RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - A área técnica da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) concluiu que houve falhas na divulgação da proposta de aporte de R$ 10 bilhões dos acionistas de referência da Americanas, ainda em discussão com os credores da companhia.

Em parecer do último dia 20, técnicos da autarquia dizem que a varejista negou inicialmente informações que seriam confirmadas dias depois e pedem aprofundamento das investigações sobre o caso, que teve impacto nas negociações de ações em Bolsa.

Procurada pela reportagem, a empresa afirmou em nota que não havia proposta de aporte no dia da publicação da informação e diz que está à disposição da CVM.

Reportagem do jornal Valor Econômico do dia 2 de março foi a primeira a citar a proposta, a qual foi negada pela companhia no dia seguinte, após consulta feita pela B3. "Até o momento, não há proposta de aporte no valor de R$ 10 bilhões", disse a empresa.

No dia 7, porém, após novas reportagens sobre o tema, a empresa confirmou o valor, destacando, porém, que "não houve, até o momento, acordo com relação à proposta apresentada".

Em parecer técnico em processo que investiga o caso, a área técnica da CVM concluiu que a empresa descumpriu obrigação de divulgar fato relevante imediatamente após o vazamento de informações que deveriam ser mantidas em sigilo por sua administração.

"Embora a Americanas tenha negado inicialmente" o valor do aporte, diz o parecer, "ficou demonstrado que as informações veiculadas na imprensa na semana anterior eram verdadeiras e seus administradores não conseguiram manter o controle da informação".

No dia do vazamento, as ações da Americanas subiram 12,7% na bolsa de São Paulo, com alto volume de negociações. Depois recuaram até voltar a subir nos três dias que se seguiram à confirmação da proposta.

O parecer destaca que esse tipo de informação tem o potencial para influenciar decisões de investidores e, como consequência, a valorização das ações.

"Os valores a serem capitalizados na Companhia pelos acionistas de referência são de extrema importância para que se alcance um resultado satisfatório na negociação com os credores e na recuperação judicial, além de constituírem aspectos determinantes para a avaliação do valor da empresa."

"Não há dúvidas de que os termos das propostas que vem sendo apresentados aos credores constituem fato relevante, tanto que a própria Americanas, quando decide divulgar tais termos, o faz por meio de fato relevante", diz o parecer.

"A Americanas informa que segue diligente em relação a todos os questionamentos da CVM", afirmou a empresa, em nota enviada à reportagem, na qual "reitera que não havia, até o dia 3 de março de 2023, 'proposta de aporte no valor de R$ 10 bilhões, seja por parte da Companhia ou de seus acionistas de referência'".

A varejista diz ainda que, como determina o regulador, "publicou Fato Relevante em 7 de março de 2023 para comunicar que 'foram realizadas nos dias 6 e 7 de março reuniões com credores financeiros', quando 'apresentou nova proposta, com estrutura similar à anterior, mas tendo um suporte dos acionistas de referência a um aumento de capital em dinheiro, no valor de R$ 10 bilhões de reais'".

Não é o primeiro processo da CVM que investiga a divulgação de informações sobre a crise da companhia, que pediu recuperação judicial após o anúncio da descoberta de inconsistências contábeis em seu balanço.

Em um dos primeiros processos abertos sobre a crise da varejista, a autarquia investiga os acionistas de referência e a diretoria da empresa por omissão de informações relevantes no primeiro comunicado sobre o escândalo contábil.

Em documentos aos quais a reportagem teve acesso após a queda do sigilo do processo, a autarquia questiona por que o comunicado não trazia detalhes que vieram à tona dois dias depois e apura divergências entre declarações dadas pela companhia no dia seguinte ao pedido de proteção judicial.

Atualmente, a CVM conduz 12 processos administrativos para investigar fatos relacionados à situação da varejista, que apuram desde descumprimento de regras de divulgação à possibilidade de uso de informação privilegiada.

Dois deles já se tornaram inquéritos, o que representa um avanço nas investigações. Executivos da empresa têm sido ouvidos para esclarecer os fatos. No último dia 16, o ex-presidente da varejista Miguel Gutierrez passou cerca de quatro horas na sede da autarquia prestando depoimento.

A CVM não confirma para qual dos processos foi dado o depoimento. O teor das falas do executivo também não foi divulgado.


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