BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O entorno do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) considera que Roberto Campos Neto, à frente do Banco Central, queimou pontes com o governo petista e reduziu suas chances de influenciar a indicação de novos diretores da autarquia.
O tensionamento na relação com o chefe da autoridade monetária, indicado por Jair Bolsonaro (PL), ocorre após o BC ter mantido os juros em patamar elevado pela quarta vez seguida e em meio a um escalonamento nas críticas de Lula à instituição.
A avaliação de integrantes do governo Lula é de que Campos Neto foi inábil com as decisões do Copom e o tom do último comunicado ?no qual sinalizou a manutenção da Selic no nível atual por mais tempo. Na visão de aliados do Planalto, houve uma confusão de autonomia do BC com isolamento.
A principal consequência, de acordo com interlocutores de Lula, é que Campos Neto pode ficar alijado de escolhas centrais para a diretoria do BC. A próxima troca está prevista para 28 de fevereiro, quando terminam os mandatos de dois integrantes.
Por outro lado, está também em andamento uma operação para reconciliar os dois lados. Uma ala do governo diz que o ambiente é tenso, mas que é possível apaziguar. O presidente da autoridade monetária não tem até o momento sinalizado que partirá dele uma movimentação nesse sentido.
A lei da autonomia da autoridade monetária, aprovada em 2021, determinou que cabe ao presidente da República a indicação dos nomes dos diretores. A ideia inicial do PT era discutir a escolha com Campos Neto, que, por sua vez, tinha a expectativa de tomar uma decisão em consenso com o governo.
"Mesmo no passado recente, todos os nomes eu discutia com os diretores presentes e alguns inclusive foram sugestões de outros diretores. Então, é um processo em que todo mundo discute", afirmou o presidente do BC em dezembro.
O próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), disse que vinha conversando com o presidente do BC sobre a indicação do novo diretor de política monetária.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, Campos Neto chegou a iniciar conversas com agentes do mercado financeiro em busca de um substituto para Bruno Serra Fernandes, titular do cargo, que tem mandato até 28 de fevereiro. Para a diretoria de Fiscalização, a expectativa é que Paulo Souza seja reconduzido para mais um mandato.
Isso foi antes da decisão do BC de manter estável o alto patamar da Selic e sinalizar que o corte de juros pode ser adiado, o que fez Lula elevar o tom das críticas.
Na equipe econômica, a intenção continua sendo chegar a um nome com diálogo, mas não se sabe se isso ainda será possível, diante do posicionamento do presidente.
Na noite desta segunda, o ministro da Fazenda disse que está recebendo sugestões de Campos Neto e que a prática é fazer uma escolha técnica para os cargos, mas ponderou que a prerrogativa é do chefe do Executivo.
"Nosso papel é levar ao conhecimento do presidente Lula os melhores nomes disponíveis para que ele possa eventualmente escolher", disse.
O ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) também afirmou que, embora o tema ainda não esteja em discussão, Lula irá exercer seu poder de escolha para a diretoria.
"A lei e a prerrogativa é do presidente da República. Não só para o Banco Central, mas para qualquer outra agência. O presidente Lula vai seguir exatamente o que está na lei, construir um nome a ser indicado, a ser analisado pelo Senado", afirmou.
A postura de Lula é considerada por uma ala do governo como pouco construtiva para uma solução para os juros. A avaliação é de que o BC não cederá à pressão e as críticas só tensionam mais o ambiente, outrora mais propício ao diálogo.
O presidente e ministros consideram que Campos Neto traiu a confiança do governo, que contava com o órgão para superar os problemas econômicos atuais sem uma recessão, como mostrou a coluna Mônica Bergamo.
As queixas se estendem até vincular o presidente do BC com o bolsonarismo. As críticas se acentuaram depois de uma imagem captada pela fotógrafa do jornal Folha de S.Paulo Gabriela Biló, em 10 de janeiro, mostrando que Campos Neto ainda era integrante de um grupo de WhatsApp chamado "ministros de Bolsonaro".
