BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Chefe do Departamento de Promoção da Cidadania Financeira do Banco Central, Luis Mansur afirmou nesta segunda-feira (25) que o parcelamento de compras no cartão de crédito pode ser "mortal" para o superendividamento da população e associou o uso excessivo desse instrumento ao rotativo -linha com juros mais altos do mercado.

"Hoje em dia, a porta de entrada para o rotativo é o parcelamento em excesso ou o parcelamento sem controle", afirmou o técnico na live do BC sobre superendividamento.

Mansur ressaltou que o cartão de crédito se tornou um instrumento de pagamento para compras recorrentes no Brasil, como aquelas feitas em supermercados e farmácias, e alertou para o risco de inadimplência.

"O parcelamento do cartão de crédito é algo que pode ser mortal. As pessoas não controlam as parcelas, vão se acumulando e virando aquela bola de neve", disse ele, sem fazer distinção entre as compras parceladas com ou sem juros.

O rotativo é um tipo de crédito acionado quando o cliente não paga o valor integral da fatura do cartão na data de vencimento. É uma linha pré-aprovada e recomendada por especialistas somente para casos emergenciais.

Em julho, a taxa média de juros cobrada pelos bancos de pessoas físicas no rotativo do cartão de crédito atingiu 445,7% ao ano, segundo os últimos dados divulgados pelo BC.

Mansur aconselhou os consumidores a anotarem as prestações das compras feitas no cartão de crédito e a trabalharem com um cronograma do pagamento da fatura para evitar acúmulo de dívidas.

"Dê preferência para parcelar aquelas compras grandes, uma geladeira, um fogão, um eletrodoméstico, uma viagem, uma passagem de avião, algo que tem valor de prestação alta", recomendou.

As declarações do técnico do BC foram dadas em meio à discussão sobre a limitação dos juros no rotativo do cartão de crédito e um eventual redesenho do parcelamento de compras sem juros.

Os bancos falam em subsídio cruzado entre as modalidades por causa da inadimplência. Isso quer dizer que um mesmo cliente que efetuou diversas compras parceladas pode eventualmente no futuro enfrentar dificuldades financeiras e, pelo volume acumulado de compras, não conseguir honrar o pagamento integral da fatura de cartão de crédito caindo, assim, no rotativo.

Por outro lado, parte do setor de cartões de crédito rechaça uma relação de causalidade entre as duas modalidades e nega que a inadimplência seja maior nos prazos mais longos do que nos pagamentos à vista.

Como mostrou a Folha de S.Paulo, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) iniciou uma apuração preliminar sobre uma suposta atuação conjunta de instituições financeiras para atrelar mudanças no parcelamento de compras sem juros ao debate sobre o rotativo.

O órgão de defesa da concorrência busca saber se dois ou mais bancos se articularam para criar uma estratégia conjunta e agir de maneira coordenada para criar uma situação de mercado.

Alterações no parcelamento de compras sem juros não foram incluídas no texto em tramitação no Congresso Nacional sobre o rotativo do cartão, mas há expectativa de que a disputa continue a ser travada nos bastidores.

O PL (projeto de lei) do Desenrola Brasil, que trata da questão do rotativo, foi aprovado pela Câmara dos Deputados e está em tramitação no Senado Federal.

O texto prevê um prazo de 90 dias para as próprias instituições financeiras definirem um limite de juros para o rotativo do cartão e para o parcelamento do saldo devedor da fatura.

Se não houver acordo com aval do CMN (Conselho Monetário Nacional) dentro desse período, será aplicável um teto que limita a dívida ao dobro do montante original.

Relator do projeto no Senado, Rodrigo Cunha (Podemos-AL) afirmou em entrevista à Folha de S.Paulo que ainda iria estudar a questão, mas que via distorções no uso das compras parceladas sem juros.

Depois de um encontro com o presidente do BC, Roberto Campos Neto, o senador disse em nota que iria "lutar para que a prática do parcelamento sem juros não seja alterada nem extinta."

Caso Cunha faça mudanças no texto, será necessária uma nova apreciação da proposta pela Câmara dos Deputados.

O entrave é que o texto precisa ser apreciado pelos senadores e sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) até 3 de outubro, quando expira a MP (medida provisória) que criou o programa de renegociação de dívidas lançado pelo governo federal. A demora na votação do projeto pode comprometer a continuidade do programa.


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