BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, entrou na mira de integrantes do governo, inclusive de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que exploram a proximidade dele com políticos bolsonaristas para ampliar o desgaste do chefe da autoridade monetária.

Ex-colegas de Esplanada e ex-dirigentes do BC ouvidos pela Folha, contudo, minimizam os momentos em que Campos Neto demonstrou maior proximidade com o governo Jair Bolsonaro (PL) e dizem que sua atuação tem sido estritamente técnica à frente da instituição.

A relação de petistas era considerada cordial com Campos Neto até o BC manter a taxa básica (Selic) em 13,75% ao ano e indicar que pode sustentar os juros elevados por mais tempo. Aos olhos de Lula, o presidente da autarquia passou de "economista competente" às vésperas das eleições a "esse cidadão" ao final do primeiro mês de governo.

Procurado, Campos Neto disse por meio de sua assessoria que não iria se manifestar.

Com o temor de que os juros altos comprometam o crescimento da economia brasileira, Lula e interlocutores voltaram à carga contra Campos Neto resgatando diferentes episódios para reforçar os laços dele com Bolsonaro.

O mais recente episódio rememorado por petistas para corroborar a tese de falta de isenção do presidente do BC é uma imagem da fotógrafa da Folha Gabriela Biló, mostrando que Campos Neto ainda era integrante de um grupo de WhatsApp chamado "Ministros Bolsonaro". Ele perdeu o status de ministro quando foi aprovada a lei de autonomia do BC pelo Congresso Nacional, em fevereiro de 2021.

Depois que a imagem da tela de celular do senador Ciro Nogueira (ex-Casa Civil) foi a público revelando a presença do chefe da autarquia no chat, no dia 10 de janeiro, Campos Neto deixou o grupo. Mas a exposição da foto gerou desconforto entre os petistas.

Campos Neto também fez um "bate e volta" entre Brasília e São Paulo, em 1º de janeiro, que chamou a atenção de aliados de Lula. Pela manhã, ele participou da posse de Tarcísio de Freitas, ex-ministro da Infraestrutura no governo Bolsonaro, eleito governador de São Paulo depois de ter sido apadrinhado pelo ex-presidente. Foi a única solenidade da esfera estadual que contou com a presença do presidente do BC.

À tarde, Campos Neto embarcou de volta para Brasília, onde acompanhou a cerimônia de posse de Lula. Horas depois, pegou outro avião para São Paulo para participar de um jantar da posse de Tarcísio, ex-colega de Esplanada.

Durante o governo Bolsonaro, Campos Neto frequentou confraternizações ao lado de outros bolsonaristas. Em 2021, foi a um churrasco na casa do então ministro Fábio Faria (Comunicações), dias depois da posse de Nogueira.

Embora nunca tenha sido do círculo íntimo do ex-chefe do Executivo, Campos Neto gozava da simpatia de diferentes alas do governo e do próprio Bolsonaro. Apesar da autonomia do BC, participou de reuniões com integrantes do Planalto nas quais era consultado sobre os impactos de eventuais medidas do governo na economia.

Campos Neto foi alçado ao posto de chefe da autoridade monetária por influência do então ministro Paulo Guedes (Economia). Os dois tiveram divergências, mas continuaram atuando juntos.

Segundo auxiliares da gestão passada, pesava na relação deles o fato de Campos Neto sempre ser citado como possível ministro da Economia nos momentos em que Guedes passava por turbulências no comando da pasta.

Desde integrantes da ala política até bolsonaristas mais radicais e parlamentares viam com bons olhos uma eventual gestão de Campos Neto. Ele, contudo, sempre rechaçou essa possibilidade. Em conversas privadas, dizia que não tinha a intenção de ser ministro -sobretudo para ocupar o lugar de Guedes.

Diante dos ataques do novo governo a Campos Neto, ex-colegas de Esplanada saíram em defesa do dirigente. A avaliação é de que os petistas buscam um culpado para o caso de a economia não decolar.

A interlocutores, o presidente do BC disse que está apenas fazendo o seu trabalho e que não tem como reduzir a inflação só porque o governo deseja.

A presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann (PR), é apontada como uma das principais vozes críticas a Campos Neto no entorno do presidente.

No mais recente episódio de fritura, ela disse à Folha que o chefe da instituição está do lado de Bolsonaro e defendeu ainda que a política monetária obedeça à linha defendida pelo presidente Lula.

"O presidente do Banco Central estava em um grupo de ministros de Bolsonaro até há pouco tempo. Então ele tem um lado. Lado de Bolsonaro. Foi nomeado por ele. Ele não demonstrou a sua autonomia, sua independência política, por esses fatos. Quando o banco tem a decisão de manter as taxas nos níveis atuais, joga contra o Brasil", afirmou.

Apesar da artilharia, há petistas que avaliam que Lula prejudica mais o cenário econômico com suas declarações, embora líderes da base terem apoiado o discurso de Lula contra a taxa básica de juros em reunião no Planalto.

Nas últimas semanas, Lula chamou os juros de "vergonha", a autonomia do BC de "bobagem" e atacou Campos Neto, tensionando mais a relação.

Para ex-membros do BC, contudo, a atuação de Campos Neto à frente da instituição tem sido pautada por decisões puramente técnicas.

Gustavo Loyola, ex-presidente do BC e diretor-presidente da Tendências Consultoria, destaca o ciclo de alta de juros promovido pela instituição ao longo do ano eleitoral, que poderia comprometer a imagem do então presidente Bolsonaro na busca da reeleição.

De março de 2021, quando a taxa básica saiu de seu piso histórico (2%), a agosto de 2022, foram 12 aumentos consecutivos, com elevação de 11,75 pontos percentuais.

"Se ele [Campos Neto] quisesse fazer agrado para o ex-presidente [Bolsonaro], teria mantido a política monetária frouxa. O BC atuou de maneira absolutamente técnica, não houve nenhuma medida que pudesse ser vista como política", diz.

Loyola ressalta que, com a autonomia, o BC deixou de ser um órgão de governo para se tornar uma instituição de Estado. Para ele, isso precisa ser respeitado pelo novo governo e episódios envolvendo a figura de Campos Neto não são "justificativa para atacar institucionalmente o Banco Central".

Na opinião de Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do BC e presidente do conselho da Jive Investments, o trabalho de Campos Neto à frente da instituição é "impecável".

Ele lembra que a autoridade monetária brasileira esteve na dianteira no diagnóstico da inflação durante a pandemia. "Somos o país mais avançado no caminho da política monetária", diz. "Realmente, o juro está alto, mas está alto por uma necessidade, não por viés político".

Ex-diretor do BC, Alexandre Schwartsman destaca também que as decisões sobre os juros não são tomadas apenas pelo presidente, mas por um colegiado formado por nove membros (além de Campos Neto, oito diretores).

O economista acrescenta que o comitê não se furtou de levar a Selic ao menor nível já observado, com taxa de juro real negativa, quando viu necessidade de estimular a atividade econômica. "O mesmo comitê que baixou para 2% trouxe de volta para 13,75%. A decisão é eminentemente técnica", afirma.


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