BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Líderes da Câmara dos Deputados planejam tirar a taxação de empresas ou fundos offshore (fora do país) da MP (medida provisória) que trata do salário mínimo, impondo um revés ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e ao ministro Fernando Haddad (Fazenda).
O líder da União Brasil na Câmara, Elmar Nascimento (BA), diz que é preciso discutir primeiro o arcabouço fiscal e a Reforma Tributária antes de tratar do que ele considera ser uma elevação da carga tributária. "Não vamos votar aumento de imposto", disse.
Além dele, outros líderes ouvidos reservadamente pela reportagem também defendem a retirada da tributação das offshores. Já uma segunda ala prefere adotar postura mais cautelosa, dizendo que é preciso "rediscutir o texto", mas sem cravar que a taxação deve cair.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tem poder regimental para derrubar esse trecho da proposta em uma canetada, uma decisão "de ofício" no jargão técnico. Ainda não está acordado se essa será a saída adotada. Outra possibilidade é votar uma emenda supressiva no plenário.
A retirada do tema da medida provisória vai impor ao menos um atraso na aprovação de uma proposta considerada essencial para a equipe econômica conseguir alcançar suas metas fiscais e melhorar a isonomia tributária no Brasil.
A tributação das offshores foi o epicentro do atrito entre Haddad e Lira. Como mostrou a Folha de S.Paulo, os dois tiveram uma conversa tensa sobre o tema no telefone na sexta-feira (11).
Uma das reclamações de Lira foi a inclusão da medida na MP do salário mínimo sem prévio acerto com os líderes. O governo fez isso para tentar acelerar o avanço da iniciativa, mas os parlamentares e o próprio presidente da Câmara se disseram pegos de surpresa. Há também resistências ao mérito da medida, que pode ampliar a tributação sobre a alta renda.
Após o diálogo, o ministro da Fazenda deu a declaração sobre o "poder muito grande" da Câmara, que contribuiu para azedar ainda mais o clima, embora o ministro tenha feito uma retratação pública na segunda (14).
Diante desse contexto, parte dos parlamentares defende o envio de um projeto de lei pelo governo para que o tema seja debatido sem um prazo limite para colocar pressão sobre o Congresso. A MP do salário mínimo precisa ser votada até 28 de agosto para não perder validade.
Haddad, por sua vez, tem buscado diálogo com os congressistas na tentativa de manter a medida de pé. A taxação das offshores foi apresentada como medida de compensação à correção da tabela do IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física), que gerou uma renúncia de R$ 3,2 bilhões em receitas neste ano. Trata-se de uma exigência da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal).
"A compensação faz parte. Não consigo separar uma coisa da outra", disse o ministro da Fazenda, após sair de uma reunião com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) para discutir o despacho da MP para votação no plenário da Câmara.
Caso o Congresso não aprove a tributação das offshores, a equipe econômica precisaria lançar mão de outra medida de compensação para permitir que Lula sancione a correção da tabela do IRPF. Segundo interlocutores, o governo chegou a cogitar, em abril, atualizar os valores sem compensação, mas foi desencorajado pela área jurídica.
"Eu não tenho outra compensação para mandar. Mandei aquela que estava à mão", acrescentou o ministro. Ele disse que vai ligar para Lira para discutir o tema e colocar os técnicos da Fazenda à disposição da Câmara.
O Congresso, porém, não vai concordar com essa medida compensatória, disse Elmar Nascimento. Para ele, o governo terá de buscar alternativas.
Haddad foi ao encontro de Pacheco porque, segundo relatos, o presidente do Senado também tem resistências ao avanço da tributação das offshores.
Pacheco também preside o Congresso Nacional. Como o texto da MP foi aprovado na comissão mista, formada por deputados e senadores, é ele quem assina o despacho da matéria para apreciação pelo plenário da Câmara --o que ainda não tinha ocorrido até a tarde desta terça-feira (15).
Segundo relatos colhidos pela reportagem, havia quem defendesse nos bastidores que Pacheco remetesse à Câmara apenas os trechos que tratassem do salário mínimo e da correção da tabela do IRPF. O trecho sobre a tributação das offshores seria impugnado, ou seja, retirado do texto numa canetada sob a justificativa de "matéria estranha".
A articulação não foi adiante porque havia obstáculos jurídicos. Pacheco pode impugnar trechos de matérias analisadas no Senado ao enviá-las para a Câmara, mas isso não se aplica a medidas apreciadas em comissões mistas, que ele despacha como presidente do Congresso.
Haddad fez um agradecimento público a Pacheco por ter enviado a MP à Câmara. "Eu vim agradecer o fato de que ele remeteu para a Câmara dos Deputados as duas MPs que estavam aqui e que foram reunidas num diploma só. E eu vim agradecer porque trata do salário mínimo e do reajuste da tabela do Imposto de Renda. São dois temas muito importantes", disse.
Ele também defendeu a taxação das offshores. "A tributação dos fundos em paraísos fiscais é a compensação pela atualização da tabela do Imposto de Renda. Toda vez que você atualiza a tabela do Imposto de Renda, você tem uma renúncia fiscal que precisa, por lei, ser compensada", afirmou.
Segundo o ministro, a tributação dos rendimentos dessas empresas ou fundos, sediadas em paraísos fiscais, busca inserir o Brasil em padrões internacionais dos quais o país destoa hoje.
Lideranças afirmam que, na política, não há nada "incontornável", mas ao mesmo tempo o diagnóstico é de que o ambiente é adverso para o avanço dessa medida. Eles reclamam da forma como a operação de fundir as MPs na comissão mista foi conduzida pelo líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), sem que o texto fosse compartilhado.
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