SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Na última semana, o Ibovespa bateu um recorde histórico com 13 quedas consecutivas, registrando a primeira alta do mês somente no pregão desta sexta-feira (18). O cenário frustrou a expectativa do mercado, que ansiava por um corte de juros no Brasil e vinha numa maré de otimismo sobre os ativos de risco.

A sequência de perdas, porém, não deve perdurar. A avaliação de analistas é que o pessimismo dos últimos pregões deve-se muito mais ao cenário externo que a questões locais, e a redução de juros iniciada pelo Copom (Comitê de Política Monetária) neste mês deve impulsionar ativos de risco.

Abaixo, entenda o que levou o Ibovespa a registrar uma sequência recorde de perdas e quais são as projeções para a Bolsa brasileira:

- Investidores realizam lucros após alta recente

As baixas do Ibovespa podem ser atribuídas principalmente a um movimento de realização de lucros, que ocorre quando investidores vendem ações que tiveram forte valorização para efetivar os ganhos com os papéis.

Até o fim de julho, o Ibovespa acumulava alta de 11,12% no ano, chegando a ultrapassar os 122 mil pontos e atingir seu nível mais alto desde agosto de 2021.

O desempenho do índice no ano foi impulsionado pelo otimismo de investidores com a economia doméstica. A aprovação do arcabouço fiscal e da reforma tributária e a elevação da perspectivas do país pelas agências de risco Fitch e S&P Global, além do PIB maior que o esperado no primeiro trimestre, foram alguns dos eventos que deram força à Bolsa brasileira.

Agora, com a pauta econômica parada no Congresso, sem indicadores relevantes e com um ambiente externo desfavorável a ativos de risco, a ideia é que não há espaço para o Ibovespa superar os 123 mil pontos no curto prazo. Por isso, investidores aproveitam o momento para vender seus ativos.

- Mercado 'antecipou' queda da Selic

Alguns analistas apontam, ainda, que a expectativa sobre o início de cortes da Selic pode ter colaborado para as sucessivas quedas do Ibovespa neste mês.

Isso porque uma redução de juros tende a beneficiar a Bolsa, tanto por permitir que as empresas listadas captem recursos com mais facilidade quanto por diminuir a atratividade da renda fixa e, consequentemente, aumentar o apetite pela renda variável.

Os dias que antecederam a última reunião do Copom foram de otimismo no mercado, que já dava como certo um corte de pelo menos 0,25 ponto na Selic. O Copom foi mais agressivo e reduziu a taxa básica de juros em 0,50 ponto, o que alimentou apostas de que o ritmo do afrouxamento da Selic poderia ser acelerado. Projeções de que um corte de 0,75 ponto poderia ser realizado, por exemplo, ganharam força, e as curvas de juros futuros do país refletiram essa tendência.

As expectativas, porém, foram frustradas pela divulgação da ata da reunião, uma semana depois. O documento mostrou que os diretores do comitê concordaram em manter o ritmo de cortes em 0,50 ponto nos próximos encontros, julgando como "pouco provável" um aumento da flexibilização.

Dessa forma, as apostas sobre a Selic também contribuíram para o movimento de realização de lucros deste mês.

- Juros altos no mundo pressionam ativos de risco

A alta de juros global -e o temor de que novos aumentos estejam vindo- também teve forte impacto nos ativos de risco do Brasil.

Nesta semana, as taxas de retorno dos títulos de 10 anos dos Estados Unidos atingiram seu maior nível desde outubro do ano passado, com o aumento do temor entre investidores sobre uma possível nova alta de juros nos Estados Unidos neste ano.

O movimento foi desencadeado pela divulgação da ata da última reunião do Fed (Federal Reserve, o banco central americano), na quarta-feira (16). Segundo o documento, autoridades da instituição ainda apoiam a manutenção do aperto monetário diante da persistência da inflação nos EUA, sinalizando que o alto nível de juros pode continuar por mais tempo que o esperado -ou até aumentar.

