SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O trabalho de Ricardo Leptich ganhou um volume extra nas últimas semanas. O executivo tem dedicado um tempo precioso para resolver pendências burocráticas a fim de assumir um novo cargo em 1º de julho: presidente da divisão ibérica da multinacional austríaca alemã AMS Osram, especializada em soluções de iluminação.

Desde 2016, Leptich já é presidente da empresa no Brasil e principal executivo de vendas da América Latina. Mas para acumular o cargo de presidente da AMS Osram para Portugal e Espanha, ele precisa providenciar a "apostila de Haia" -a autenticação de documentos públicos para que eles sejam válidos também no exterior.

"É muito trabalhoso", diz Leptich, 44 anos. "Dá saudade do office boy nessas horas", brinca o executivo, que começou nesta função há exatos 28 anos, na mesma empresa, quando ela era apenas Osram (a pronúncia é ósrram).

Desde 1995, quando chegou à multinacional aos 16 anos de idade, até hoje, muita coisa se transformou na companhia e na função de office boy, comemorada no dia 13 de abril no país. O trabalho de office boy ou de office girl, que formalmente ganha o nome de "contínuo", era muito comum nas empresas até o início dos anos 2000 para garantir que a comunicação corporativa fluísse.

Em um tempo em que não existiam (ou estavam engatinhando nas empresas) celular e internet, muito menos aplicativos de mensagem, de vídeo e de assinatura e autenticação de documentos, quem garantia a troca de informações entre os diferentes departamentos de uma companhia eram os "boys", que também executavam toda a parte burocrática da empresa com bancos, cartórios e Correios.

A partir dos números do Guia Brasileiro de Ocupações, compilados pelo MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), constata-se que a função vem perdendo espaço nas empresas, à medida que a digitalização avança. Em 2021 (o último dado disponível), eles somavam cerca de 115 mil no país (pouco mais de um terço mulheres), o que representa uma queda de quase 40% sobre o total de profissionais de 2015. O salário gira em torno de R$ 1,7 mil e os profissionais estão concentrados em São Paulo, mas há também presença relevante em Minas Gerais, Rio e Pará.

A função foi eternizada pelo cantor Kid Vinil (1955-2017), que lançou em 1983 a música "Sou Boy" com a banda Magazine. "Ando pela rua pago conta, pego fila/Vou tirar xerox e batalho algumas pila/Sou boy, eu sou boy, eu sou boy, boy, eu sou boy". Na época, o trabalho estava na base dos organogramas corporativos, sendo a porta de entrada de muitos jovens nas organizações.

"Mas hoje acho que muitas das funções que executei como office boy não fazem mais sentido no dia a dia das empresas", diz Ricardo Leptich que, na ausência da secretária do presidente (sua chefe direta), era o encarregado de servir o principal executivo da companhia, um alemão. "Uma xícara de café com leite e açúcar mascavo, acompanhada de uma garrafinha de água com gás São Lourenço", lembra Leptich. Nas horas vagas, o office boy também era responsável por passear com o rottweiler do presidente pelas ruas de Alphaville, condomínio de Barueri, na Grande São Paulo, onde o chefe morava.

A própria chegada de Leptich à Osram é incomum nos dias atuais, quando se pensa em uma multinacional ou grande empresa.

"Meu pai era engenheiro químico da Osram e indicou três dos seus quatro filhos para trabalhar na companhia", diz Leptich. "Cheguei para ocupar o lugar de um irmão mais velho, que tinha sido promovido para o departamento de tecnologia", afirma o executivo, garantindo que o aparente nepotismo não o livrou de uma entrevista de admissão na empresa, que na época tinha sede em Osasco, na Grande São Paulo.

"Havia uma certa expectativa, porque o irmão que eu substituí era muito querido na função", diz. "Mas eu praticamente não tinha contato com o meu pai, que trabalhava na parte industrial e eu na administrativa."

Na época, havia dois office boys na Osram: um para cuidar das demandas internas da empresa (função de Leptich) e outro da parte externa. "Existia uma máquina de franquear cartas: eu pesava a correspondência, definia o valor, ajustava a data da expedição e selava a carta. Os Correios faziam a coleta e a distribuição", diz ele. "Era como uma filial dos Correios dentro da empresa."

