SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, foram essenciais para garantir a transição do governo, o resultado da eleição e a viabilidade econômica do primeiro ano do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, diz o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
"Sem Lira e Pacheco, nós não estaríamos aqui, hoje. Eles foram os grandes responsáveis pela transição. Tem que assinalar isso. Isso é um reconhecimento justíssimo. Eu sou testemunha disso. Não creio que eles vão faltar [agora], sobretudo com a agenda de recuperação fiscal e aquilo que é política de Estado, não é política de governo", afirma ele, sobre a possibilidade de o arcabouço fiscal enfrentar empecilhos no Congresso, onde precisa ser aprovado.
Em entrevista à Folha de S.Paulo nesta quinta-feira, em São Paulo, o ministro da Fazenda também responde a críticas ao arcabouço fiscal que vêm tanto do seu Partido dos Trabalhadores como de economistas ditos ortodoxos.
Comenta ainda os planos de integrantes do governo de fazer com que o BNDES volte a ter mais peso no crédito. Isto é, dobrar o volume anual de novos empréstimos, voltando a padrões anteriores ao enxugamento do banco federal desenvolvimento, nos anos de Michel Temer e Jair Bolsonaro.
Haddad diz que o BNDES pode ter papel importante e inovador, mas que a questão precisa ser repensada levando em conta o novo e ampliado papel do mercado de capitais no Brasil e um cenário de queda das taxas básicas de juros.
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PERGUNTA - Como está a discussão do arcabouço com Lira, com lideranças do Congresso? Até agora, não houve um teste grande da operação do novo governo com o novo Congresso. Não houve ainda uma grande votação. Qual empecilho pode haver?
FERNANDO HADDAD - Já houve uma votação grande, a da PEC da Transição. Mas, olha, vou dizer uma coisa. Quem fez a transição de um governo para outro foi o Congresso, nas pessoas do Lira e do Pacheco [Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidentes da Câmara e do Senado, respectivamente, em 2021-22, reeleitos para o biênio 2023-24]. Consolidaram o resultado das urnas, o respeito à democracia, inclusive aprovando uma emenda constitucional que garantiu a gestão no primeiro ano de governo.
Ou seja, sem Lira e Pacheco, nós não estaríamos aqui, hoje. Eles foram os grandes responsáveis pela transição. Tem que assinalar isso. Isso é um reconhecimento justíssimo. Eu sou testemunha disso. Não creio que eles vão faltar [agora], sobretudo com a agenda de recuperação fiscal e aquilo que é política de Estado, não é política de governo.
P - Mudanças na política de preços de combustíveis e de dividendos da Petrobras podem tirar receita do governo. Vocês participam dessa discussão sobre preços da Petrobras, com o presidente?
FH - Ainda não foi apresentada nenhuma proposta.
P - Mas Prates [Jean Paul Prates, presidente da Petrobras) e Silveira [Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia] já disseram que vai ter preço abaixo de cotação internacional...
FH - A gente vai se debruçar sobre uma proposta concreta.
P - A Fazenda está preocupada com a possibilidade de a Petrobras render menos [para o governo]?
FH - A Fazenda está preocupada com tudo. A Fazenda é o beque [zagueiro, defensor, no futebol] do governo. Se você tem uma meta explicitada, que recebeu o aval do presidente da República, vamos perseguir essa meta olhando tudo, o que está errado em todas as frentes.
P - O deputado (PT-RJ) Lindbergh Farias disse em entrevista à Folha de S.Paulo que, com o arcabouço fiscal, o governo faz um pacto com o demônio [Banco Central] mas não consegue em troca a redução de juros. Existe gente importante, no PT, descontente até com a ideia do arcabouço. O arcabouço está garantido com o presidente ou vai haver mais fogo amigo?
FH - Sinceramente não fiz pacto com ninguém. Não fiz pacto nem com A nem com B. O que eu fiz foi fechar uma equipe técnica de altíssima qualidade, definir um desenho, levar esse desenho para pessoas tão diferentes quanto Esther Dweck e Simone Tebet, que pensam muito diferente, e falar com Ministério do Desenvolvimento [de Geraldo Alckmin], Casa Civil [de Rui Costa], presidente da República.
Senti o pulso [a repercussão do plano] com economistas tão diferentes quanto Eduardo Gianetti da Fonseca, André Roncaglia, Paulo Gala, Leda Paulani, Felipe Salto, Paulo Nogueira Batista, pessoas que têm visões muito diferentes em economia e se manifestaram publicamente com otimismo a respeito das perspectivas. Recebi o aval do presidente.
Agora, ninguém tem a pretensão de com uma medida agradar a 100% das pessoas. O que precisamos é ter um núcleo hegemônico que abrace a perspectiva de recolocar o Brasil numa trilha de desenvolvimento sustentável tanto do ponto de vista social quanto ambiental quanto fiscal; convencer as pessoas de que tem um norte essa economia.
