BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O acordo para transações comerciais em câmbio direto entre real e yuan, assinado entre Brasil e China durante visita de empresários brasileiros a Pequim em março, deve consolidar ainda mais a posição da moeda chinesa como a segunda divisa mais importante nas reservas internacionais do Brasil.
De acordo com relatório divulgado pelo Banco Central no último mês, o yuan --que é chamado oficialmente de renminbi-- passou a representar em dezembro do ano passado 5,37% do total da cesta de reservas estrangeiras, desbancando o euro, que tem 4,74% de participação.
O dólar segue como a moeda com a maior fatia dos investimentos das reservas internacionais do Brasil, com participação de 80,42%.
Na avaliação do BC, não houve em 2022 variações significativas na composição da carteira em relação ao fechamento do ano anterior, quando a autoridade monetária buscou maior diversificação na alocação de moedas das reservas internacionais.
Em 2021, a participação do yuan havia subido para 4,99%, percentual quatro vezes acima do alocado um ano antes, de 1,21%. Paralelamente, a representação do dólar recuou 5,69 pontos percentuais na cesta no mesmo período.
Até 2018, a moeda chinesa estava ausente das reservas estrangeiras do país. Essa recente expansão do yuan acompanha o movimento da China para fortalecer seu papel como ator global no comércio internacional, buscando uma maior internacionalização de sua moeda.
Nos próximos anos, a divisa chinesa deve ganhar ainda mais terreno no Brasil depois do acerto para que o ICBC (Banco Industrial e Comercial da China, na sigla em inglês) passe a atuar como banco de compensações do yuan no país, permitindo que empresários brasileiros e chineses possam fazer transações comerciais sem passar pelo dólar.
Para Lívio Ribeiro, pesquisador associado do FGV-Ibre e sócio da consultoria BRCG, o movimento do Banco Central é bem-vindo. "Sem entrar no mérito de essa diversificação ter sido com a aquisição marginal de yuan, faz sentido que você não tenha todas as moedas das reservas internacionais concentradas em uma só --no caso brasileiro, o dólar", afirmou.
"Princípio básico de diversificação de risco. A reserva internacional é um ativo do país, em muitos aspectos funciona como um seguro. Quanto menor for a percepção de risco desse seguro, melhor", argumenta.
Ele lembra que a China é o maior parceiro comercial do país. "A relação China-Brasil nos últimos anos foi muito afetada por questões de governo, numa escolha talvez um pouco cega da administração Jair Bolsonaro de ter um alinhamento com a ideia da relação com a China que a administração [do ex-presidente americano Donald] Trump tinha", diz Ribeiro.
"O Brasil não é os Estados Unidos e ele não pode prescindir de uma relação próxima e que dê frutos com o seu principal parceiro comercial e um dos seus principais parceiros financeiros hoje em dia."
Para o pesquisador, o fortalecimento do yuan também se insere em um contexto de enfraquecimento do euro. "Eu entendo que o renminbi está entrando muito mais num buraco que está sendo aberto por uma conjuntura do euro do que efetivamente se tornando uma reserva de valor que possa ameaçar o dólar", diz.
Paulo Menechelli, cofundador do think tank Observa China, afirma que a tendência é o Banco Central continuar ampliando as reservas de yuan, em meio à redução da participação do dólar nas reservas mundiais. "Essa diminuição da presença de dólar tem sido notada no mundo todo. Já houve uma queda significativa da quantidade de dólar que todos os países do mundo mantêm nas suas reservas", diz.
"Se há uma diminuição da presença de dólar nas reservas do mundo todo, isso é um processo natural que já aconteceu outras vezes e pode, sim, acontecer que aumente a reserva em yuan no Brasil."
"Olhando para a frente, é de esperar que haja um aumento de renminbi na reserva do Brasil, mas nada que seja um risco ou impositivo. Se o Brasil passar a ver desvantagens nisso, a opção do dólar continua sempre lá."
Durante a visita de empresários brasileiros a Pequim, semanas antes da viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a ApexBrasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) informou que "as reduções das restrições ao uso do renminbi buscam promover ainda mais o comércio bilateral e facilitar investimentos".
Questionada em uma entrevista coletiva sobre o acordo anunciado por representantes do governo brasileiro, a porta-voz do ministério de Relações Exteriores do país asiático, Mao Ning, afirmou "que China e Brasil assinaram no início do ano um memorando sobre o estabelecimento de acordos de compensação", segundo relato da CCTV.
"Acreditamos que isso facilitará transações transnacionais entre empresas chinesas e brasileiras e instituições financeiras usando o renminbi, e facilitará o comércio bilateral e investimentos", acrescentou.
A China é a maior parceira comercial do Brasil, sendo destino de cerca de 30% das exportações e origem de aproximadamente 20% das importações. O volume total de transações entre os dois países superou US$ 150 bilhões em 2022.
Na balança comercial, o Brasil teve no ano passado superávit de US$ 28,7 bilhões --sendo US$ 89,4 bilhões em exportações e US$ 60,7 bilhões em importações. Minério de ferro, soja em grão, carne, açúcar e celulose são alguns dos principais produtos exportados para o país asiático, que, por sua vez, vende itens de maior valor agregado.
Em viagem à China, durante a cerimônia de posse da ex-presidente Dilma Rousseff no Banco do Brics (Novo Banco de Desenvolvimento, NDB na sigla em inglês), Lula também defendeu a ampliação do comércio sino-brasileiro em moedas locais para contornar o uso do dólar no comércio internacional.
"Por que não podemos fazer o nosso comércio lastreado na nossa moeda?", perguntou ele, sob aplausos, ao deixar o discurso escrito e improvisar. "Quem é que decidiu que era o dólar? Nós precisamos ter uma moeda que transforme os países numa situação um pouco mais tranquila, porque hoje um país precisa correr atrás de dólar para exportar", disse.
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