BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enviou ao TCU (Tribunal de Contas da União) uma consulta sobre a possibilidade de não aplicar os mínimos constitucionais de Saúde e Educação em 2023. O intuito é evitar a necessidade de injetar até R$ 20 bilhões adicionais nessas áreas, sob o risco de um apagão nos demais ministérios.
O pedido à corte de contas já estava em estudo, como antecipou a Folha de S.Paulo, mas ainda não havia sido apresentado pelo Executivo. O documento foi protocolado na noite desta quinta-feira (28), após uma avaliação do governo de que é necessário resolver o impasse.
Segundo interlocutores, o Ministério da Fazenda avisou ao TCU nos últimos dias que formalizaria a consulta.
A insegurança existe porque os mínimos constitucionais de Saúde e Educação vinculados à arrecadação voltaram a vigorar após a sanção do novo arcabouço fiscal em 30 de agosto.
O ato significou também a revogação do teto de gastos, que exigia uma aplicação mínima em Saúde e Educação menor do que as regras retomadas.
A aplicação integral dos pisos neste ano pode exigir a injeção de até R$ 20 bilhões adicionais apenas na Saúde, informou na semana passada o secretário de Orçamento Federal, Paulo Bijos. Na Educação, as simulações não indicam necessidade de incremento.
Segundo um interlocutor do Ministério da Fazenda, o pedido de não aplicação dos pisos não significa descumprir a regra, dado que o próprio governo já contabiliza sua retomada na proposta orçamentária de 2024. Trata-se, segundo a fonte, de "não punir a boa gestão".
A PEC (proposta de emenda à Constituição) aprovada na transição de governo exigia o envio da proposta de novo arcabouço fiscal até 31 de agosto. O governo decidiu antecipar o encaminhamento para abril e conseguiu avançar mais casas dentro do prazo da PEC -o texto não só foi aprovado, mas também sancionado.
A visão na Fazenda é que adiantar o compromisso fiscal e abrir caminho a outros itens da agenda econômica no Congresso não deveria ter como efeito colateral uma fatura extra de até R$ 20 bilhões, que demandaria sacrifícios significativos para que fosse acomodada dentro do Orçamento.
Na reta final do ano e com um bloqueio de R$ 3,8 bilhões vigente sobre as despesas, o governo vê um risco de apagão ("shutdown") na máquina caso tenha de cumprir a regra.
O tamanho do buraco equivale à diferença entre os cerca de R$ 168 bilhões reservados atualmente no Orçamento e o valor na casa dos R$ 189 bilhões que precisaria ser aplicado para alcançar os 15% da RCL (Receita Corrente Líquida) atualizada para o ano, como manda a Constituição Federal.
A interpretação jurídica do governo é de que o Orçamento de 2023 foi aprovado sob a regra antiga, que autorizava um piso menor, e uma mudança no meio do caminho não poderia prejudicar o planejamento fiscal e financeiro da administração federal.
A decisão de finalmente encaminhar a consulta ocorre após a área técnica do próprio TCU recomendar o arquivamento de uma representação do Ministério Público junto à corte de contas, que solicitava o afastamento prévio dos mínimos previstos na Constituição Federal. A justificativa técnica para a rejeição da petição foi a ausência de requisitos, como apresentar indícios de irregularidade ou ilegalidade.
A representação do MP pediu a adoção de medidas para avaliar o risco de apagão nas demais áreas do governo e, caso comprovado, que o governo seja autorizado a manter os pisos que estavam em vigor sob o teto de gastos, dispensando a suplementação.
A área técnica do TCU entendeu que, neste momento, não é possível falar em risco de apagão, dado que o Executivo tem instrumentos para ajustar o Orçamento, caso necessário.
Há ainda questionamentos sobre uma manobra aprovada pela Câmara dos Deputados na tentativa de resolver o problema do governo.
O líder do PT na Casa, Zeca Dirceu (PR), incluiu de última hora, em um projeto de lei de ajuda financeira a estados e municípios, um dispositivo que permite ao Executivo pagar um piso menor da Saúde em 2023.
Após a votação, integrantes de partidos de esquerda passaram a criticar o dispositivo e dizer que ele é inconstitucional, pois um projeto de lei complementar não tem poder para afastar uma exigência prevista na Constituição.
O próprio governo considera que a inclusão desse dispositivo foi uma medida "atabalhoada", uma vez que não reflete a própria tese do governo, de que não é necessário mexer nas dotações da Saúde. Pelo projeto, a equipe econômica ainda precisaria realocar cerca de R$ 5 bilhões, segundo informou Bijos.
Apesar disso, a postura no Executivo é aguardar a posição do Senado sobre o projeto e ver em quanto tempo o TCU responderá à consulta do governo.
Na semana passada, Bijos ressaltou que a discussão em torno do piso da Saúde "não se confunde" com uma não priorização da área. "Com o teto de gastos, o piso seria de R$ 147 bilhões, nós já temos em 2023 uma dotação de R$ 168 bilhões. Estamos bastante acima, temos R$ 20 bilhões a mais", disse na ocasião.
Além disso, segundo ele, o governo vem efetuando despesas na área de Saúde não contabilizadas para o mínimo, como os R$ 7,3 bilhões reservados para financiar o pagamento do piso da enfermagem.
O secretário acrescentou ainda que a proposta de Orçamento de 2024 prevê um incremento de R$ 50 bilhões para a Saúde. Boa parte desse valor segue a regra do mínimo constitucional.
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