Manifestações críticas e elogiosas vão acontecer em qualquer agremiação. Agora quem fala pelo Partido dos Trabalhadores é a sua Executiva, com todo respeito a vozes internas. Nada obsta a um deputado em exercício de seu mandato apresentar o seu projeto.
P - Mas o sr. acha que o partido vai ter influência na discussão com o presidente, a respeito do plano fiscal?
FH - A presidente do PT participou da reunião que deliberou, na presença da Miriam Belchior [secretária-executiva da Casa Civil], da Esther Dweck [ministra da Gestão], na minha presença, que deliberou o encaminhamento que foi dado pelo presidente Lula. E esse arcabouço não é do Haddad.
Tenho grande participação na sua elaboração, é um desenho muito parecido com o que eu tinha concebido em 2018, quando era o coordenador de programa do presidente Lula [até meados do ano, então candidato a presidente], e é um arcabouço do governo federal hoje, deste governo.
P - O sr. recebeu avaliações positivas de economistas, como disse. Mas há um grupo de economistas mais ou menos convencionais, ditos ortodoxos, e muita gente simplesmente de boa vontade que fez conta e disse que vai ser difícil arrumar esse superávit fiscal; que a dívida pode se estabilizar, mas não cai...
FH - [Rogério Ceron, secretário do Tesouro, que acompanhou parte da entrevista, responde]. O arcabouço cria uma direção de movimento [para a trajetória da dívida pública]. O que esse pessoal está discutindo é a velocidade do movimento. Dizem que não vai se atingir tal patamar, a estabilização [do nível da relação dívida/PIB] em 2026, mas em 2029, por exemplo.
Ainda assim, você criar um horizonte de estabilidade, de convergência. Sai daquela discussão de janeiro, de que haveria um descontrole total de gastos, uma trajetória explosiva da dívida, uma pressão inflacionária muito forte. Essa discussão acabou. A discussão [agora] é da intensidade do movimento [da relação dívida/PIB].
[Haddad completa a resposta:] Pode acelerar ou retardar [a velocidade do controle da dívida pública], mas o movimento, o desenho é que é importante, se é consistente. O torque que você vai dar para o assunto [ritmo de contenção da dívida] depende do governo, da circunstância política, do que vai acontecer no mundo. Mas nós estudamos todas as regras fiscais da atualidade.
A pergunta é: tem uma regra no mundo melhor do que essa? Então, sugere que a gente estuda. Se a imprensa nos apresentar uma regra, em qualquer país civilizado, em desenvolvimento, BRICs, G20, OCDE, uma regra melhor do que essa, nós estamos dispostos a conversar.
Economistas dos mais variados espectros ideológicos, que tem uma representatividade, um compromisso com o país, estão dizendo que esse desenho pode funcionar. Mas, é óbvio, do mesmo jeito que tem um Lindbergh [Farias, o deputado federal do PT] daqui, tem um Lindbergh de lá, do outro lado.
P - A direção do BNDES já disse em público que quer aumentar os desembolsos [empréstimos] do banco, voltar a 2% do PIB (caiu pela metade). O que a Fazenda acha disso?
FH - Estamos conversando sobre o papel do BNDES e, assim como a Petrobras, ainda não tem um desenho claro. Isto é, o Ministério de Minas e Energia não apresentou um desenho claro para que pudéssemos discutir.
No caso do saneamento, por exemplo, o ministério das Cidades apresentou uma proposta. Conversamos com o setor privado, estados, municípios e chegamos a um decreto assinado ontem [quarta-feira, dia 5 de março], que foi celebrado como uma coisa positiva para o setor de saneamento, mantendo o comprometimento de universalização para 2033, com uma flexibilidade maior que o decreto anterior.
Vamos fazer a mesma coisa com qualquer outro assunto econômico. Assim que o Ministério de Minas e Energia ou o Ministério do Desenvolvimento, ao qual é ligado o BNDES, tiverem uma proposta, vamos no debruçar sobre ela e vamos colocar nosso ponto de vista.
P - O sr. é a favor do aumento de desembolso?
FH - Em abstrato, seria interessante que o BNDEs tivesse um papel importante no financiamento de alguns projetos. Qual o problema que nós temos que resolver? Hoje há um mercado de capitais muito superior ao que você tinha no começo do governo Lula. Qual o papel do BNDES dentro desse novo Brasil, que tem um mercado mais robusto? Na hora em que o mercado de capitais retomar [voltar a crescer], em que a taxa de juros cair, qual o espaço para o BNDES? Com que objetivo? Vamos pensar. Pode atuar mais em infraestrutura, mais em PPPs? Pode atuar mais em transição ecológica, em inovação? Qual o novo BNDES que pode surgir a partir dessa nova realidade? Não sou alérgico a discussão sobre isso, pelo contrário.
P - Mas mexendo em taxas de juros [do BNDES]? Voltando a ter mais subsídio?
FH - Até agora, o que o BNDES propôs foi graduar as taxas de juros, mantendo a taxa média no patamar do atual. Até hoje, a discussão pública e conosco foi essa, e aí está se discutindo isso. Mas não tem um desenho que foi definido e nos apresentado
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