BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Pouco mais de três meses após a aprovação na Câmara, a Reforma Tributária ganhou mais exceções benéficas a setores e atividades e assegurou aos estados mais R$ 20 bilhões anuais em um fundo regional a ser bancado pela União.

O relator no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), incluiu regimes específicos para setores como turismo, agência de viagens, saneamento e concessionárias de rodovias, além de ter criado uma nova categoria de alíquota para profissionais liberais como médicos, engenheiros e advogados que estão fora do Simples Nacional (em geral, sociedades com faturamento anual superior a R$ 4,8 milhões).

Por outro lado, o parlamentar decidiu dividir a classificação dos produtos da cesta básica. O objetivo é restringir a isenção total dos tributos a uma lista menor de itens, chamada de Cesta Básica Nacional, enquanto a cesta estendida teria apenas um desconto de 60% na alíquota.

Contribuintes de baixa renda poderão reivindicar a devolução do imposto pago em alimentos e produtos de higiene por meio do chamado "cashback". O parecer também prevê que a instituição desse mecanismo na conta de luz dos brasileiros mais vulneráveis.

Interlocutores do governo são cautelosos em analisar o efeito das mudanças sobre a alíquota do novo IVA (Imposto sobre Valor Agregado), que já era estimada entre 25,45% e 27%, uma das mais altas do mundo. Novas exceções podem ampliar ainda mais a cobrança, mas os cálculos exatos ainda serão feitos pelos técnicos do governo.

A avaliação é de que o parecer tem pontos positivos, como a trava contra uma desoneração muito ampla da cesta básica. Mas o aumento das exceções vai na direção contrária da expectativa do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de que o Senado restringisse as benesses concedidas pela Câmara.

O relator rebateu as críticas e ressaltou que "o ótimo é inimigo do bom". "Esse relatório está mais enxuto do que veio da Câmara. Quem estiver fazendo essa conta [de que exceções foram ampliadas], queria que me mostrasse na conta", disse.

Os senadores ainda terão duas semanas antes da votação para analisar o texto e eventualmente pressionar por mais flexibilizações. A previsão é que a PEC (proposta de emenda à Constituição) seja apreciada em 7 de novembro na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e em 9 de novembro no plenário do Senado.

A Reforma Tributária está em discussão no Congresso há mais de 30 anos. A aprovação da PEC pode colocar o Brasil no mapa dos 174 países que já cobram um IVA.

O texto prevê a fusão de PIS, Cofins e IPI (tributos federais), ICMS (estadual) e ISS (municipal) em um novo sistema será dual: parte da alíquota será administrada pelo governo federal por meio da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), e a outra, por estados e municípios pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços).

Também será criado um Imposto Seletivo sobre bens e serviços cujo consumo são considerados prejudiciais à saúde (como cigarros e bebidas alcoólicas) ou ao meio ambiente, à exceção daqueles produzidos na Zona Franca de Manaus.

As alíquotas definitivas de cada tributo serão detalhadas depois, em lei complementar, pois vão depender de cálculos efetuados em conjunto com o Ministério da Fazenda. Mas o relator introduziu uma trava: a carga sobre o consumo não poderá ser maior do que a média observada entre 2012 e 2021 -um patamar próximo a 12,5% do PIB (Produto Interno Bruto).

A reforma prevê uma cobrança padrão sobre a maior parte do consumo, uma alíquota reduzida (equivalente a 40% do valor cheio) para alguns bens e serviços e, agora, uma alíquota intermediária (equivalente a 70% da cobrança integral) para profissões regulamentadas, como advogados e médicos.

Na alíquota reduzida, foram contemplados serviços de saúde, educação e serviços de transporte coletivo de passageiros rodoviário e metroviário de caráter urbano, semiurbano e metropolitano.

Também estão nessa categoria os alimentos não contemplados pela isenção da Cesta Básica Nacional, produtos de higiene consumidos pela baixa renda, produtos e insumos agropecuários, medicamentos, dispositivos médicos, bens e serviços relacionados a soberania e segurança nacional e as produções artísticas, culturais e jornalísticas.

Em seu parecer, Braga decidiu criar um regime específico para os serviços de transporte coletivo de passageiros rodoviário intermunicipal e interestadual, ferroviário, hidroviário e aéreo, que antes estavam com alíquota reduzida.

"Alguns setores poderiam ter mais crédito do que imposto a pagar. Agora, eles terão cobrança de imposto e regime de créditos e débitos, mas isso será calibrado em lei específica", explicou.

A mudança acaba beneficiando as grandes companhias aéreas, que haviam ficado de fora de qualquer tratamento diferenciado. A versão aprovada na Câmara contemplava apenas os serviços de aviação regional.

