIP de pelo menos R$ 1 bilhão, que pode vir a ser subscrito pelos acionistas de referência da empresa, o trio de bilionários brasileiros Jorge Paulo Lemann, Marcel Herrmann Telles e Carlos Alberto Sicupira, fundadores do 3G Capital que, até o final de 2021, eram os controladores da varejista.

De acordo com o especialista em recuperação judicial Filipe Denki, da Lara Martins Advogados, o DIP é destinado à empresa que já possui um plano aprovado ou em discussão por credores para o pagamento das dívidas.

"Uma das maiores dificuldades da empresa em recuperação judicial é a obtenção de recursos para manutenção da sua atividade", diz Denki. "A principal finalidade do DIP é suprir a falta de caixa para financiar despesas operacionais como pagamento de fornecedores, salários e despesas administrativas."

Segundo Denki, um dos principais benefícios do DIP é que este tipo de empréstimo não demanda uma assembleia geral de credores para ser aprovado e pode ser solicitado já no início do processo, mediante autorização judicial. "Em caso de falência, é considerado crédito supre prioritário: vai ser o primeiro a receber antes de qualquer outro tipo de crédito, até mesmo do trabalhista."

Leandro Basdadjian Barbosa, sócio da área de contencioso cível da SFCB Advogados, reforça que se trata de crédito extraconcursal, ou seja, com preferência de pagamento. "Em caso de falência, o financiamento só é pago depois das despesas com a administração judicial e dos créditos trabalhistas referentes aos três meses anteriores à falência, por uma questão de subsistência dos funcionários", diz. Os eventuais créditos trabalhistas que constem na recuperação judicial serão pagos depois do DIP.

"É uma maneira de atrair financiadores fora do sistema bancário para a empresa em recuperação judicial", diz Barbosa. "Se não houvesse essa preferência, dificilmente alguém iria emprestar dinheiro para uma companhia em dificuldades", diz.

Uma vez homologado o plano de recuperação judicial, os credores têm que seguir determinações, como deságio sobre o valor da dívida, prazo e carência muito dilatados, lembra. "Já os financiadores do DIP estão fora disso", afirma.

Barbosa também destaca que as garantias oferecidas neste tipo de empréstimo costumam ser mais "robustas", uma vez que os riscos são grandes. "Em geral são bens que estão fora do ativo circulante da companhia, podem ser imóveis, por exemplo, que não têm liquidez imediata."

De acordo com o fato relevante divulgado pela Americanas, porém, se aprovado, o DIP não contará com garantias e terá remuneração média de 128% do CDI -como se fosse um investimento financeiro. Mas a varejista sinaliza que o financiamento pode ser convertido em ações.

Na liquidação deste tipo de empréstimo, afirma Barbosa, os credores podem receber até mesmo o comando da empresa. "O financiamento pode ser convertido em participação societária."

EMPRESA BUSCA ALTERNATIVAS PARA GARANTIR CAPITAL DE GIRO E REALOCA ESTOQUES

O fato relevante divulgado na noite de terça-feira (31) pela Americanas diz ainda que, "caso aprovado, o financiamento DIP, em conjunto com outras fontes de liquidez sendo exploradas pela companhia, incluindo a liberação de valores retidos por determinados credores, permitirá manter os investimentos em capital de giro e financiar obrigações não concursais, incluindo pagamento a fornecedores e parceiros."

Nesta terça-feira, conforme revelou a Folha de S.Paulo, a Americanas deu início à demissão de funcionários, começando por profissionais terceirizados, a fim de reduzir suas despesas.

A empresa está em busca de alternativas para conseguir capital de giro rápido. A Folha de S.Paulo apurou que já começam a faltar produtos nas lojas e a varejista deu início a uma realocação de estoques, tentando garantir produtos em lojas de mais alto fluxo. Existe a expectativa que ao menos 30% dos pontos de venda fechem as portas, a fim de reduzir os custos fixos com aluguel e pessoal, apurou a reportagem.

Em entrevista à Folha de S.Paulo no último dia 21, porém, o diretor de operações e relacionamento com o consumidor da Americanas, Marcio Chaer, afirmou que não houve alteração na oferta de produtos e no fluxo de pagamentos a fornecedores. Mas que haveria otimização de recursos para garantir a sustentabilidade da companhia no curto prazo. "Certamente vamos ajustar aquilo que não for essencial para a gente", disse.

O último balanço da Americanas, referente ao terceiro trimestre de 2022, indicava uma rede com 3.601 pontos de venda, incluindo as franquias do Grupo Unico (Imaginarium, Puket, MinD e LoveBrands) e da Local (que, junto com as lojas BR Mania, integravam a joint venture Vem Conveniência, desfeita pelo grupo Vibra no último dia 23). Esses pontos, porém, não estão envolvidos na recuperação judicial.

Mas a rede de hortifrutis Natural da Terra (79 lojas), comprada pela Americanas em agosto de 2021, está no processo de recuperação judicial. Além desses pontos, as lojas que podem ser fechadas pertencem ao formato tradicional Americanas (1.017 pontos) e ao modelo Americanas Express (783 pontos). Juntos, os dois formatos somam quase 1,3 milhão de metros quadrados.

"A princípio, a rede Natural da Terra poderia ser vendida dentro do processo de recuperação judicial", diz sócio da consultoria Performa Partners, André Pimentel.

"Mas existem três pontos críticos para isso: a demora do plano em ser aprovado, garantir uma estrutura independente para a Natural da Terra, já que hoje caixa e CNPJ estão junto com Americanas, e encontrar um potencial comprador", afirma Pimentel, que já trabalhou em uma das reestruturações realizadas na Americanas, na virada dos anos 2000, pela Galeazzi & Associados.

Segundo ele, a varejista acredita que a rede vale cerca de R$ 2 bilhões, algo próximo do valor pago um ano e meio atrás. "Mas o mercado acha que vale entre R$ 800 milhões e R$ 1 bilhão. Isso vai ser um complicador no plano de recuperação judicial: a empresa acha que pode vender pelo máximo, mas só tem quem paga o mínimo."


Entre na comunidade de notícias clicando aqui no Portal Acessa.com e saiba de tudo que acontece na Cidade, Região, Brasil e Mundo!