SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Apesar de enfatizar a importância da transição energética, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aloca mais recursos no PPA (Plano Plurianual) para ações no setor de petróleo e gás do que o proposto pela gestão Jair Bolsonaro (PL).
O texto está em tramitação no Congresso e pode mudar. Porém, a atual administração quer gastar R$ 479 bilhões na área, entre 2024 e 2027. O governo anterior previa, de 2020 a 2023, R$ 434 bilhões, já corrigidos pela inflação.
A análise foi feita pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) e confirmada pela reportagem, com base no PPA elaborado pelo Ministério do Planejamento e apresentado ao Legislativo no final de agosto.
A proposta, segundo o Inesc, converge com o interesse da Petrobras, por exemplo, de perfurar poço na bacia da Foz do Amazonas em busca de reservas de petróleo. A pesquisa depende de aval do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), o que não ocorreu.
No detalhamento do programa de petróleo, gás, derivados e biocombustíveis do PPA, o governo diz ser necessário ampliar investimentos na exploração e produção de petróleo e gás natural, na infraestrutura de escoamento e processamento de gás natural, no abastecimento de combustíveis e na redução da dependência externa de derivados.
Dos R$ 479 bilhões previstos pelo governo, R$ 472 bilhões são recursos orçamentários. Ou seja, montante que sai do caixa do governo ou de estatais ?neste caso, quase tudo virá da Petrobras.
Do montante previsto no PPA, a menor parte trata de recursos não orçamentários, atrelados a subsídios tributários, creditícios e créditos de instituições financeiras, por exemplo.
Procurada, a estatal diz que o assunto é de responsabilidade do governo. O Ministério de Minas e Energia afirma, por sua vez, que os investimentos "são coerentes" e que o país vai depender de combustíveis fósseis por uma década.
Já Ministério do Planejamento destaca que a transição energética é agenda transversal. A pasta de Marina Silva não respondeu à reportagem até a publicação deste texto.
No caso de recursos orçamentários, o governo precisa detalhar no PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual) a destinação exata da verba.
Em 2024, por exemplo, o Executivo quer executar cerca de 25 ações. A mais cara seria a implementação de infraestrutura marítima complementar de produção de petróleo e gás natural na Bacia de Santos (R$ 39 bilhões) ?recurso também da Petrobras.
Na lista das ações programadas, apenas a manutenção e adequação da infraestrutura operacional de usinas de biodiesel está diretamente ligada a biocombustíveis. Se a despesa for aprovada pelo Congresso, a Petrobras alocará R$ 32,6 milhões na iniciativa.
"Note-se que o programa apresenta como objetivo geral considerar uma maior ênfase na transição energética. No entanto, quando se analisam os objetivos específicos, observa-se que todos eles tratam da expansão dos combustíveis fósseis (petróleo e gás natural), sem levar em consideração os biocombustíveis", diz nota técnica do Inesc.
"A contradição nos objetivos desnuda a falsa narrativa de 'garantir a segurança energética do país, com expansão de fontes limpas e renováveis', presente em seu objetivo estratégico", afirma o instituto.
O PPA do governo Lula, no entanto, cria o programa de transição energética, inexistente no projeto da gestão Bolsonaro.
O programa prevê R$ 938 milhões ?o equivalente a 0,2% do destinado às operações envolvendo basicamente petróleo e gás. Além disso, todos os recursos reservados para o programa de transição energética são não orçamentários.
Se aprovado, a União e as estatais não precisarão tirar verba dos caixas para financiar essas ações; os recursos poderão vir de subsídios. Por serem não orçamentários, o montante não precisa ser detalhado no PLOA, o que dificulta o monitoramento das ações.
O programa, segundo o Executivo, busca descarbonizar a matriz de transportes, via biocombustíveis; ampliar o suprimento de minerais estratégicos para a transição energética; promover a eficiência energética no uso final de energia; aumentar a participação das fontes de energia limpa na matriz energética brasileira; viabilizar a expansão da rede básica de transmissão de energia; reduzir a participação da geração de energia a diesel nos sistemas isolados; assegurar o atendimento de energia e potência do sistema interligado nacional e interligar sistemas isolados.
O PPA também institui o programa para energia elétrica, que já existia na administração Bolsonaro.
Nele, o governo pretende reservar R$ 92 bilhões para assegurar o suprimento de energia elétrica ao mercado brasileiro com "justiça social e sustentabilidade econômica e ambiental".
Entre os objetivos específicos do programa, porém, não constam ações que envolvam, ao menos diretamente, a diversificação das fontes de energia no país.
Pelo contrário: o PLOA de 2024 prevê gastos de R$ 1 bilhão para a manutenção da infraestrutura operacional do parque termelétrico da Petrobras. O funcionamento de usinas termelétricas libera CO2 na atmosfera e contribui para o aquecimento global.
Segundo o Inesc, o governo Lula tirou do programa de energia elétrica a única ação que era destinada exclusivamente a esforços de transição energética, mais especificamente de incentivo à geração de eletricidade renovável. Tal ação esteve presente no PPA do governo Bolsonaro, ainda que durante seu governo nenhum valor tenha sido empenhado.
"A narrativa do governo é muito boa, tanto internamente como externamente. O presidente Lula, sobretudo na última viagem que fez para Nova York [para participar da Assembleia Geral da ONU], disse que o Brasil vai ser protagonista na transição energética, e com isso nos empolgamos. No entanto, quando analisamos o que está sendo construído na prática, vemos que não é bem assim", diz Cássio Cardoso Carvalho, assessor político do Inesc.
Recentemente, Lula enalteceu, em evento de comemoração dos 70 anos da Petrobras, o papel da empresa na transição energética. "A Petrobras tem tudo para liderar a transição energética e aproveitar a oportunidade única de o Brasil ser o maior centro de energia renovável do mundo", disse, em 3 de outubro.
Questionado, o Ministério do Planejamento, diz que o programa de transição energética engloba a redução a zero das alíquotas de impostos federais sobre aerogeradores, além de enfatizar a transversalidade das ações.
A pasta aponta que parte dos R$ 900 bilhões (compostos majoritariamente de benefícios tributários) destinados à política de desenvolvimento industrial será aplicada em iniciativas de transição energética, assim como R$ 97 bilhões serão destinados a pesquisas sobre economia de baixo carbono.
"A agenda ambiental está em 50 dos 88 programas do PPA, o que reforça a complexidade do tratamento recebido pelo tema tanto no plano apresentado", diz a pasta.
O MME afirma, também em nota, que o plano aborda outros pontos de transição energética e diz que os investimentos da Petrobras da ordem de R$ 472 bilhões se dão em setor "intensivo em capital e que gera centenas de milhares de empregos".
"Cabe ressaltar que os investimentos para a transição energética não eliminam os voltados para petróleo e gás, uma vez que, segundo estimativas do mercado, o país ainda vai depender de combustíveis fósseis pelo menos nos próximos dez anos", afirma a pasta.
Os valores estipulados pelo governo tanto no PPA quanto no PLOA ainda podem ser alterados pelo Congresso. Em 2019, por exemplo, o Congresso transformou os R$ 434 bi propostos pela administração Bolsonaro para o programa de petróleo, gás e biocombustíveis em R$ 736 bi ?valores já corrigidos.
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