Braga também manteve regimes específicos aprovados pela Câmara e incluiu no rol de atividades agências de viagens e turismo, serviços de saneamento e de concessão de rodovias, além de operações que envolvam a disponibilização de estrutura compartilhada em telecomunicações -o que pode beneficiar operadoras que atuam na região Norte. Haverá uma reavaliação desses regimes a cada cinco anos.

O relator defendeu as inclusões. "Saneamento é um contrato de tarifa de água e esgoto na casa de milhões de brasileiros. Isso [reforma] significaria contencioso de judicialização em 5.568 municípios", disse.

Sobre as concessões de rodovias, Braga argumentou que o risco de elevação da carga sobre estradas com pedágio poderia provocar uma greve de caminhoneiros no país. "O Brasil quase quebrou com a greve dos caminhoneiros [em 2018], por causa de centavos no óleo diesel. Imagina aumentar 25% de IVA no pedágio dos caminhoneiros", afirmou.

O senador ainda retomou o artigo que prorroga incentivos fiscais a montadoras dos polos automotivos do Nordeste e do Centro-Oeste até 2032. O dispositivo ficou conhecido como "emenda Lula" na Câmara, por ter sido um pedido do presidente, mas foi derrubada durante a votação dos destaques pelos deputados.

Braga também criou uma alíquota de até 1% no Imposto Seletivo sobre a extração de petróleo e minérios, inclusive para exportação, o que deve afetar companhias como a Petrobras e a Vale. O argumento é que a exploração desses recursos causa "danos ao território nacional". A regulamentação do funcionamento e de eventuais exceções, porém, será feita em lei complementar.

Nas discussões federativas, o relator elevou a R$ 60 bilhões o aporte anual do governo federal no FNDR (Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional) e determinou a distribuição dos recursos seguindo critérios populacionais e do FPE (Fundo de Participação dos Estados).

O FNDR será usado pelos estados para conceder incentivos locais, já que o novo modelo inviabiliza a continuidade do uso de isenções e créditos presumidos.

A definição dos parâmetros de repartição dos recursos já na PEC é uma tentativa de apaziguar a disputa dos governadores em torno do tema. Pelo texto, 70% dos recursos serão distribuídos com base nos coeficientes do FPE, critério beneficia as regiões Norte e Nordeste, que têm menor renda per capita.

Os outros 30% serão repartidos com base na população, o que deve contemplar mais os estados de Sul e Sudeste, com mais habitantes.

Em relação ao valor, Braga já havia sinalizado a senadores nesta terça (24) a ampliação para R$ 60 bilhões. O montante é R$ 20 bilhões maior do que os R$ 40 bilhões iniciais propostos pelo Ministério da Fazenda. Na prática, representa um aumento de 50%.

O texto aprovado pela Câmara previa valores progressivos para o FDR, começando em R$ 8 bilhões em 2029 e subindo mais R$ 8 bilhões ao ano, até alcançar os R$ 40 bilhões anuais a partir de 2033.

Pela proposta do relator no Senado, o aumento extra de R$ 20 bilhões será distribuído ao longo de dez anos. A partir de 2034, haverá um incremento de R$ 2 bilhões ao ano, até alcançar os R$ 60 bilhões em 2043. A PEC (proposta de emenda à Constituição) também traz mecanismos de correção desses valores pela inflação.

Governadores reivindicam um repasse ainda maior, de R$ 75 bilhões ao ano, mas a avaliação na Fazenda é de que um montante nessa faixa não é condizente com o compromisso de responsabilidade fiscal.

Ao detalhar seu parecer nesta quarta-feira (25), Braga afirmou que ainda vai discutir o tema com os governadores e com os parlamentares na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado. "Vamos ver o que os governadores vão apresentar", disse.

Os aportes da União no FNDR ficam fora dos limites de despesa do novo arcabouço fiscal. No entanto, eles terão impacto no resultado primário do governo -obtido a partir da diferença entre receitas e despesas, descontados os juros da dívida pública.

Segundo o relator, os repasses serão financiados "com recursos do Orçamento Geral". A lógica, de acordo com Braga, é que a Reforma Tributária vai melhorar as perspectivas de crescimento do PIB e da arrecadação no médio e longo prazo, assegurando os recursos necessários para bancar os aportes no fundo.

Em seu parecer, o relator também tenta colocar um ponto final na polêmica em torno do Conselho Federativo, instância que ficaria responsável pela arrecadação e distribuição do IBS. O parecer de Braga esvazia o Conselho e o converte em um comitê gestor. A ideia é replicar o funcionamento do Comitê Gestor do Simples Nacional, que também faz a arrecadação centralizada de tributos federais, estaduais e municipais pagos por micro e pequenas empresas.


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