SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - As propostas do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para acabar com vantagens tributárias que permitem às pessoas mais ricas pagar menos impostos terão efeito positivo na economia brasileira, afirma Joseph Stiglitz, vencedor do Prêmio Nobel em 2001.

"Não é surpresa que os ricos digam: não nos tributem porque será ruim para a economia. Eu ficaria surpreso se eles não dissessem isso. É um argumento egoísta. Mas não tem base econômica", afirma o economista em entrevista à Folha de S.Paulo.

O vencedor do Nobel esteve no Brasil nesta semana para uma série de eventos e reuniões, incluindo um encontro com Lula.

Stiglitz afirma que a desaceleração da economia global torna urgente para o Brasil aumentar a arrecadação, estimular o crescimento e reduzir juros.

Ele é otimista em relação aos EUA, mas destaca problemas nas economias europeia e chinesa. "Não está claro se o presidente Xi [Jinping] está apto para gerenciá-los."

Afirma ainda que a inflação caiu nos EUA e no Brasil por causa da normalização de oferta e demanda no pós-pandemia, não por causa da alta dos juros. "O incrível sobre o Brasil é como ele se saiu tão bem, dada a má política do Banco Central", afirma.

PERGUNTA - O sr. teve muitos encontros aqui no Brasil, incluindo uma reunião com o presidente Lula. Qual a impressão sobre o país nesta visita?

JOSEPH STIGLITZ - Há um espírito mais forte que eu não sentia há muito tempo. É como emergir de uma espécie de escuridão. O governo tem feito um trabalho muito bom.

Alguns grupos da sociedade civil gostariam que ele fizesse mais. Algumas pessoas ricas gostariam que fizesse menos. Considerando as dificuldades, ele está fazendo um trabalho muito impressionante.

Seria bom para a economia brasileira e para todo o Brasil se o Congresso aprovasse os impostos mais progressivos que ele propôs. Eu iria ainda mais longe, mas o que ele propôs é importante.

Algumas pessoas dizem que tributar os ricos é ruim para a economia e que sempre há uma maneira de escapar da tributação. Como parte de um movimento internacional por justiça tributária, como o sr. vê a questão?

J. S. - É muito bom para a economia [tributar os ricos]. Por muitas razões. O governo precisa da receita, e esse é o melhor lugar para obtê-la.

Em segundo lugar, o Brasil é um dos países em que os ricos pagam menos impostos em relação à sua renda do que os pobres. Eles têm maneiras legais de evitar impostos. A maioria das pessoas é honesta, pagará sua parcela justa se for chamada a fazer isso. Se não for, não pagará.

A terceira coisa é que isso leva a uma sociedade mais igualitária. Não é uma visão de esquerda. O FMI, a OCDE, todos chegam à visão de que sociedades com menos desigualdade têm desempenho econômico melhor, do qual todos se beneficiarão.

Não é surpresa que os ricos digam: não nos tributem porque será ruim para a economia. Eu ficaria surpreso se eles não dissessem isso. É um argumento egoísta. Mas não tem base econômica.

Um dos objetivos dessa busca por receitas é zerar o déficit nas contas públicas, mas há pressões por mais gastos. A austeridade é importante neste momento?

J. S. - Os mercados financeiros têm enfatizado demais a importância do déficit. A austeridade falhou em todos os lugares como instrumento para equilíbrio orçamentário.

Austeridade geralmente leva a um menor crescimento. Menor crescimento leva a uma menor arrecadação de impostos e a mais gastos com seguro-desemprego e rede de segurança básica. Então piora o déficit.

Até o FMI reconhece que foi uma política errada. Se você coloca o crescimento no topo da agenda, a economia cresce, as receitas aumentam e o déficit diminui.

O que o presidente Lula está fazendo é a estratégia correta. De duas maneiras. Ele diz: olha, vou tentar arrecadar mais, uma quantia moderada, das pessoas ricas que não estão pagando uma parcela justa. Ao mesmo tempo, vou usar parte desse dinheiro para promover o crescimento econômico, para a transição ecológica.

O sr. vê um cenário internacional adverso se aproximando? Quais os riscos em relação a China, EUA e Europa neste momento e como isso afeta o Brasil?

J. S. - Acredito que os Estados Unidos se sairão bem. Há um forte apoio fiscal que compensa a contração monetária. O Fed aumentou muito as taxas de juros. Isso fez com que as taxas de juros subissem em todo o mundo.

No Brasil, elas caíram, mas não o suficiente. Estão se tornando mais razoáveis, mas ainda não são razoáveis. O incrível sobre o Brasil é como ele se saiu tão bem, dada a má política do Banco Central.

