SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou que o Ministério de Minas e Energia seria comandado por um mineiro, prefeitos de cidades mineradoras do país ficaram esperançosos.

Os mandatários apostavam que, com um político de Minas Gerais na chefia, a pasta poderia atender a demandas represadas dos municípios que arrecadam com o setor --afinal, o estado é o reduto da mineração brasileira.

Porém, quase nove meses já se passaram desde a posse de Alexandre Silveira (PSD), e os prefeitos dizem não ter visto muita coisa acontecer. Nesta quinta-feira (24), o governo federal publicou no Diário Oficial da União um decreto que altera a distribuição dos royalties da mineração para os municípios impactados pelo setor.

Essas cidades são aquelas que não chegam a ter mineral em seu território, mas abrigam, por exemplo, usinas de beneficiamento e pilhas de rejeitos e estéreis, material removido de uma mina com o objetivo de se desenvolver a lavra e que não é aproveitável economicamente.

Mas, para os prefeitos, o documento veio tarde.

Os chefes dos Executivos municipais pedem a publicação do decreto desde dezembro, quando o então presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou uma lei que altera os critérios de distribuição dos royalties, favorecendo cidades que abrigam a parte industrial das mineradoras e aquelas cortadas por ferrovias.

"Esse decreto era para ter sido publicado há oito meses, e há três meses a própria Amig [Associação dos Municípios Mineradores de Minas e do Brasil] enviou um modelo do texto para o ministério", afirma Waldir Salvador, ex-prefeito de Itabirito (MG), cidade mineradora, e consultor da associação.

Com o atraso, aqueles municípios impactados não conseguiram receber seus royalties. Isso porque, por segurança jurídica, a ANM (Agência Nacional de Mineração) não pode distribuir a quantia com base nas normas que regulamentam a lei antiga. Assim, essas cidades estão há quase nove meses sem receber os royalties.

E não há previsão de voltarem a receber.

Isso porque o decreto precisa ser regulamentado pela ANM, que precisa realizar audiências com os prefeitos. Mas os funcionários do órgão estão em greve desde o início do mês, e o processo deve atrasar.

A ANM, responsável pela regulação do setor, além de calcular e distribuir os royalties da mineração, está precarizada, com pouca receita e quadro de servidores pela metade.

Os problemas, apontam os prefeitos, vêm de gestões passadas, mas esperava-se que Silveira fosse mais célere para resolvê-los. O MME disse à reportagem que o fortalecimento da agência reguladora é uma das prioridades da pasta.

O atual ministro é experiente na política mineira: foi deputado federal por dois mandatos (eleito em 2006 e 2010), secretário estadual de duas pastas do governo de Antonio Anastasia (2010-2014) e senador por quase um ano --ele era suplente do antigo chefe e assumiu o cargo depois que Anastasia foi nomeado ministro do TCU (Tribunal de Contas da União).

Silveira também foi candidato ao Senado em 2022, com apoio de Lula, que disputava a Presidência. Ele ficou em segundo lugar, mas ampliou sua rede de apoio com prefeitos --inclusive com aqueles que hoje o cobram resolução de problemas.

A pressão aumentou no último dia 14, quando prefeitos da Amig participaram de um evento no auditório do ministério justamente para a apresentação do decreto publicado nesta quinta. A associação representa 51 cidades, a maioria mineira, que concentram quase 80% da produção mineral do país.

Em nota no site da Amig, os prefeitos disseram ter saído insatisfeitos do evento no ministério.

"Fomos chamados para uma solenidade cheia de pompas na qual nossa voz não foi realmente ouvida", disse o presidente da associação, José Fernando Aparecido de Oliveira (MDB), prefeito de Conceição do Mato Dentro (MG). A entidade pede reuniões com o ministro há meses.

Após discursar sobre a publicação do decreto, Silveira deixou o auditório. Segundo os presentes, ele precisava viajar para o Paraguai com o presidente Lula, de onde acompanhariam a posse do recém-eleito Santiago Peña. No dia seguinte, o ministro precisou voltar ao Brasil, em meio ao apagão nacional.

Sobrou então para o secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral, Vitor Saback, ouvir os prefeitos.

"Queremos que esse ministério deixe de ser apenas o ministério de energia, petróleo e gás e passe a colocar minas, e que essa agência [ANM] seja uma agência importante para o país", disse Oliveira em tom de voz alto.

"Não estou aqui para ficar passando a mão na cabeça de ninguém nem ficar falando bonito. Estou aqui para fazer um apelo dramático com relação a essa situação que não pode mais se prolongar", afirmou. Ele foi aplaudido.

A principal demanda é resolver a situação da ANM. Em 2017, o DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral) foi transformado em agência, garantindo maior autonomia ao órgão. Desde então, porém, a agência perde funcionários, que estão se aposentando ou migrando para a iniciativa privada.

Segundo o Sinagências, sindicato que representa os funcionários das agências reguladoras, o DNPM tinha 1.196 funcionários em 2010. Segundo a própria ANM, quando a agência foi criada eram 840 e hoje são 654 --um terço está apto a se aposentar.

Os problemas também atrasaram os royalties repassados aos municípios que abrigam as reservas de minério em seus territórios --o repasse está dois meses atrasado.

Para analisar as autodeclarações das mineradoras que servem como base de cálculo dos royalties, a agência tem apenas quatro fiscais, aponta a entidade.

Hoje, 7.387 empresas pagam royalties, e segundo a ANM há 35 mil processos na fila para serem fiscalizados. Assim, cada um dos quatro funcionários teria de fiscalizar, no mínimo, 8.000 processos.

A ANM não respondeu o valor da quantia represada. Porém, considerando a média mensal da estimativa do governo em relação à arrecadação de royalties neste ano, o valor seria de R$ 1,83 bilhão.

Na última sexta (18), Silveira se reuniu com o Sinagências e prometeu se empenhar em resolver os imbróglios. Em nota, o MME afirmou que o ministro "mantém diálogo direto com representantes da categoria e com o Ministério da Gestão para buscar uma solução".

A pasta também disse que espera ter uma solução acordada com os servidores até o dia 31, prazo máximo para envio do projeto de lei orçamentária de 2024.

Procurado, o Ministério da Gestão e da Inovação afirmou que o governo propôs aumentar o salário dos servidores de forma escalonada em três anos e disse estar sensível e "fazendo o que é possível, dentro dos limites orçamentários do governo federal".

A pasta também disse que prevê a autorização de um novo concurso público para a ANM ainda neste ano.

Enquanto isso, Silveira é instado a dar soluções. "Se você é ministro, tem de brigar dentro do governo para que sua área tenha pessoal, dinheiro, políticas públicas, mas não vimos o ministro ter uma única atitude para estruturar a agência", diz Salvador.

Marco Antônio Lage (PSB), prefeito de Itabira (MG) e apoiador do ministro na campanha do ano passado, pede agilidade.

"Entendemos que são oito meses de governo com muitos problemas herdados da gestão passada, mas, levando em conta que a mineração é um dos setores mais importantes do país, o que a gente esperava é que houvesse respostas mais rápidas", disse. "Se terminar o ano desta forma, a expectativa vai virar frustração."


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