BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) avançou mais uma casa na aprovação do novo arcabouço fiscal, consolidando a vitória política obtida primeiro na Câmara dos Deputados. O texto-base foi aprovado nesta quarta-feira (21) no plenário do Senado por 57 votos a 17.
O placar expressivo mostra, mais uma vez, uma ampla folga em relação ao mínimo de 41 votos que o governo precisava reunir no Senado -um feito relevante para um governo que enfrenta dificuldades para consolidar uma base de apoio no Congresso Nacional. A vantagem já havia ocorrido na Câmara, quando a regra fiscal recebeu o apoio de 372 deputados (ante um quórum mínimo de 257).
O apoio à proposta carrega também um simbolismo ao ocorrer no mesmo dia em que o Banco Central divulgou sua nova decisão de juros, mantendo a Selic em 13,75% ao ano. Diferentes parlamentares têm reforçado o coro do governo pedindo um alívio do BC via corte de juros, e a aposta é que o avanço do arcabouço reduza incertezas e crie um ambiente propício para isso.
A validação do texto ocorreu mediante flexibilizações. O relator, senador Omar Aziz (PSD-AM), ampliou a lista de despesas que ficarão fora do limite de gastos, contemplando o Fundeb (Fundo de Manutenção da Educação Básica), o FCDF (Fundo Constitucional do Distrito Federal) e as despesas com ciência e tecnologia. Por causa das mudanças, o projeto precisará passar novamente pela Câmara antes de seguir para sanção presidencial.
Dos três itens excluídos do arcabouço, dois (Fundeb e FCDF) já estavam livres da limitação na proposta original do governo. A Câmara havia optado por um aperto na regra, mas a configuração atual traz conforto à equipe do ministro Fernando Haddad (Fazenda).
No caso das despesas com ciência e tecnologia, a proposta partiu de uma emenda do senador Renan Calheiros (MDB-AL), e sua aprovação contrariou o governo ao abrir a porteira para que outros grupos peçam tratamento diferenciado. A expectativa é que o dispositivo seja derrubado na Câmara, comandada por Arthur Lira (PP-AL).
O plenário do Senado ainda precisa apreciar os destaques (sugestões de mudança no texto), mas o saldo final é favorável para Haddad. O ministro envolveu-se diretamente nas articulações políticas e conseguiu não só manter a espinha dorsal do arcabouço desenhado pela Fazenda, mas também venceu prognósticos pessimistas de que a votação no Senado teria de ser adiada para as próximas semanas.
Lira promete pautar o arcabouço na Câmara no início de julho. Se isso se confirmar, o governo terá uma de suas principais agendas econômicas aprovada bem antes de 31 de agosto, prazo original para o governo dar o passo inicial e enviar a proposta ao Congresso.
A equipe econômica espera que o avanço da nova regra fiscal contribua para reduzir as incertezas do mercado financeiro em relação ao futuro das contas públicas, embora ainda haja desconfiança quanto à execução da nova regra, excessivamente dependente de novas receitas.
Para cumprir as metas fiscais, economistas projetam que o Executivo precisa arranjar ao menos R$ 100 bilhões em arrecadação extra apenas para 2024.
Após a aprovação definitiva, o novo arcabouço fiscal vai substituir o atual teto de gastos, que permite o crescimento das despesas apenas pela inflação e ainda está em vigor, embora tenha sido driblado nos últimos anos.
O novo marco combina metas de resultado primário (obtido a partir da diferença entre receitas e despesas) com um limite de crescimento para gastos mais flexível do que o do teto. Os princípios foram defendidos por Haddad e sua equipe a despeito de resistências dentro do próprio PT. Uma ala do partido queria uma regra fiscal mais branda, ancorada apenas na meta de primário, mas foi voto vencido.
Pela regra aprovada, o crescimento real do limite de gasto do ano seguinte deve equivaler a 70% da variação da receita em 12 meses acumulados até junho do ano anterior, já descontada a inflação, desde que respeitado o intervalo de 0,6% a 2,5%. Na prática, esses são o piso e o teto de avanço das despesas, independentemente do quadro econômico do país.
Além disso, o governo precisa cumprir uma meta de resultado primário. O objetivo é buscar um déficit de 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano e alcançar superávit de 1% do PIB em 2026 -metas tidas como ambiciosas por economistas de mercado, que ainda veem com cautela a capacidade da Fazenda de honrar esses compromissos.
Pela regra, caso a meta seja descumprida, a proporção de alta das despesas em relação à arrecadação cai a 50%, até a retomada da trajetória de resultados dentro do esperado.