A ata fragilizou a aposta predominante do mercado de que o aperto monetário americana já havia chegado ao fim e que o início de corte de juros no país teria início já em janeiro de 2024.

A projeção pesa para ativos de risco globalmente, já que aumenta a atratividade da renda fixa americana, uma das mais seguras do mundo. Se há uma forma de obter altos rendimentos num mercado mais estável, a tendência é que menos investidores se arrisquem na renda variável, o que cria um ambiente de aversão ao risco para esses ativos.

Os Estados Unidos não foram os únicos a aumentar as preocupações sobre juros neste mês. No início de agosto, o Banco da Inglaterra elevou sua taxa de empréstimos para o maior nível em 15 anos e sinalizou que esse patamar deve ser mantido. No Japão, que não aderiu à tendência de aperto monetário global, autoridades já discutem a persistência da inflação.

"Os juros não pararam de subir, a inflação persiste e não há sinal de recessão nesses países. Num cenário como esse, nenhum mercado emergente consegue sair ileso", diz Pedro Serra, chefe de pesquisa da Ativa Investimentos.

O aumento dos rendimentos dos títulos americanos também puxou as curvas de juros futuros de longo prazo no Brasil, que costumam acompanhar as americanas, o que também pressionou ativos locais.

Além disso, apesar do recente corte da Selic, os juros no Brasil permanecem em níveis altos, o que também limita os ganhos do Ibovespa.

- Desaceleração da economia chinesa traz pessimismo global

Outro grande catalisador do pessimismo global nas últimas semanas foi a China, que preocupa investidores pela saúde de sua economia.

Desde pelo menos o segundo trimestre deste ano, o mercado já vinha sinalizando temores sobre a desaceleração da economia chinesa. O PIB do país no período, por exemplo, cresceu 6,3%, bem abaixo da projeção de 7,3%. A avaliação era de que a retomada pós-Covid do país não estava ocorrendo como o planejado.

Em agosto, a situação se agravou após a divulgação de uma série de indicadores negativos sobre a economia do país. Dados sobre inflação, vendas de varejo e produção industrial chineses também decepcionaram e aumentaram o pessimismo global.

Nesta semana, foi a vez da crise imobiliária. Na terça-feira (15), a Country Garden sinalizou que poderia dar um calote no pagamento de dívidas. Nesta sexta (18), a Evergrande, que derrubou ativos de risco globais numa crise em 2021, pediu proteção contra falência nos Estados Unidos. As duas são gigantes do setor de imóveis chinês, um dos pilares do forte crescimento econômico do país.

O desaquecimento da economia chinesa -e a ausência de estímulos à vista- afetam os mercados globalmente, mas o Brasil é especialmente prejudicado. A China é um dos principais parceiros comerciais do país, e a diminuição da demanda pode afetar a balança comercial brasileira.

Além disso, com a fragilização de uma grande compradora de commodities, os preços desses itens registraram forte queda e impactaram a Vale, uma das maiores empresas da Bolsa brasileira, que depende diretamente da variação dos preços do minério de ferro.

Nesse cenário, a Vale, que sempre figura entre as mais negociadas dos pregões brasileiros, acumula queda de 9,2% em agosto.

- Quais as expectativas para os próximos meses?

Apesar do recorde de quedas, a avaliação é que fatores externos pesaram muito mais que o noticiário local. Por isso, a projeção de analistas é de que ainda há espaço para alta do Ibovespa, em especial num provável cenário de queda de juros.

"Ainda temos uma visão positiva, mas nunca é uma linha reta. A mensagem do Banco Central é de que a inflação está cedendo, e ainda há espaço para baixar significativamente os juros. Historicamente, as Bolsas costumam ter bom desempenho em cenários como esse", afirma Serra, da Ativa.

Além disso, o mercado também acompanha a tramitação do arcabouço fiscal no Congresso, que deve ser retomada na próxima semana. A reforma tributária e medidas de arrecadação propostas pelo governo para atingir a meta de déficit em 2024 também devem avançar.


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