Na ausência de emails e chats, o que funcionava eram os malotes. "Era o carrinho de correspondências, eu entregava a comunicação de um departamento para o outro duas vezes ao dia", afirma. "Todas as assinaturas e trocas de documentos eram feitas de forma manual".

Nos quase dois anos em que trabalhou como office boy, Leptich teve uma visão macro da companhia, que na época empregava cerca de 1.500 pessoas. "O departamento que eu mais gostava era o do marketing, de ver as ideias deles nas malas diretas e catálogos", diz.

"Pensei que era ali que eu gostaria de trabalhar, queria ser um executivo ou, então, um astro de rock", afirma Leptich, que na época tinha uma banda e aproveitava os conhecimentos em inglês da chefe secretária para ajudá-lo a compor algumas letras. "Até hoje eu toco guitarra e curto Metallica, Black Sabbath, Deep Purple", diz.

A vocação artística ficou em segundo plano, enquanto Leptich deu impulso à carreira corporativa. Deixou o curso técnico em programação que fazia no colegial e prestou vestibular para Propaganda e Marketing. Uma vez na faculdade, soube que o departamento de marketing da Osram procurava um estagiário. Mais do que depressa se candidatou ao cargo.

"Foi uma correria, porque eles precisavam do estagiário com urgência e eu tive que me demitir como office boy, contratado em regime CLT, para ser admitido como estagiário", lembra. "Em toda a minha carreira na Osram, sempre foi assim: eu traçava onde queria chegar, me preparava com todos os atributos para ocupar o cargo e corria atrás", diz ele, para quem a Osram valoriza a meritocracia.

"No mundo corporativo, se preparar e estar atento às oportunidades nem sempre é o suficiente", diz. "É preciso encontrar uma estrutura que te permita chances de ascensão e pessoas que valorizem o seu esforço pessoal. Tive isso na Osram", afirma Leptich que, depois de estagiário, passou pelas áreas de marketing e vendas nos cargos de analista, coordenador, gerente, diretor e finalmente CEO.

Segundo ele, apenas a última promoção -a presidente da AMS Osram para a Península Ibérica- foi por indicação, sem que ele tivesse se candidatado ao cargo. "Foi uma surpresa. Mas acredito que o Brasil e a América Latina têm entregado bons resultados e isso foi valorizado", diz ele, que será o primeiro latino a comandar uma divisão da empresa no exterior.

Hoje a AMS Osram fatura globalmente 4,8 bilhões de euros (R$ 26,05 bilhões) e emprega aproximadamente 22 mil pessoas. Em 2016, a empresa vendeu a sua unidade de consumo, responsável pela iluminação residencial, para o consórcio chinês MLS, que está fazendo a transição da marca Osram para Ledvance.

Em 2021, a austríaca AMS comprou a alemã Osram, dando origem ao maior grupo mundial na área de soluções ópticas. Entre os principais mercados estão o automotivo e o de celulares. Outro grande negócio é o de módulos de LED para fabricantes de luminárias (divisão digital system). A empresa atua ainda nos segmentos de saúde (hospitais e esterilização de ambientes), segurança (pistas de aeroportos) e entretenimento (iluminação das produções cinematográficas e de redes de cinema).

O forte da companhia no Brasil é a divisão automotiva (75% das vendas). "O mercado de veículos usados está em alta, o que exige maior reposição de peças", diz ele. A divisão digital system responde por outros 20% das vendas, enquanto os 5% restantes estão distribuídos nas demais áreas.

O Brasil não tem mais a fábrica de Osasco, palco do primeiro emprego de Leptich. A filial brasileira, agora com sede em Alphaville, apenas importa e distribui produtos e hoje conta com uma equipe bem menor, de 50 funcionários, incluindo terceirizados. "A função de office boy deixou de existir há um bom tempo, temos apenas dois jovens aprendizes agora", diz o executivo, que só vai duas vezes por semana à sede da companhia.

"Depois da pandemia, a AMS Osram instituiu globalmente o trabalho remoto, o pessoal só vem uma vez por semana à empresa", afirma Leptich, que sente muita falta das conversas no café. "Consegui pescar várias ideias para o RH a partir dessas conversas", diz ele, dando como exemplo a licença-paternidade de 20 dias úteis, o dia livre na data do aniversário, além da melhora do pacote de benefícios. "Quando a gente começa de baixo entende melhor o que faz diferença na vida do funcionário."


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