BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A arrecadação federal teve, em agosto, a terceira queda seguida na comparação com igual mês de 2022, desempenho que evidenciou a perda de fôlego das receitas e acendeu um alerta na equipe econômica.
O diagnóstico atual é de que as quedas estão concentradas em receitas ligadas ao setor extrativo, como royalties e impostos sobre o lucro de empresas do segmento, ou conectadas a fatores atípicos, como o aumento do uso de créditos tributários para abater valores devidos à Receita Federal.
No entanto, a avaliação é de que o movimento precisa ser monitorado de perto, sobretudo em um contexto em que o ministro Fernando Haddad (Fazenda) estipulou metas fiscais ambiciosas. O objetivo é zerar o déficit já em 2024, alvo visto com ceticismo dentro do próprio governo e no mercado financeiro.
Economistas evitam apontar o retrato das receitas como uma evidência de desaceleração disseminada da economia. Mas há a avaliação de que mesmo efeitos isolados podem acabar dificultando ainda mais a tarefa do governo de reequilibrar as contas, uma vez que a tendência de evolução mais tímida da arrecadação deve se manter no ano que vem.
Os dados da Receita Federal divulgados nesta quinta-feira (21) mostram uma queda de 4,14% nas receitas em agosto ante igual mês de 2022, após reduções observadas em junho e julho. O desempenho no acumulado do ano é negativo em 0,83%. As variações já descontam o efeito da inflação no período.
A composição desse resultado é bastante heterogênea. A receita previdenciária, por exemplo, está em alta, reflexo da maior resiliência do mercado de trabalho e da renda dos brasileiros. Receitas com Imposto de Renda pago por pessoas físicas também estão crescendo na comparação com o ano passado.
As perdas estão concentradas em tributos pagos pelas empresas, como IRPJ, CSLL e IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados).
Segundo a Receita, o crescimento de vendas em comércio e serviços tem ajudado a dar alguma sustentação à arrecadação do governo, mas a redução nos preços de commodities como o minério de ferro no mercado internacional acaba puxando as receitas para baixo.
Nos primeiros oito meses, o governo arrecadou R$ 50,5 bilhões em royalties, R$ 24,2 bilhões a menos do que em igual período do ano passado --queda real de 32,4%.
Outras receitas ligadas ao setor extrativo também estão derretendo. As receitas com impostos e contribuições (exceto previdenciárias) pagos pelo segmento de extração de minerais metálicos caíram 63,2% entre janeiro e agosto deste ano. Isso significa que as empresas recolheram R$ 21,1 bilhões a menos do que em igual período de 2022.
Também houve quedas expressivas nos tributos pagos por companhias ligadas ao setor de combustíveis (queda de 25,1%, ou menos R$ 19 bilhões) e metalurgia (perda de 39,3%, ou menos R$ 7,7 bilhões).
Em entrevista coletiva, o chefe do Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros da Receita Federal, Claudemir Malaquias, exibiu dados que mostram uma concentração das quedas em tributos recolhidos sobre o lucro dessas empresas, sobretudo IRPJ e CSLL.
Ao afetar os impostos, essa redução acaba tendo reflexo negativo também sobre o caixa de estados e municípios, que recebem uma parcela da arrecadação da União com Imposto de Renda e IPI por meio dos fundos de participação.
Malaquias reconheceu o efeito negativo do preço das commodities, mas destacou também que a base de comparação de 2022 muito elevada acaba potencializando as quedas. "São setores que tiveram desempenho extraordinário [em 2022] e neste ano voltam à normalidade", disse.
O economista-chefe e sócio da Warren Rena, Felipe Salto, calcula que, descontados os efeitos não recorrentes, a receita administrada (que inclui impostos e contribuições, mas não os royalties) teria tido uma expansão de 3,9% no acumulado até agosto.
"Entendo que os dados de atividade estão muito bons, inclusive melhores que o esperado, mas a verdade é que a ajuda da inflação, que costuma colaborar com a arrecadação, está exercendo o efeito contrário neste momento", diz Salto.
Ele lembra que a inflação que sensibiliza a arrecadação federal é menos aquela medida junto aos consumidores e mais aquela ligada aos insumos do setor produtivo --os preços no atacado, que estão em queda justamente por causa das commodities.
O economista Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos, também destaca a "normalização" dessas receitas. "Isso me parece ser o mais importante nesse momento. Estamos vendo agora um repique dos preços de petróleo, o que pode ajudar a recuperar uma parte das perdas recentes, mas uma elevação por mais tempo não é nosso cenário", afirma Sbardelotto.
Segundo ele, a recente revisão do crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) de 2,5% para 3,2% neste ano, anunciada pela Fazenda, não deve ter "nenhum impacto relevante" sobre a arrecadação, uma vez que foi impulsionada pela agricultura e pela indústria extrativa --justamente os que estão contribuindo menos para as receitas.
A economista Vilma Pinto, diretora da IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado, afirma que a piora recente indica "um desafio adicional" para a equipe econômica. O mercado projeta um déficit primário em 2024, mas o governo ainda mantém o discurso de que buscará o reequilíbrio entre receitas e despesas.
"Uma eventual frustração de receita pode aumentar o desafio de cumprimento da meta do ano que vem", diz.
A Receita Federal ainda chamou atenção para outro fator que tem contribuído para reduzir a arrecadação: o aumento no uso de créditos tributários para pagar obrigações junto ao Fisco. Quando há o uso do crédito, não há ingresso de recurso financeiro no caixa da União.
Nos últimos meses, tem havido aumento expressivo no uso dessas compensações. Segundo a Receita, o valor abatido em 2023 já supera em R$ 20,1 bilhões o total utilizado em 2022.
O maior crescimento se dá nos créditos de PIS/Cofins, possivelmente ligados ao julgamento que permitiu a retirada do ICMS da base de cálculo dos tributos. A situação também é monitorada de perto pelos técnicos.
Sbardelotto lembra que o governo aprovou uma medida para tirar o ICMS da base de cálculo dos créditos de PIS/Cofins, uma vez que as empresas estavam se aproveitando de uma brecha legal para se creditar de tributos não pagos. No entanto, segundo ele, o retorno está bem aquém dos cerca de R$ 4,6 bilhões estimados por mês.
"As medidas implementadas pelo governo continuam mostrando resultados abaixo das expectativas, tornando mais difícil para o governo atingir a meta de resultado primário para 2024", alerta.
Salto, por sua vez, observa que os ganhos com a reoneração de combustíveis estão menores do que o esperado.
"Os preços estão mais baixos do que no período pré-desoneração. Além disso, quando se promove aumento de tributo, é comum haver um efeito assimétrico quando comparado com o efeito da desoneração", afirma.
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