SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A proposta de criar um órgão público que administre o imposto sobre bens e serviços destinado a estados e municípios na reforma tributária se tornou um novo entrave à aprovação do texto que tramita na Câmara.
Embora ainda não haja um modelo definido para o órgão, estudos apontam que estados mais ricos e grandes municípios terão poder limitado nessa instituição, caso o voto de cada região obedeça critérios populacionais.
Alguns estados, como São Paulo, Pará e Goiás, se opõem à criação do Conselho Federativo do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), imposto que irá substituir o ICMS estadual e o ISS municipal. Esses são os dois principais tributos para esses entes da Federação em termos de arrecadação.
Na segunda-feira (26), o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), disse que o "tal conselho federativo" representa a retirada de autonomia dos estados, que "não podem topar isso".
Uma das sugestões apresentadas por alguns governadores é uma câmara de compensação sem poder de gestão, alternativa rejeitada em outros países que lidaram com o mesmo problema.
Pela proposta atual, o conselho terá poderes que vão além de arrecadar o novo tributo, efetuar compensações e distribuir o resultado aos estados e municípios. A instituição poderá editar normas infralegais, de observância obrigatória por todos os entes que o integram, e uniformizar a interpretação e a aplicação da legislação do imposto, além de cuidar do contencioso administrativo com os contribuintes.
Esse modelo segue o que estava na proposta de reforma do Senado e que foi parcialmente incorporada ao texto da Câmara.
Depois de aprovada a reforma tributária no nível constitucional, será necessária uma lei complementar para detalhar o funcionamento do órgão, que terá um conselho de administração e uma diretoria técnica.
Uma nota técnica do CCiF (Centro de Cidadania Fiscal) sugere um conselho de administração com nove membros e mudança de um terço deles a cada ano. Para serem eleitos, precisam superar 25% dos votos, percentual que não seria alcançado pelos estados de nenhuma região do país isoladamente.
"Nenhum estado ou município, nem São Paulo, que é o mais populoso, conseguiria eleger sozinho um membro do conselho de administração. Todos vão precisar compor para escolher os melhores quadros. Haja poder de negociação e de busca de consenso", disse o diretor do CCiF e ex-ministro Nelson Machado ao apresentar a proposta durante reunião do Grupo de Trabalho IVA no século 21, do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas.
Segundo Carlos Ari Sundfeld, professor da FGV Direito SP, o órgão segue a mesma lógica de um consórcio empresarial, no qual se busca unir esforços, mas evitar que um sócio exerça uma dominação pelos demais.
A ideia é criar uma entidade pública, mas que não faça parte de nenhuma administração pública --nem federal, nem estadual, nem municipal-- um modelo que não é uma novidade no país.
"A Ordem dos Advogados do Brasil é exatamente isso, uma entidade pública, de direito público, que exerce poderes públicos, e ela não faz parte da União, não faz parte dos estados, não faz parte dos municípios", afirmou Sundfeld durante o mesmo evento.
Ele afirma que é importante não "inflacionar" o texto constitucional com todos os detalhes sobre o funcionamento do órgão, pois muitas questões terão de ser adaptadas a partir do seu funcionamento.
"É mais ou menos como casar. Você negocia as condições mínimas. Dali em diante vai fazer negociações sucessivas. Se quiser fazer todas as normas antes de casar, para ter segurança absoluta do que vai acontecer, aí você não casa", afirma. "Estamos tratando de um casamento. Só que é poliamor, algo muito mais complexo."
Ele diz não ver inconstitucionalidade na proposta, e cita a solução dada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) ao tratar da questão da necessidade de coordenação dos entes públicos na prestação de serviços de saneamento.
Melina Rocha, diretora de Cursos da York University (Canadá) e membro do grupo da FGV, afirma que a mudança na regra de tributação do local de produção para o de destino torna necessária essa integração. Caso contrário, a empresa terá de se inscrever para recolher tributos em todos os estados e em mais de 5.500 municípios.
Em países como Canadá e Índia, que também possuem tributos subnacionais nesse modelo, a operação entre diferentes regiões é feita pelo governo central, algo que é rejeitado por governadores e prefeitos no Brasil.
Melina afirma ser impossível implementar uma câmara de compensação envolvendo 5.570 municípios e diz que esse mecanismo já foi discutido e descartado por outros países nas últimas décadas. "Essas propostas de câmara de compensação no nível internacional já foram rechaçadas há muito tempo."
O advogado e professor da PUC-RS Paulo Caliendo, que também é conselheiro da CNM (Confederação Nacional dos Municípios), afirma não ver nenhuma ofensa ao federalismo e diz que outros países, como Portugal e Alemanha, estabelecem a repartição de competências entre alguns entes. Em nenhum desses países, no entanto, há algo semelhante ao Conselho do IBS, pois o Brasil estabeleceu os municípios como entes federados.
"Esse conselho tem uma natureza muito específica e inovadora no nosso sistema e também na experiência internacional. Não há paralelo. O conselho é peça chave para adoção de um IBS. Fora dele, dificilmente teremos um mecanismo adequado."
O novo texto trouxe poucas alterações em relação à proposta do Senado. Entre as novidades estão a reserva dos cargos de administração tributária e procuradoria a servidores dessas carreiras de estados e municípios.
Outra mudança é o comando constitucional para que o conselho e a administração tributária da União atuem para harmonizar normas, interpretações e procedimentos relativos aos dois tributos sobre bens e serviços.
Pela proposta atual, cuja votação está prevista para o início de julho, PIS e Cofins (tributos federais) virariam a chamada CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), de responsabilidade da Receita Federal. O IPI (também federal) se tornaria um Imposto Seletivo. O IBS seria a fusão de ICMS com ISS, sendo administrado por Conselho Federativo formado por estados, Distrito Federal e municípios.
A versão da reforma apresentada na semana passada prevê que os tributos federais criados pela proposta ficam sob responsabilidade da Receita Federal, enquanto o IBS será gerido pelo conselho federativo, sem a participação da União.
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