WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - A ideia do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de usar no comércio dos países dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) as moedas dos integrantes da instituição é até possível, mas muito difícil, uma vez que é preciso alterar as estruturas que sustentam o dólar no centro do câmbio global, disse nesta quinta-feira (13) o economista do FMI (Fundo Monetário Internacional) Nigel Chalk, vice-diretor de Hemisfério Ocidental.

"Por que o Brics não pode ter uma moeda que possa financiar a relação comercial entre Brasil e China, entre o Brasil e os outros países?", questionou Lula nesta quinta em viagem à China. "Quem é que decidiu que era o dólar? Nós precisamos ter uma moeda que transforme os países numa situação um pouco mais tranquila, porque hoje um país precisa correr atrás de dólar para exportar."

Questionado sobre a fala, Chalk afirmou que o uso do dólar no comércio internacional não foi uma decisão, mas "um resultado do mercado."

"Para uma moeda ser usável em todos os lados, no comércio e nas finanças, é preciso haver muita sustentação institucional. Você precisa, por exemplo, de certa profundidade e liquidez nos mercados financeiros, de disponibilidade de dólares para financiamento, para providenciar recursos para o comércio", afirmou.

"Tanto exportadores quanto importadores gostariam de indicar sua própria moeda no lugar do dólar. Todas essas coisas aconteceram organicamente, não acredito que tenha havido um projeto. Mas uma vez que você tem isso, é muito difícil mudar para outro ecossistema, porque você vai ter que criar uma série de estruturas de apoio", disse o economista.

Chalk afirmou, porém, que isso é possível, dando como exemplo a internacionalização do yuan chinês, com instituições financeiras operando com comércio e empréstimos na moeda.

"Então não é impossível de fazer. É possível, mas demanda muito investimento. Não só no comércio, mas é preciso mapear a usabilidade da moeda, reservas, a infraestrutura da moeda e dos mercados financeiros."

A reportagem questionou o chefe do Banco Central da Índia, Shaktikanta Das, se haveria interesse na proposta de Lula, mas ele não quis fazer comentários com base apenas no discurso do presidente, sem ter acesso a um plano de como funcionaria.

Também na China, Lula criticou o FMI e defendeu que investimentos internacionais não significam transferência da comando da política econômica dos países em desenvolvimento. Ao sustentar o direito dos países a se endividarem para investir, afirmou: "Não cabe [ao FMI] ficar asfixiando as economias como estão fazendo agora com a Argentina".

Questionado sobre a fala, Chalk afirmou que "apoia o programa das autoridades argentinas". "As autoridades calibraram o programa deles na maneira como acham que é melhor para as circunstâncias domésticas. É o equilíbrio que precisam para estabilizar a economia reduzindo a inflação também com as necessidades sociais, e o papel do fundo é apoiar as autoridades nesse esforço."

Antes, o economista havia elogiado o arcabouço fiscal proposto pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Afirmou que o fundo apoia que os brasileiros estejam pensando na formulação de sua estrutura institucional para política fiscal e que pode compartilhar experiências internacionais se o governo brasileiro achar útil.

"Ficamos favoravelmente impressionados com o que o ajuste fiscal propõe para o médio prazo", disse ele, citando a melhoria no saldo primário. "É ambicioso, mas também é consciente das necessidades sociais do país", afirmou.

A previsão do FMI para os próximos anos do Brasil sem aprovação do arcabouço fiscal no Congresso é de aumento da dívida pública e de retorno ao vermelho, com déficit primário após dois anos de superávit. O fundo prevê que a relação entre a dívida e o PIB aumente para 88,4%, e continue crescendo até atingir 96,2% em 2028, seguindo tendência global. O país também deve voltar a ter déficit primário neste ano, de 2% em relação ao PIB.


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