CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) - Ao discursar na tribuna da Câmara de Caxias do Sul (RS), o vereador Sandro Santinel (Patriotas) afirmou que empresas e produtores rurais deveriam contratar funcionários "limpos" para a colheita da uva, como os argentinos, e não deveriam buscar "aquela gente lá de cima", em referência a trabalhadores da Bahia resgatados na quarta-feira (22) em situação análoga à escravidão.
Segundo o Ministério Público do Trabalho, foram 192 homens resgatados com idades entre 18 e 57 anos.
Em entrevista na noite desta terça-feira (28) à Folha de S.Paulo, o vereador disse que "falou demais" e que voltará à tribuna nesta quarta-feira (1º) para "pedir desculpas".
A fala ocorreu na sessão desta segunda-feira (28) e gerou reação imediata de vereadores.
"Estou estupefato. É inacreditável que no parlamento da segunda maior cidade do estado do Rio Grande do Sul, que se consolidou num povoamento de imigrantes, um vereador use palavras de cunho xenofóbico, preconceituoso e discriminatório", disse o vereador Lucas Caregnato (PT), também na tribuna da Casa.
O deputado estadual Leonel Radde (PT) foi às redes sociais para dizer que registrou um boletim de ocorrência contra a fala do vereador.
"O Rio Grande do Sul e o Brasil não são lugares para escravocratas", escreveu ele. A reportagem entrou em contato com a Polícia Civil, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.
Procurado pela reportagem, o presidente da Câmara de Caxias do Sul, vereador José Pascual Dambrós (PSB), não quis se manifestar.
Ao começar seu discurso, Santinel disse que subia à tribuna para prestar solidariedade aos empresários e produtores rurais e que conhecia o problema da falta de mão de obra para o trabalho de campo.
"Essa pauta ganhou grande repercussão em função dos acontecimentos em Bento Gonçalves, que na minha visão são exagerados e midiáticos. Me deparei com uma avalanche de críticas e até ofensas a empresas e empresários do setor de vinícolas que são desmedidas e injustas. Empresas que são muito importantes para a nossa serra gaúcha e nosso país e estão sofrendo um verdadeiro linchamento virtual", disse ele.
Na sequência, ele afirma ter apenas um conselho aos empresários e produtores rurais: "Não contratem mais aquela gente lá de cima. Conversem comigo e vamos contratar os argentinos. São limpos, trabalhadores, corretos, cumprem o horário, mantêm a casa limpa e, no dia de ir embora, ainda agradecem ao patrão pelo dinheiro que receberam. Com os baianos, que a única cultura que eles têm é viver na praia, tocando tambor, era normal que fosse ter este tipo de problema. Então, deixem de lado aquele povo, que é acostumado com Carnaval e festa, para vocês não se incomodarem novamente".
Os trabalhadores resgatados trabalhavam para duas empresas que eram contratadas pelas vinícolas Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton. As três dizem que não tinham conhecimento da situação relatada pelos trabalhadores e que repudiam violações de direitos humanos.
À reportagem Santinel também lamentou os ataques que sua esposa e filho estariam sofrendo nas redes sociais, após a repercussão do caso.
"Eu toquei no nome dos baianos porque o processo que está correndo em Bento Gonçalves foi com os baianos. Porque se tivesse sido com os mineiros, eu teria falado sobre mineiros. Se tivesse sido com os cariocas, eu teria falado dos cariocas. Não tenho nada contra os baianos, pelo contrário. Tive nas praias de lá, é maravilhoso", disse ele.
Segundo o vereador, sua verdadeira intenção, ao subir na tribuna, era alertar para possíveis fraudes, quando trabalhadores inventariam más condições de trabalho "apenas para receber uma indenização". "Não é o caso de Bento Gonçalves, ali estava exagerado", afirmou.
Em sua biografia, no site da Câmara, o vereador informa que no ano de 2017 criou a "Comissão Pró-Bolsonaro 2018, um grupo de empresários de direita que desejavam mudanças no país".
O governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), também se manifestou sobre o episódio, em uma rede social, e disse que determinou "a adoção de medidas cabíveis".
"Hoje, um vereador do Rio Grande do Sul defendeu o trabalho escravo nas vinícolas do estado e ainda foi xenofóbico e racista com baianas e baianos. Eu repudio veementemente a apologia à escravidão e não permitirei que tratem nenhum nordestino ou baiano com preconceito ou rancor", escreveu.
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