SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Javier Milei pula enquanto agita os braços em frente a uma multidão eufórica formada, sobretudo, por jovens. Como se estivesse em frente a uma torcida de futebol, ele puxa um coro em crítica aos políticos tradicionais da Argentina: "A casta tem medo, a casta tem medo, que a casta trema".
Era maio de 2023, e os seis meses que separam o economista ultraliberal do candidato que pode ganhar a Presidência do país após enfrentar o atual ministro da Economia, Sergio Massa, no segundo turno neste domingo (19), marcam uma longa jornada.
"Diante de uma história de roubos, saques e violência do Estado contra os argentinos de bem (...), a pergunta é 'por que queremos ter essa maldita moeda chamada peso, que vive arruinando a todos os argentinos de bem?', disse o libertário no evento de lançamento.
O lançamento de "El Fin de la Inflación" (sem edição em português) foi um sucesso ?o que faz todo sentido em um país em que a alta de preços em 12 meses supera os 140% e as duas principais correntes políticas (o governismo peronista e a oposição liderada pelo ex-presidente Mauricio Macri) parecem incapazes de resolver o problema.
Nos diversos comícios que Milei fez ao longo da campanha, o livro pode ser visto empunhado com orgulho por parte do público. Mas, ao contrário do que propõe o título, é difícil encontrar muitas respostas nele.
Milei escreve como discursa ?e isso não é propriamente um elogio. A organização é irregular e trata-se de um apanhado de apresentações recentes do economista, em vez de um aprofundamento de suas ideias.
Ele reflete mais o passado de Milei como professor de economia do que seu presente, como deputado nacional e líder político de uma força criada há apenas três anos e que está a um passo da Casa Rosada.
Entre algumas citações liberais e frases de efeito, os capítulos (que terminam sempre com o bordão, "¡Viva la libertad, carajo!") são separados em três partes, em que o economista questiona algumas das principais teorias sobre a origem da inflação.
Milei parte do princípio que a inflação é um problema monetário, que o Estado é o primeiro a ser beneficiado quando há emissão descontrolada de dinheiro e que a inflação existe porque há políticos ladrões que se importam mais consigo do que com o bem-estar da população.
Para resolver o problema, ele defende uma proposta de competição de moedas que, segundo ele, levaria a uma dolarização que acabaria com a inflação que castiga os argentinos e traria estabilidade para o país. Entre o peso inflacionado e a segurança do dólar, as pessoas escolheriam a divisa norte-americana em diferentes atividades.
Hoje, a moeda dos EUA já é amplamente usada pelos argentinos no mercado imobiliário, por exemplo, e sempre que podem eles optam por poupar com a moeda.
Algumas estimativas apontam que o Estado precisaria se endividar para ter recursos suficientes para substituir o peso. Mesmo economistas próximos a Milei advertiram que o plano de dolarização é inviável em um país sem dólares.
Mesmo entre liberais, uma análise recorrente é que seria preciso promover uma grande desvalorização no início do plano. Milei não deixa claro em que patamar seria preciso deixar o câmbio para que consiga dolarizar, mas, após ganhar as eleições primárias e ver o dólar blue (paralelo) subir a 1.000 pesos argentinos, ele chegou a dizer que, quanto mais alta estiver a moeda, mais fácil será aplicar seu plano.
Em entrevistas recentes, ele tem dito que há reformas que ultrapassam o mandato presidencial de quatro anos. No livro, sem dar detalhes, diz que, concluídos os processos de dolarização e o fim do banco central, a fórmula para o país decolar levaria no mínimo 35 ou 40 anos.
"Quando se fizer a dolarização, ao recompor os preços relativos, os salários em dólares vão voar. Quando os salários em dólar voarem, como o preço dos alimentos vai estar dado, haverá uma forte queda da pobreza e da miséria e um aumento do bem-estar", escreve.
Só que as ideologias não são autorrealizáveis, e o autor-candidato parece desconsiderar isso.
O deputado do grupo político A Liberdade Avança ignora contratempos práticos, como ter de reformar a Constituição do país para abolir o peso sem ter maioria no Congresso, mesmo com o apoio de parte da força política de Mauricio Macri e da candidata derrotada Patricia Bullrich.
Ele desconsidera as consequências que a combinação entre dolarização e rápida abertura econômica teria sobre a indústria e os empregos de maior qualidade. "O problema do desemprego é a rigidez do mercado de trabalho, e isso se resolve com uma reforma", rebate.
O libertário também não se detém sobre outras experiências próximas. Sobre a do Equador, apenas diz que a dolarização do país em 2000 impediu o desequilíbrio fiscal e que o dólar é mais popular no país do que o ex-presidente "ladrão" Rafael Correa, que tentou reverter o projeto.
Além da adoção do dólar, as outras reformas proposta pelo ex-participante de programas de debates da TV argentina não são de curto prazo. Ele imagina um conjunto de três etapas, que mudariam o Estado, reduzindo sua participação.
Um conjunto de reformas ?reduzindo o número de ministérios para oito, fazendo uma reforma trabalhista e abrindo a economia? vai gerar ao menos 15 anos de forte crescimento econômico. Sem detalhar como chegou a esse número ou considerar choques externos, ele afirma que o período de longo prazo de crescimento seria suficiente para eliminar os efeitos negativos, segundo Milei.
Milei também desconsidera questões práticas, como o enfrentamento às poderosas organizações sindicais argentinas para evitar uma reforma dura do sistema de trabalho, e não apresenta quanto o Estado iria economizar com a redução no número de ministérios.
Durante a campanha, viralizou um vídeo em que ele aparece em frente a uma lousa arrancando etiquetas com nomes das pastas atuais e gritando frases de efeito, como "Ministério da Saúde, fora".
O político prevê que o forte ciclo de crescimento levaria o país a um surto de criação de empregos, com aumento dos salários reais e dos aportes ao sistema de previdência (que seria reformado em um segundo momento). Uma terceira etapa de reformas prevê a aposentadoria voluntária de funcionários públicos e a reforma dos sistemas de saúde e educação.
Em um último confronto com Massa, no debate na TV Pública na noite de 12 de novembro, Milei foi obrigado a recuar de algumas propostas, mas reforçou a intenção de eliminar o banco central e de dolarizar o país. Restará ao eleitor argentino decidir até que ponto está disposto a ver aplicado o plano do libertário.
EL FIN DE LA INFLACIÓN
Avaliação Ruim
Preço R$ 40 (ebook, na cotação de 10.nov)
Autoria Javier Milei
Editora Planeta Editorial
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