Em 2021, ele apareceu em um churrasco de confraternização com ministros do governo Bolsonaro, como Ciro Nogueira (PP), então líder do Centrão no Congresso.
Nesta segunda, Lula reforçou as críticas à atuação do BC e subiu o tom, dizendo que a atual taxa básica de juros do país, a Selic, é "uma vergonha".
"Não existe justificativa nenhuma para que a taxa de juros esteja em 13,50% [o patamar da Selic é, na verdade, de 13,75%]. É só ver a carta do Copom para a gente saber que é uma vergonha esse aumento de juro", disse Lula.
A manifestação ocorreu durante a posse do novo presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, no Rio de Janeiro. A equipe de Haddad tem demonstrado incômodo com as declarações do presidente nos bastidores. O ministro evitou estar ao lado de Lula no evento e permaneceu em Brasília.
Em frente à sede da pasta, nesta segunda, Haddad disse que os alertas do BC sobre situação fiscal se referem, sobretudo, ao legado deixado pelo governo Bolsonaro para a atual administração, mas que a autoridade monetária poderia ter sido "um pouco mais generosa" após o pacote de R$ 242,7 bilhões do governo Lula para melhorar as contas públicas.
"Nesse particular, eu penso que a nota poderia ser um pouco mais generosa com as medidas que nós já tomamos", afirmou a jornalistas.
Na semana passada, o Copom (Comitê de Política Monetária) manteve a taxa básica de juros em 13,75% ao ano pela quarta reunião consecutiva ?a primeira desde que o presidente Lula tomou posse. A autoridade monetária sinalizou que pode manter os juros no nível atual por mais tempo, dado o cenário de incerteza fiscal e de piora das expectativas de inflação.
As críticas de Lula à condução do BC, porém, têm elevado as projeções de inflação e pressionado os juros, gerando um efeito contrário ao pretendido pelo governo.
"O problema não é de banco independente, não é de banco ligado ao governo. [O] problema é que esse país tem uma cultura de viver com os juros altos", afirmou Lula.
O presidente ainda conclamou setores do empresariado a fazer cobranças sobre o nível dos juros no país. Lula disse que a "classe empresarial precisa aprender a reivindicar, a reclamar dos juros altos".
"Quando o Banco Central era dependente de mim, todo mundo reclamava. O único dia em que a Fiesp [federação da indústria paulista] falava era quando aumentava os juros. Era o único dia [...]. Agora, eles não falam."
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ENTENDA A AUTONOMIA DO BANCO CENTRAL
1 - O que é autonomia do Banco Central?
A regra desvinculou o BC do Ministério da Economia e o tornou uma autarquia de natureza especial. A principal mudança foi a criação de mandatos fixos de quatro anos, com possibilidade de uma recondução, o que distancia o órgão da influência política.
2 - Quando a lei de autonomia do BC foi aprovada e por quê?
Com o objetivo de blindar a instituição de interferências de governo e criar mandatos fixos, o projeto de lei foi aprovado em 2021 e em seguida sancionado pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL).
3 - Os membros da diretoria podem ser demitidos?
Podem deixar o cargo quando apresentarem desempenho insuficiente para alcançar os objetivos do BC, com decisão do presidente da República e sendo necessário o aval do Senado em votação secreta. Também podem ser exonerados a pedido ou caso contraiam doença que incapacite o exercício do cargo. Além disso, podem ser demitidos se condenados, mediante decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, pela prática de improbidade administrativa ou de crime cuja pena proíba, temporariamente, o acesso a cargos públicos.
4 - Como ficou definido o primeiro mandato fixo?
O presidente e dois diretores terão mandatos até 31 de dezembro de 2024, e os demais encerram os períodos de forma escalonada. Dois deles já encerraram o mandato em 31 de dezembro de 2021. Os próximos dois terminam em 28 de fevereiro de 2023; e outros dois, em 31 de dezembro de 2023.
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