Embora tenha preservado os pilares centrais da regra, o Senado rejeitou apelos de uma ala do governo para mudar a fórmula da inflação usada para corrigir o limite de despesas .
O governo propôs originalmente atualizar o novo teto pelo índice de janeiro a junho do ano anterior, mais a variação estimada entre julho a dezembro do mesmo ano. Essa regra balizou os parâmetros do PLDO (projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2024, enviado em abril.
Durante a votação na Câmara, os deputados preferiram tirar o componente de projeção para evitar que uma inflação superestimada fosse usada para turbinar os gastos do governo. A correção passou a ser feita pelo índice acumulado em 12 meses até junho do ano anterior.
Como a inflação até junho deve ser menor do que a variação até o fim do ano, a ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) já alertou que a medida deve obrigar o governo a cortar de R$ 32 bilhões a R$ 40 bilhões em despesas de custeio e investimentos na proposta orçamentária a ser enviada em 31 de agosto.
O texto do arcabouço permite que a diferença seja compensada com a abertura de novos créditos ao longo do ano que vem, mas isso não solucionaria o problema político de passar a tesoura nas diversas ações de governo ao apresentar o Orçamento.
Em uma articulação de última hora, o governo conseguiu emplacar a inclusão de um dispositivo que permite incluir as despesas de forma condicionada à aprovação do crédito pelo Legislativo -o que evita o corte nas despesas no envio do Orçamento, mas manteria o poder de barganha dos parlamentares.
Para sacramentar a negociação, diversos membros do governo foram para o plenário do Senado, incluindo os ministros Simone Tebet e Waldez Góes (Desenvolvimento Regional). Não há, porém, garantia de que o trecho será mantido pela Câmara.
Por outro lado, o Senado manteve o dispositivo que autoriza o governo a usar o aumento da arrecadação em 2024 para abrir espaço para mais gastos no ano que vem.
A proposta de LOA (Lei Orçamentária Anual) de 2024 será elaborada sob a regra dos 70% da alta das receitas em 12 meses até junho de 2023, mas o governo poderá fazer um ajuste no ano que vem, com base na expectativa de crescimento real das receitas em 2024.
O texto autoriza o governo a calcular, em maio de 2024 (quando o governo divulga a segunda avaliação bimestral do Orçamento), uma estimativa de alta real da arrecadação em relação a 2023 e aplicar a proporção de 70%. Se isso resultar num número maior do que o que corrigiu o limite de gastos, a equipe econômica poderá abrir novos créditos em valor equivalente.
O Senado também manteve os gatilhos automáticos para ajustar as despesas em caso de estouro da meta de primário. Entre as medidas estão a proibição de concursos públicos e de aumentos para servidores.
A política de valorização do salário mínimo, porém, ficará blindada desses mecanismos, a pedido de Lula.
O texto ainda obriga o governo a contingenciar despesas, caso haja frustração de receitas ou aumento de outros gastos que ameace o cumprimento da meta fiscal no exercício. Esta seria uma medida prudencial adotada pelo gestor para tentar evitar o estouro da meta.
Inicialmente, o governo queria que a adoção dessa providência fosse opcional, numa flexibilização em relação ao que manda a versão atual da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal). O Congresso não aceitou essa proposta e restabeleceu o contingenciamento, mas estipulou um limite de 25% do valor previsto no Orçamento para as despesas discricionárias --que incluem custeio e investimentos.
A proposta determina que o contingenciamento precisa ser proporcional entre as diferentes rubricas. Na prática, isso evita que o aperto recaia apenas sobre os investimentos, como já ocorreu no passado.
TRAMITAÇÃO
**O que acontece agora, com a aprovação do texto-base pelo Senado?**
O Senado ainda precisa concluir a votação dos destaques (sugestões de mudanças no texto).
Após essa etapa, e como já houve alterações, o projeto precisa retornar à Câmara dos Deputados, que tem a palavra final sobre o projeto. Os deputados podem acatar as mudanças dos senadores ou restituir o texto originalmente aprovado na Câmara. Após a nova votação, o projeto é remetido à sanção do presidente da República.
**O que é preciso para a proposta ser aprovada no Congresso?**
Projetos de lei complementar exigem maioria absoluta de votos favoráveis, isto é, mais da metade dos integrantes de cada Casa. Isso significa ao menos 257 votos na Câmara e 41 votos no Senado.
**Depois de aprovada pelo Congresso, o que acontece com a proposta?**
O chefe do Executivo tem 15 dias úteis para sancionar o projeto integral ou com vetos parciais em alguns dispositivos, ou ainda vetá-lo totalmente. Todos os vetos passam por posterior validação do Congresso, que pode derrubá-los mediante maioria absoluta de deputados (257) e senadores (41).
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