BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O engenheiro Jeson Kelman é um dos especialistas mais respeitados do setor de energia e conhece os riscos dos dois lados do balcão -foi presidente da Light e diretor-geral da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). Na sua avaliação, se os advogados da Light viram na RJ (recuperação judicial) a maneira de proteger o caixa da distribuidora, esse é o caminho.

"Não podem permitir um colapso do serviço público", afirma Kelman.

Uma lei impede que a própria distribuidora faça o pedido de RJ, e a holding do grupo assumiu o pedido nesta sexta-feira (12), suscitando discussões sobre o efeito da alternativa para o marco legal do setor.

"Quando a própria Light pede a RJ, via holding, é uma ação preventiva", afirma Kelman.

"Esse é um indicativo de que a holding é uma espécie de fiadora da distribuidora. No fundo, isso é uma tentativa de proteger o caixa da distribuidora. É isso ou uma intervenção da Aneel. Sem proteção, os credores atacariam o caixa", diz.



PERGUNTA - O que está ocorrendo com a Light?

JESON KELMAN - Há hoje um pano de fundo ruim para as distribuidoras de maneira geral, com um certo frenesi com o mercado livre e a GD [geração distribuída, especialmente energia solar], que diminui os custos para alguns consumidores, mas aumento para maioria do mercado cativo [onde estão grande parte das residências e pequenos comércios], o que também aumenta a inadimplência. Temos esse problema generalizado, que estica a corta para as distribuidoras no país.

P. - Uma das prejudicadas é a Light, então?

JK - Começam a pipocar problemas nas mais frágeis. A Light, junto com a distribuidora do Amazonas, são as mais frágeis, pelos problemas que a gente já conhece, perdas não técnicas [furto de energia, por exemplo]. Mas foi a queda de braço entre credores, acionistas, administradores, acionistas e a população em geral que levou ao pedido de recuperação judicial feito pela holding.

Tem uma lei impedindo distribuidora de pedir recuperação judicial. Essa lei, de 2012, é da época do Grupo Rede. A holding do grupo Rede entrou em RJ, e as concessionárias, debaixo da holding eram saudáveis. A preocupação, então, era que o problema da holding não prejudicasse a operação das empresas. A distribuidora é a porta de entrada do sistema elétrico, então, [tem] a ideia de ela não poder pedir RJ. Busca proteger o setor, que é todo interligado, de um efeito sistêmico.

Aqui está ocorrendo o contrário. A dívida está na concessionária, e a holding tenta evitar uma situação de extrema gravidade.

P. - Como o problema poderia evoluir?

JK - O pânico no caso da Light foi se instalando depois da contratação da Laplace [empresa de reestruturação] e com a contaminação do caso das Lojas Americanas. A Light, então, buscou proteção de uma liminar, que estabelecia uma negociação entre a companhia e os seus credores, e dava 30 dias para que as partes tentassem chegar a uma solução. A liminar poderia ser neutralizada, o que seria catastrófico.

P. - O que se conta no mercado é que alguns credores estavam muito empenhados em tentar derrubar a cautelar.

JK - Poderia haver uma corrida ao caixa da distribuidora e ela ficaria sem condição de operar. Quando a própria Light pede a RJ, via holding, é uma ação preventiva. No fundo, isso é uma tentativa de proteger o caixa da distribuidora. É isso ou uma intervenção da Aneel. É claro que tem um monte de coisa ruim aí. Você precisa proteger a distribuidora, mas isso também é ruim, sob o ponto vista do mercado de capitais. Não é bom para o país uma situação que sugere risco de perdas para credores.

Alguns especialistas viram na medida, do jeito que foi feita, uma manobra que fere a lei. Nem os administradores da Light, nem os da Aneel poderiam deixar que o caixa da distribuidora fosse atacado. Eles têm de buscar alguma saída. Se os advogados entenderam que havia uma chance disso acontecer, responsavelmente, a Light precisava agir para proteger o caixa da distribuidora. E a Aneel precisa ter a mesma preocupação. Não podem permitir um colapso do serviço público.

Há quem diga que a situação da Light foi agravada porque o Ministério de Minas e Energia demora em apresentar as regras para uma eventual renovação das concessões. A concessão da Light vence em 2024, junto com um grupo que 20 concessões, e a renovação e seus parâmetros são vitais para os credores negociarem a dívida. Sim. A demora atrapalha. Se a decisão for de não renovar, é melhor fazer a intervenção logo.

P. - O ministro Alexandre Silveira [Minas e Energia] fez críticas ao modo que a Light conduziu a negociação. Eu também tenho críticas. Em algumas gestões, ela trabalhou para aumentar a receita, mas não o recebimento. Como é isso?

JK - Estimulou as equipes terceirizadas para fazer o que se chama de TOI, multar regressivamente -cobrar para trás- quem furtava energia. Alguns abusos foram feitos, o que levou a uma enxurrada de processos judiciais. Não adianta elevar faturamento e pagar mais ICMS emitindo fatura, se você não vai receber. Ou seja, a Light pecou no passado, mas não é por causa disso que ela está nessa situação hoje.

A Light, o serviço de barcas, a Supervia... os serviços públicos no Rio estão sendo prejudicados pelo ambiente. O ministério precisa resolver logo o marco legal, para que as distribuidoras não fiquem tão fragilizadas e decidir logo as condições para as renovações das distribuidoras. Se a decisão for não renovar a Light, me parece que o melhor é o governo fazer logo a intervenção. Eu sou favorável à renovação. O governo federal precisa olhar para frente e dar uma arrumada no setor elétrico, mas precisa também ter envolvimento do estado do Rio nesse assunto.

P. - Qual seria o papel do estado do Rio de Janeiro?

JK - A Light não consegue receber pela energia em muitos locais. As perdas estão nessas áreas. É preciso de repressão mais dura. Nem estou falando nas áreas de milícia, mas nas áreas onde ela consegue entrar o furto também é alto. É preciso começar a botar algumas pessoas na cadeia por furto de energia.

RAIO-X,

Jerson Kelman, 75

Engenheiro civil, mestre em Hidráulica e doutor em Hidrologia e Recursos Hídricos, pela Universidade do Colorado. Foi o primeiro dirigente da ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico). Também comandou a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e os grupos Light, Enersul e Sabesp. É professor aposentado da Coppe-UFRJ e autor dos livros "Cheias e Aproveitamentos Hidroelétricos" (1987) e "Desafios do Regulador" (2009)


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