SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A criação de um imposto sobre exportações de petróleo bruto por um prazo de quatro meses, conforme anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na última terça-feira (28), foge da tradição do país no comércio exterior, mas o Brasil está longe de repetir a experiência argentina no tema, avaliam.
Nesta quarta (1º), o ministro afirmou em entrevista ao UOL que trata-se de uma solução de transição e que os lucros das empresas do setor são "exorbitantes".
"As empresas estão com lucros extraordinários por causa do aumento dos preços do petróleo. Lucros exorbitantes. Pagam poucos impostos, na minha opinião (...) é uma solução intermediária para a gente fasear a reoneração, e o Congresso é que vai dar a palavra final", disse o ministro ao portal.
Embora vejam a taxa sobre exportações como uma saída ruim e temam que o imposto perdure além do prazo de quatro meses previsto pelo governo, analistas ouvidos pela Folha de S.Paulo dizem que a medida tem mais diferenças do que semelhanças com as chamadas "retenciones" (retenções), taxas sobre exportações agrícolas praticadas na Argentina.
As "retenciones a las exportaciones" ou DEX ("derechos a la exportación") da Argentina são instrumentos tributários que incidem sobre produtos destinados ao exterior. Na Argentina, o uso dessa ferramenta, apesar de inconstante, remonta ao fim do século 19 e foi usada por governos de ideologias distintas.
Em março do ano passado, o governo argentino oficializou o aumento das retenções para óleo e farelo de soja: a taxa subiu para 33%, mesmo percentual cobrado na exportação de soja em grão.
"Por muitas razões, e geralmente acompanhadas da desvalorização da taxa de câmbio, as retenções têm sido, de um lado, usadas como fonte de receita para o governo; de outro, como medidas para controle inflacionário, fomento ou proteção à indústria local", diz estudo publicado pela Revista de Política Agrícola, da Embrapa.
As retenções não são as únicas responsáveis, mas têm sido ponto de atrito entre governo e associações rurais.
Para André Roncaglia, professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e colunista da Folha de S.Paulo, a decisão de taxar a venda de petróleo cru em 9,2% acaba atuando mais como um imposto de renda sobre os exportadores. "Como o preço é determinado nos mercados internacionais, não deve ter efeito de curto prazo para a economia", diz.
"A projeção é que dure apenas quatro meses e deve servir para recompor as receitas fiscais após a desoneração que foi feita pelo governo Bolsonaro no ano passado. A questão é a possibilidade de ser renovado e isso afetar os planos de investidores, mas dada a prevalência da Petrobras nesse mercado, o efeito tende a ser limitado."
Sobre uma possível semelhança entre o imposto que propõe o governo Lula e as medidas tomadas na Argentina, ele avalia que essa não parece ser a intenção do governo. "Trata-se de uma recomposição parcial das desonerações."
"O que o Brasil está propondo é bem diferente das retenções argentinas, pois o governo vizinho depende delas e isso acaba criando uma distorção muito grande", concorda o especialista em comércio exterior Welber Barral, sócio-fundador da BMJ Consultores. "Ao contrário do que ocorre na Argentina, no Brasil, a situação fiscal não depende disso."
Barral também avalia que o Brasil tem pouca experiência nesse tipo de medida. "Tivemos algo parecido no caso da exportação de couro. Não tive acesso aos estudos que o governo fez antes de tomar essa medida agora, mas eventualmente ela pode afetar a cadeia de petróleo."
O imposto sobre exportação de couro "wet blue" foi extinto pela Camex (Câmara de Comércio Exterior) em 2018, após vigorar por quase duas décadas. A cobrança se deu por uma demanda do setor calçadista que alegava perda de competitividade em relação aos concorrentes do Brasil no segmento e atendeu a um pedido de entidades ruralistas e da Frente Parlamentar da Agropecuária.
"Por princípio, sou contra qualquer taxação de exportação. O que faz sentido taxar, a depender do objetivo, é a importação. Desta forma, estaremos criando distorções para o setor. E os países que tentaram fazer o mesmo não tiveram bons resultados, vide o caso da Argentina", diz José Augusto de Castro, presidente executivo da AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil).
Ainda assim, ele concorda que as medidas aplicadas na Argentina não são comparáveis ao que governo pretende fazer no Brasil. "A situação é completamente diferente, o governo argentino depende das retenções, o Brasil não precisa do imposto para equilibrar a sua situação fiscal."
IMPOSTO ARGENTINO SOBRE EXPORTAÇÃO É ALVO DE CRÍTICAS
Em 2020, a diretoria de Estudos Econômicos da Bolsa de Comércio de Rosário publicou um estudo em que aponta o impacto dos DEX na economia, sobretudo no interior do país.
Na visão deles, os DEX geram menos áreas plantadas, menos atividade econômica e afetam a produção. O setor de grãos, farinhas, óleos e biodiesel pode gerar cerca de US$ 29 bilhões por ano em exportações para a Argentina, ajudando a compensar as dificuldades pelas quais passa a economia do país.
O relatório conclui que o imposto recai somente sobre bens específicos e não leva em conta os custos de produção e comercialização, o que reduz o princípio da capacidade de pagamento do produtor.
"A experiência internacional deixa a Argentina praticamente como o único caso de carga tributária sobre suas produtoras de bens exportáveis, o que tira a competitividade e dificulta o acesso aos mercados", diz o texto.
Os analistas enumeram argumentos a favor e contra a manutenção da ferramenta de taxar as exportações argentinas. Veja, a seguir, algumas delas:
Argumentos favoráveis:
- Ao desvincular os preços domésticos dos internacionais, serve como instrumento de política de combate à inflação e reduz os preços dos alimentos, aumentando o poder de compra dos salários;
- Alega-se a existência de concentração na produção de soja com forte presença de arrendamentos, o que implica uma suposta rentabilidade das fazendas que permite a aplicação do imposto
Argumentos contrários:
- Na prática, o imposto acaba sendo incorporado pela cadeia produtiva, desestimula a produção de alimentos e piora a inflação;
- Agrava as distorções entre os produtores de diferentes regiões e com escala de produção diferente, prejudicando as empresas e os produtores de menor porte
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