SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A Polícia Civil de São Paulo deflagrou nesta quarta-feira (8) uma megaoperação com o objetivo de apurar um esquema que envolve empresas suspeitas de atuarem em uma espécie de linha de produção de reembolsos médicos.

Em apenas um dos casos apurados, cada funcionário chegava a fazer uma média superior a cem pedidos de reembolso por mês.

Na primeira grande operação sobre o esquema que acumula prejuízos bilionários no país, policiais do 10º Distrito Policial (Penha) cumpriram nesta manhã mandados de busca e apreensão em 18 endereços ligados a supostas empresas de fachada, residências, laboratórios e até escritórios de advocacia.

A operação foi batizada como Esculápio, em menção a um deus relacionado à área da medicina.

A investigação começou a partir de representação da Fenasaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar), que representa 14 grupos de planos de saúde no país, sobre a atuação de uma empresa chamada V.Eventos. Depois disso, os policiais do 10º DP mapearam uma ampla cadeia de suspeitos.

No documento da federação ao qual a Folha teve acesso, um dos relatos é que, em apenas cinco meses, os funcionários da empresa V.Eventos realizaram 2.383 solicitações de reembolso de procedimentos a sete operadoras. As notas fiscais totalizaram R$ 5,4 milhões, originando R$ 1,7 milhão em reembolsos.

A polícia suspeita que a empresa investigada nunca tenha funcionado de maneira real, sendo apenas fachada para o negócio ilegal. Um indício disso é que o homem que consta como proprietário formal fez um boletim de ocorrência dizendo não ter qualquer ligação com ela.

O caso chamou a atenção dos planos de saúde devido à contratação de diversos planos para as mesmas pessoas, além da realização de grande quantidade de procedimentos em um curto espaço de tempo.

"A contratação, por parte da empresa estipulante, dos planos de saúde mais completos oferecidos pelas operadoras (que possuem os mais elevados coeficientes de reembolso de despesas médicas e, portanto, são os mais caros) para os mesmos beneficiários em sete operadoras de forma concomitante, por si só, já chama a atenção", diz a federação, na representação.

De acordo com Fenasaúde, 14 beneficiários da empresa fizeram 8.260 procedimentos em sete operadoras entre maio e setembro de 2022, sendo 72% no mês de maio. Isso dá uma média mensal de 590 procedimentos por beneficiário, ou quatro por dia.

A investigação policial constatou que os funcionários da suspeita de ser empresa de fachada teriam ido aos mesmos laboratórios e médicos. Além disso, escolhiam os mesmos dias para fazer os procedimentos, em uma rotina exaustiva de exames.

Em 17 de maio, por exemplo, os 14 beneficiários foram atendidos pelo mesmo médico e pediram reembolso por cinco planos diferentes.

Dois dias depois, em 21 de maio de 2022, nove beneficiários realizaram exames no mesmo laboratório, formulando pedidos de reembolso a cinco operadoras diferentes.

Segundo a apuração, 68% dos mais de 8.000 procedimentos foram realizados com o mesmo prestador, a RFG Health Care.

Como um mesmo procedimento originava reembolsos de mais de um plano de saúde, a prática pode configurar enriquecimento ilícito.

A reportagem não localizou nenhum representante da V.Eventos nesta quarta até a publicação deste texto. O proprietário oficial da empresa não é nem mesmo tido como suspeito no caso.

Já os beneficiários que pediram reembolsos estão entre os investigados. Foram constatados proximidade e parentesco entre alguns deles.

Após a representação da federação, o Ministério Público determinou a abertura de inquéritos em distritos policiais para apurar crimes de estelionato e falsidade ideológica.

Policiais do 10º DP, que fica na Penha, avançaram e passaram a esquadrinhar diversas empresas citadas na representação da federação, que demonstraram ligações umas com as outras.

Em um desses locais investigados, funcionários de um laboratório passavam mensalmente na sede da empresa para colher sangue dos profissionais, como numa espécie de linha de produção dos reembolsos.

No ano passado, a Folha revelou que a Fenasaúde apresentou ao Ministério Público de São Paulo uma notícia-crime sobre uma rede de empresas de fachada criada com o intuito de fazer pedidos de reembolsos fraudulentos em larga escala contra operadoras, que somaram cerca de R$ 40 milhões.

A diretora-executiva da FenaSaúde, Vera Valente, tenta costurar com os diversos atores uma forma de superar a crise dos planos de saúde e tem participado de debates com representantes de todos os segmentos da saúde privada.

As empresas decretaram uma guerra contra fraudes, que incluem práticas como a emissão de pedidos de procedimentos ou notas de serviços não prestados para gerar reembolsos dos planos. Estimativas apontam que os prejuízos já somam R$ 7 bilhões em dois anos.


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