BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O adiamento de dívidas judiciais da União, aprovado em 2021 por meio da PEC (proposta de emenda à Constituição) dos Precatórios, pode gerar uma bomba fiscal de até R$ 199,9 bilhões a ser paga em 2027, alerta o Tesouro Nacional.
O baque sobre as contas é tão grande que o próprio órgão assume que "haverá excepcionalização futura dessa despesa do limite de gastos a partir de 2027". Na prática, o Tesouro sugere excluir os precatórios do novo arcabouço fiscal, o que demandaria a aprovação de uma nova emenda à Constituição.
Sem alterações, o problema aparecerá já em 2026, ano eleitoral, quando o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tiver de apresentar sua proposta de Orçamento para o ano seguinte, indicando como essa fatura será paga.
"Caso não haja mudança nas regras atuais, o pagamento desse passivo deverá novamente se submeter ao limite de despesas, comprimindo o espaço para a execução das despesas discricionárias", afirma o Tesouro no Relatório de Projeções Fiscais do 1º semestre de 2023.
Aprovada em 2021, a PEC dos Precatórios foi a saída costurada pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) para conseguir honrar benefícios previdenciários, irrigar emendas parlamentares e ampliar os gastos sociais em 2022, ano eleitoral, sem esbarrar nas travas do teto de gastos ?regra fiscal que limita o crescimento das despesas à inflação e que foi alterada sucessivas vezes na administração passada.
Uma das medidas centrais da proposta era o parcelamento dos precatórios, viabilizado por meio da criação de um limite anual para o pagamento desses débitos, válido até 2026. O valor excedente seria postergado para o ano seguinte, criando uma espécie de fila desses títulos.
À época da proposta, o então ministro Paulo Guedes (Economia) disse que o governo precisava se defender do "meteoro" de R$ 89 bilhões em precatórios previstos para 2022, o que ameaçava a continuidade de políticas públicas. A fatura dessas dívidas quase dobrou em relação a 2021.
Já especialistas de fora do governo foram taxativos ao classificar a iniciativa de "PEC do Calote", dado que os valores devidos são incontroversos, ou seja, ao governo federal cabe apenas pagá-los conforme determinado pelas autoridades judiciárias.
Em 2022, primeiro ano de vigência da regra, o governo adiou R$ 21,9 bilhões em dívidas judiciais não pagas, e as estimativas do Tesouro indicam o risco de isso se tornar uma bola de neve.
A aposta do governo para evitar esse desfecho era o chamado encontro de contas, no qual os credores da União poderiam usar os precatórios como uma espécie de moeda de troca para abater dívidas tributárias ou fazer lances em leilões de concessão ou privatização.
As modalidades de acordo foram previstas na emenda constitucional, mas não decolaram em meio à insegurança jurídica alegada pelo governo Lula para aceitar esses créditos. O uso dos precatórios em concessões, por exemplo, foi suspenso pela AGU (Advocacia-Geral da União), que recomendou aos órgãos da administração pública federal aguardar a pacificação do tema.
Sem sinais concretos de avanço nas negociações, a estimativa do Tesouro sobre o tamanho do esqueleto dos precatórios desconsidera as opções de redução do passivo, como encontro de contas ou acordos de pagamento antecipado com desconto de 40%.
Trata-se de uma demonstração de cautela ou até ceticismo quanto à possibilidade de esses instrumentos ajudarem a resolver o problema. O relatório anterior do órgão assumia que, entre 2023 e 2026, 18% desse estoque seria pago por acordo com descontos e 23% seriam usados para quitação de débitos ou outorgas.
Nas projeções do Tesouro, a regularização do passivo mediante o pagamento aos credores deve provocar um impacto significativo nas contas. A fatura equivale a 1,4% do PIB (Produto Interno Bruto).
Mesmo com uma trajetória fiscal mais benigna, em que o ministro Fernando Haddad (Fazenda) seja bem-sucedido em seu plano para impulsionar a arrecadação, a quitação dos precatórios deve provocar um déficit de 1,1% do PIB em 2027. Em um cenário mais pessimista, sem receitas extras, o rombo poderia chegar a 2% do PIB.
Uma possibilidade seria usar eventual excedente em relação às metas fiscais dos próximos anos para abater parte do passivo, mas isso depende de um bom desempenho das receitas do governo.
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