SÃO PAULO, SP - RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - O pedido de recuperação judicial da Americanas, feito para escapar do bloqueio de recursos por parte dos bancos credores, registra R$ 119,6 milhões a serem pagos à classe 1. O valor engloba 321 trabalhadores e entidades, conforme dados compilados pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).
Mas, de acordo com levantamento realizado pela Data Lawyer -plataforma que permite análise de dados estatísticos em relação às ações judiciais (jurimetria)-, feito a pedido da Folha, existem hoje pelo menos 2.331 processos ativos contra a Americanas na Justiça do Trabalho. O valor total das causas é de R$ 284,3 milhões -no limite, se perdesse todos os processos, o valor total seria 138% superior ao montante reservado pela Americanas para os débitos trabalhistas que constam na recuperação judicial.
A pesquisa da Data Lawyer apontou que, desde 2014 (início da base de dados da plataforma), foram 5.445 processos, no valor total de R$ 534,6 milhões. Destes, estão ativas ainda 2.331 ações, que somam R$ 284,3 milhões.
O levantamento, feito a partir do CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica), considerou as inscrições da Americanas S.A (00.776.574/0006-60) e da ST Importações Ltda. (02.867.220/0001-42), ambas citadas na decisão da 4ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro, que concedeu a recuperação judicial à empresa em 19 de janeiro, quando a Americanas declarou dívidas de R$ 43 bilhões.
De acordo com a Data Lawyer, a pesquisa engloba apenas os processos não sigilosos.
**AÇÃO SINDICAL LISTA DÉBITOS DE R$ 1,53 BILHÃO**
Em janeiro, uma ação conduzida pelo escritório LBS Advogados, em nome de oito entidades sindicais (entre elas, União Geral dos Trabalhadores e Força Sindical), junto ao TRT-10 (Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região), defendia o bloqueio no valor de R$ 1,53 bilhão do patrimônio dos principais acionistas da Americanas -os bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira. O objetivo era garantir os créditos das ações trabalhistas contra a varejista em curso na Justiça do Trabalho.
A liminar foi negada, mas as centrais sindicais estão recorrendo.
Na ação, o LBS Advogados afirma ter feito um levantamento na plataforma Data Lawyer em 20 de janeiro e ter identificado 16.980 ações em trâmite, que englobam um valor potencial de R$ 1,53 bilhão.
"A pesquisa foi realizada a partir da raiz do CNPJ de todas as empresas do grupo apontadas como controladas direta e indiretamente pela Americanas S.A nas Demonstrações Financeiras Padronizadas (DFP) para 31 de dezembro de 2021. Todas possuem mais de 99,9% de participação da Americanas S.A. Além dessas empresas, incluímos a raiz do CNPJ da Lojas Americanas, incorporada recentemente pelo grupo", dizem na ação os advogados das centrais sindicais.
"Nós pesquisamos no Data Lawyer o CNPJ de cada uma das empresas do grupo", disse à Folha de S.Paulo José Eymard Loguercio, sócio do LBS Advogados. "No sistema Judiciário, ainda constam processos em tramitação sob Lojas Americanas", diz ele, referindo-se à empresa que reunia as lojas físicas, antes da fusão em 2021 com a B2W (operações digitais), que deu origem à Americanas S.A.
Na noite do dia 16 de fevereiro, a Americanas divulgou fato relevante em que afirma estar disposta a pagar os débitos trabalhistas (classe 1) e com micro e pequenos fornecedores (classe 4) que constam da recuperação judicial, cuja soma chega a R$ 192,4 milhões.
"As recuperandas informaram à Administração Judicial Conjunta que os créditos líquidos da classe 1 e 4 somam, até o momento, a quantia aproximada de R$ 192,4 milhões, conforme relação de credores apresentada pela companhia, e que a companhia tem condições de promover o pagamento integral em curto prazo desse montante com parte dos recursos já obtidos e a serem obtidos com o financiamento DIP autorizado na recuperação judicial, sem impacto relevante no seu fluxo de caixa", diz o comunicado, assinado por Camille Loyo Faria, a nova diretora financeira e de relações com investidores da Americanas, que assumiu neste mês.
"A companhia e as demais recuperandas manifestaram sua preocupação com a situação dos credores trabalhistas, dada a natureza alimentar das verbas titularizadas por estes credores, que, por seu histórico, contribuíram para o crescimento da companhia e demais recuperandas", diz o fato relevante.
Questionada pela Folha de S.Paulo sobre qual o número de ações contra a empresa estão em trâmite na Justiça do Trabalho, a Americanas não respondeu até a publicação deste texto.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a varejista informou apenas os credores que constam do pedido de recuperação judicial. De acordo com a empresa, são "650 credores na classe 4 que somam um total de R$ 72,8 milhões. A classe 1 concentra dívidas com verbas trabalhistas e equivalentes, como as de profissionais liberais, e reúne um total de R$ 119,6 milhões".
**ENTRE OS CREDORES, EXECUTIVO JÁ FALECIDO, BAR E PADARIAS**
Entre os 321 empregados ou entidades da lista de credores trabalhistas, estão pessoas físicas, escritórios de advocacia e sindicatos, aponta o levantamento do Dieese.
Os credores com mais de R$ 1 milhão a receber englobam dois sindicatos e três escritórios de advocacia. Na esfera sindical, estão o Sindicato dos Empregados no Comércio de Guarulhos e o Sindicato dos Empregados no Comércio do Estado do Espírito Santo, com R$ 2,1 milhões a receber cada um.
Entre os escritórios, estão Dannemann Siemsen Advogados (R$ 1,3 milhão), Tozzini Freire Teixeira e Silva Advogados (R$ 2,7 milhões), Vezzi, Lapolla e Mesquita Sociedade de Advogados (R$ 3,3 milhões) e Ensemhuber, Abe e Advogados Associados (R$ 6,8 milhões).
O maior credor dessa lista é o espólio de Henrique Kerti, que foi executivo da empresa nos anos 1970 e 1980, com R$ 7,6 milhões a receber. Os valores são discutidos judicialmente em ação trabalhista há pelo menos dez anos, segundo informações compiladas pelo site Jusbrasil.
A Folha de S.Paulo tentou contato com os advogados do espólio de Kerti, mas não obteve sucesso.
Já na lista de pequenas e médias empresas, o Dieese indica 959 credores com valores a receber entre R$ 10 e R$ 26,4 milhões -este último é o montante devido à distribuidora de produtos de informática Ingram. Estes credores são tanto da classe 4 (MPE) quanto da classe 3 (quirográfários, sem garantias reais).
Na lista de fornecedores, há desde fabricantes de produtos a prestadores de serviços, como locação de veículos. Há ainda padarias e produtores de alimentos.
Nesta relação, 17 credores têm mais de R$ 1 milhão a receber cada um. Por outro lado, 55 têm menos de R$ 100 cada um em créditos.
É o caso do Bar Cantinho da Vila Ltda., em Vila Isabel, zona norte do Rio, com R$ 20 a receber. Ou da Pão de Batata Pães Especiais Ltda., de Diadema, na Grande São Paulo, para quem a Americanas deve R$ 9,29.
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