BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Promessa de diferentes administrações que governaram o Brasil nas últimas décadas, a reforma tributária entra em um período de negociações decisivo na Câmara dos Deputados com a apresentação, nesta terça-feira (6), do relatório do GT (grupo de trabalho) com as diretrizes da proposta.

O documento elaborado pelo relator, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), vai indicar as linhas gerais e os pontos que puderam ser alvo de consenso após meses de discussões. Mas o texto da PEC (proposta de emenda à Constituição) para votação em plenário ainda depende de novas conversas para se materializar.

Um dos principais pontos de impasse é a convalidação de benefícios fiscais já concedidos por estados e municípios e que têm validade assegurada até 2032.

Em meio à guerra fiscal dos últimos anos, muitos governadores e prefeitos concederam incentivos vultosos via ICMS e ISS, que perderiam efeito em um sistema de tributação unificada como se pretende com a reforma.

No Congresso, há uma avaliação de que é preciso dar segurança jurídica às empresas contempladas, uma vez que contratos foram firmados na expectativa de obter esses benefícios. O próprio Legislativo assegurou a prorrogação desses incentivos em uma lei complementar de 2021.

Os incentivos, porém, não são necessariamente simétricos entre estados e municípios. Uns concederam mais e outros, menos.

O tema é considerado extremamente sensível. Alguns governadores inclusive condicionam seu apoio à reforma a uma resolução do problema dos benefícios fiscais. Outros temem acabar arcando com uma fatura de benefícios concedidos por outros estados.

Dentro do governo federal, a avaliação é que a questão "terá de ser resolvida", mas ainda está longe de um desfecho.

Segundo diferentes interlocutores, esse é um tema que será decidido nas negociações políticas das próximas semanas. Uma das possibilidades é usar recursos do FDR (Fundo de Desenvolvimento Regional), a ser criado na reforma, para arcar com os benefícios convalidados. No Congresso, há a avaliação de que a União precisará injetar recursos para transpor esse obstáculo.

O texto final ainda deve ser alvo de negociações nas próximas semanas. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tem sinalizado a intenção de colocá-lo em votação antes do recesso parlamentar, que se inicia em 18 de julho. Mas ele mesmo já adotou uma espécie de vacina e disse que não tem como garantir sua aprovação.

Aguinaldo Ribeiro tem dito que o relatório do GT não será uma representação de convicções pessoais ou do governo, mas sim uma tentativa de conciliar diferentes visões e ampliar suas chances de aprovação.

A tendência é que o documento indique a unificação dos diferentes tributos sobre consumo cobrados por União, estados e municípios em um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) dual. O sistema dual significa que uma parcela da alíquota será administrada pelo governo federal, e a outra, por estados e municípios.

A cobrança do tributo será realizada onde ocorre o consumo (destino), em substituição ao modelo atual de incidência no local de produção (origem). Haverá um período de transição até que haja a migração completa para o novo modelo.

O Ministério da Fazenda tinha preferência por um IVA nacional, para alcançar maior simplificação do sistema, mas sempre deixou a porta aberta para a negociação de um IVA dual se isso representasse maior apoio político à proposta ?o que é justamente o caso. Governadores e prefeitos são veementes na defesa da manutenção de sua autonomia na gestão tributária.

Após décadas de tentativas fracassadas de reforma e de convivência com um sistema tido como "falido", a avaliação da equipe econômica é de que a melhor reforma tributária é a que for possível. O relatório com as diretrizes da reforma deve ser produto dessas composições políticas.

Em outro arranjo para tentar atrair maior apoio à proposta, o relatório do grupo de trabalho deve indicar a fixação de uma alíquota padrão e de alíquotas reduzidas para setores específicos, como saúde, educação e transporte coletivo. Há tratativas também para contemplar setores do agro e alguns alimentos.

"Estamos discutindo. São setores de ponta, produtos, atividades como saúde, educação, quais produtos agro ou de alimentação. São essas questões que nós vamos debater", disse na quarta-feira (31) o coordenador do GT, deputado Reginaldo Lopes (PT-MG).

O grupo ainda não bateu o martelo sobre o número de alíquotas, mas uma das possibilidades é que sejam três: a padrão, uma reduzida e a alíquota zero. Os valores ainda dependeriam de regulamentação por lei complementar.

A discussão em torno do número de alíquotas está relacionada a uma divergência entre os congressistas e a Fazenda sobre como evitar um aumento da tributação sobre os produtos da cesta básica, hoje desonerados ou com menor carga.

O governo defende o chamado "cashback", termo em inglês que representa a devolução do tributo pago em dinheiro para o consumidor. O secretário extraordinário da reforma tributária, Bernard Appy, já disse que o repasse poderia ser feito mediante desconto na próxima compra ou em crédito no cartão de programas sociais.

Parlamentares, porém, têm demonstrado preocupação com o modelo, pois entendem que sua implementação é complexa. Além disso, há críticas ao fato de que, para obter o cashback, mesmo as famílias mais vulneráveis precisariam antes pagar o tributo.

"O Brasil seria o único lugar em que o pobre vai ter que ter capital de giro", critica o deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE), ex-secretário de Fazenda do Ceará e um dos membros do grupo de trabalho.

As diretrizes da reforma também devem incluir um tratamento diferenciado para o setor financeiro e de seguros. Há ainda demanda por um regime específico para a construção civil.

A transposição desses acordos para o texto constitucional, porém, é um ponto delicado. Segundo técnicos, uma expressão equivocada pode virar terreno fértil para judicialização no futuro ?tudo que se quer evitar com um sistema novo e mais simples. Por isso, já está em curso um trabalho cuidadoso de analisar quais termos podem ser utilizados para dar segurança jurídica aos setores beneficiados por algum tipo de tratamento ou alíquota reduzida.

Outro ponto do relatório será a criação de um imposto seletivo, que não tem necessariamente uma finalidade arrecadatória e é aplicado sobre bens e serviços cujo consumo o governo pretende desestimular (como cigarros e bebidas alcoólicas).

O Simples Nacional, regime simplificado de recolhimento de tributos para micro e pequenas empresas, será mantido, mas as companhias terão maior flexibilidade para aderir ou não ao novo sistema do IVA ?o que pode ser vantajoso para quem fornece bens ou serviços para outras empresas.

Num sistema de IVA, o recolhimento do tributo é feito sobre o preço da mercadoria, descontados os custos de produção. Isso significa que, no novo modelo, uma micro e pequena empresa que forneça insumos a outras companhias vai gerar créditos que seu cliente poderá usar para abater impostos.

No sistema atual do Simples Nacional, essa empresa não gera créditos tributários para seus clientes, o que pode ser visto como uma desvantagem competitiva. Não há diferença apenas quando a venda é feita diretamente ao consumidor final.

Há impasse ainda, porém, envolvendo a Zona Franca de Manaus. Já há a decisão de manter benefícios para a região, cuja economia é bastante dependente do polo industrial. As possibilidades, porém, ainda estão em análise.


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