A segunda preocupação é a China não gerenciando sua economia. Em 2008, a China foi a base da recuperação global. Agora está contribuindo para o enfraquecimento da economia global. Eles têm muitos problemas, e não está claro se o presidente Xi está apto para gerenciá-los. Eles têm as ferramentas, mas há um alto risco de que não as usem. É uma grande incógnita.

A Europa não tem o apoio fiscal, então está passando por um período realmente fraco.

Voltando ao Brasil, dada a fraca conjuntura global, é ainda mais importante o Banco Central reduzir os juros. E é importante que a política fiscal do presidente Lula, o que falamos antes sobre impostos e despesas, a agenda de crescimento, seja adotada.

Falando um pouco mais sobre os Estados Unidos, por que a inflação está diminuindo? O Federal Reserve fez um bom trabalho?

J. S. - Não tem nada a ver com o Federal Reserve. Eu dizia que isso é em grande parte uma interrupção do lado da oferta e uma mudança na demanda.

Os preços das moradias, em média, subiram 40%. Qual a solução para a escassez de moradias? Aumentar as taxas de juros e reduzir a oferta, ou reduzir as taxas de juros e aumentar a oferta? É muito claro. Não precisa ser um gênio para descobrir. O Fed piorou o problema, não ajudou a resolver.

Cerca de um terço da inflação no início da pandemia veio dos preços dos carros. Por quê? Escassez de chips. Aumentar as taxas de juros resolve o problema? Não. Os preços dos carros baixaram. Foi por causa do Fed? Não.

Conversei com executivos de montadoras. Eles descobriram como obter os chips. Os estoques aumentaram e os preços dos carros baixaram.

Temos algo semelhante no Brasil?

J. S. - Exatamente. É por isso que sua inflação diminuiu. Não é a taxa de juros. Foi a resolução dos problemas do lado da oferta, não a política monetária, que reduziu a inflação.

Economistas, bancos centrais e governos aprenderam algo com a pandemia em termos do papel do Estado e da eficiência dos mercados?

J. S. - Houve muitas lições. A primeira é o quão importante é o governo. Quando temos uma crise, recorremos ao governo.

Do ponto de vista da teoria econômica, pandemias, assim como as mudanças climáticas, são externalidades. Os mercados não conseguem lidar com externalidades. O governo nos salvou.

Os países onde havia mais confiança no governo se saíram melhor. EUA e Brasil, onde havia um governo que era terrível, não se saíram tão bem.

A outra coisa que aprendemos é que os mercados não funcionaram muito bem na recuperação pós-pandemia. Tivemos todos os tipos de escassez de suprimentos. O mercado não foi resiliente.

Temos de confiar nos mercados. Uma economia moderna é muito complicada para não ter mercados. Mas eles não funcionam bem por si só. O desafio é como tornamos os mercados mais verdes, como tornamos os mercados mais resilientes.

Às vezes eu digo que o neoliberalismo morreu. Mas é uma morte lenta. Uma das expressões que ouvi, não me lembro das palavras exatas, mas diz que, quando as ideias morrem, elas persistem no Brasil.

Como denominar esse novo cenário econômico após o que o sr. chama de morte do neoliberalismo?

J. S. - Não está claro para onde a economia global está indo. Os resultados do neoliberalismo foram tão ruins que houve um aumento da desigualdade, as pessoas na base não se saíram bem, não houve um efeito cascata. Há uma resposta antidemocrática, uma resposta fascista em algumas partes do mundo.

Em outros países há algo que eu chamo de capitalismo progressista. Reconhecemos o papel dos mercados, mas não são mercados sem restrições. São regulamentados, com a ideia de tentar moldar a sociedade de uma maneira melhor. Na Europa, eles chamam isso de social-democracia.

Qual o lugar do Brasil nesse cenário?

J. S. - Um aspecto da mudança na economia global que é muito importante são as novas relações econômicas entre os Estados Unidos e a China. Isso afeta o Brasil em particular, porque muitas das exportações vão para a China.

Não estamos dizendo que você está escolhendo um lado ou outro, mas é preciso reconhecer que tivemos muitos choques nos últimos 20 anos. Não devemos assumir que eles acabaram. Um choque poderia ser um rompimento, um choque vindo da China.

Neste momento, pontos-chave para tornar a economia mais resiliente, reduzindo riscos, envolvem a transição verde, porque o clima e as mudanças climáticas são um grande choque.

O presidente Lula também quer que a voz do Brasil seja uma parte importante dessa nova estrutura que emerge. Vamos passar pela transição verde. A Amazônia é fundamental. O Brasil desempenha um papel fundamental no mundo.

RAIO-X

Joseph Stiglitz, 80

PhD em Economia pelo MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). É professor da Universidade Columbia, em Nova York. Foi economista-chefe do Banco Mundial e presidente do Conselho de Assessores Econômicos no governo do presidente Bill Clinton. Recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 2001.

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