BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Um grupo com 15 dos mais experientes especialistas da área de energia divulgou nesta terça-feira (28) uma manifestação pública para reforçar a preocupação com as diretrizes que estão sendo dadas ao setor pelo governo federal e pelo Congresso Nacional.

"Reunidos nessa manifestação pública, fazemos um apelo às autoridades dos Poderes Executivo e Legislativo que interrompam e revertam esse ciclo de distorções e ineficiências impostas aos consumidores e à sociedade, que retiram renda das famílias brasileiras através das suas contas de energia e dos preços dos produtos nacionais, promovem a inflação e custam empregos ao país", destaca o texto.

Não é de agora que há um descontentamento com medidas adotadas por parlamentares e segmentos do governo. No entanto, em menos de uma semana, o setor foi surpreendido com iniciativas que, na avaliação dos especialistas, pioram a tendência --ampliam o efeito dos lobbies de umas poucas empresas e segmentos do mercado, gerando subsídios e custos desnecessários para quem paga a conta de luz.

"O que está acontecendo é a perpetuação de políticas regressivas", afirma Elena Landau, economista e advogada especializada em energia, coordenadora do programa econômico de Simone Tebet na última eleição presidencial.

"Um governo, que deveria estar preocupado em reduzir a tarifa de energia está aumentando, e produzindo transferência de renda dos pobres para gente rica --e isso é resultado de uma ação conjunta do Ministério de Minas e Energia, Casa Civil e Congresso."

Na terça-feira (21), vazou a informação de que o governo preparava uma MP (medida provisória) que iria prorrogar por 36 meses subsídios da transmissão para energias renováveis, beneficiando especialmente parques eólicos e solares. O custo seria de R$ 6 bilhões ao ano na tarifa.

Na sequência, o PL (projeto de lei) 11.247, de 2018, elaborado no Senado para criar o marco regulatório para eólicas em alto-mar, recebeu na Câmara um número expressivo de contribuições que modificam drasticamente a operação do setor. Os jabutis (nome dado a emendas inseridas num PL sem relação com o texto original) gerariam outros R$ 28 bilhões de custos adicionais para consumidores de todos os portes, de famílias a grandes indústrias.

O texto cria consumo obrigatório para o mercado livre, algo que não existe em outras partes do mundo onde se adota esse modelo, e altera a estrutura de pagamentos de subsídios, elevando em 77% os custos para empresas no Sudeste, e 58% para empresas no Nordeste.

"É normal que haja disputa política pela alocação dos escassos recursos do Orçamento público. Anormal é que essa disputa transborde para o setor elétrico na forma de leis que aumentam a conta de luz dos pequenos consumidores para beneficiar empreendimentos de geração limpa que teriam plenas condições de andar com as próprias pernas", diz Jerson Kelman, um dos maiores especialistas em energia e recursos hídricos do país, que além de ter sido diretor-geral da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), presidiu empresas como Sabesp.

O PL das eólicas no mar faz parte do conjunto de leis que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), quer aprovar nesta semana para apresentar na COP (Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas). No entanto, entre os jabutis estão mudanças no cálculo do preço-teto de térmicas a gás, combustível fóssil.

Originalmente, 8 GW (gigawatts) dessas térmicas foram previstos na lei de capitalização da Eletrobras. As térmicas seriam construídas em locais onde não há gás ou mercado consumidor, o que obrigaria a instalação de redes de transmissão para tirar a energia, e de uma rede de dutos para levar o gás. Esse conjunto de gasodutos foi batizado de brasduto.

Os leilões para os primeiros projetos no Norte e Nordeste não foram bem-sucedidos, obrigando uma revisão na proposta, que deveria ser formalizada pelo MME (Ministério de Minas e Energia).

Para viabilizá-los, no entanto, a alternativa veio no PL. O texto transforma 4,9 GW em PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas), ao custo estimado de R$ 8,6 bilhões. Outros 4,25 GW permanecem como térmicas, mas o texto prevê a separação das obras e do fornecimento de gás, o que acrescentaria outros R$ 16 bilhões na conta dos consumidores.

"A carta é uma iniciativa necessária, para tentar frear a estupidez regulatória do Parlamento", afirma Edvado Santana, que atuou por 13 anos na Aneel, sendo oito anos como diretor, e trabalhou na elaboração de inúmeras normas do setor.

"Algumas propostas que saem dali são até tecnicamente ridículas, como a tentativa de substituir térmicas inflexíveis por PCHs."

Os signatários da carta pedem que a tramitação desse conjunto de mudanças, consideradas drásticas e desnecessárias e hoje restritas ao vaivém de emendas, seja suspensa para que haja uma discussão mais qualificada e transparente.

"Somos contra a forma como foi conduzido. Fazemos parte da sociedade organizada e não participamos da discussão de uma lei que interfere nas nossas vidas. Queremos debater, avaliar os impactos financeiros, sociais e regulamentares", afirma Mario Menel, que atuou em inúmeros cargos no setor, incluindo o MME, participou da criação de entidades e hoje preside o Fase (Fórum das Associações do Setor Elétrico), com 32 entidades.

Também assinam o texto Mario Veiga, fundador da PSR e um dos especialistas mais conceituados na análise e modelagem de sistema para o setor no mundo, José Luiz Alquéres, que foi secretário nacional de energia e presidiu empresas como Eletrobras e Alstom, além de Ricardo Lima, que atuou na alta de gestão de empresas como AES e EDP e na liderança de entidades setoriais.

"Precisamos fortalecer a governança do setor e o papel de sua agência reguladora e recuperar a capacidade de construção de políticas energéticas com escolhas feitas de forma transparente em relação a seus custos e benefícios", destaca o texto.

Leia a íntegra do manifesto

"POR UM SETOR ELÉTRICO EFICIENTE E SUSTENTÁVEL

Nós, profissionais com décadas de experiência no Setor Elétrico Brasileiro, acreditamos que a vocação brasileira de uma matriz energética diversa, limpa, segura e barata, permite o atendimento da quase totalidade do país de forma mais eficiente, sustentável e transparente.

Vemos com preocupação contínua os acúmulos de distorções que aumentam o custo da energia para os consumidores e trazem elemento considerável de risco para os investimentos no setor.

Assim, reunidos nessa manifestação pública, fazemos um apelo às autoridades dos Poderes Executivo e Legislativo que interrompam e revertam esse ciclo de distorções e ineficiências impostas aos consumidores e à sociedade, que retiram renda das famílias brasileiras através das suas contas de energia e dos preços dos produtos nacionais, promovem a inflação e custam empregos ao país.

Precisamos fortalecer a governança do setor e o papel de sua agência reguladora e recuperar a capacidade de construção de políticas energéticas com escolhas feitas de forma transparente em relação a seus custos e benefícios.

Em especial, provocados por notícias que circulam na mídia, que sinalizam a perspectiva da ampliação de subsídios, reservas de mercado, proteções contrárias aos interesses do setor e da sociedade brasileira, ou que beneficiam parte de agentes do setor, fazemos um apelo para que seja promovido um amplo debate sobre a modernização do setor de energia e que só após esse debate sejam encaminhadas as necessárias medidas de aperfeiçoamento do marco regulatório.

Registramos que o pedido também está de acordo com a acertada previsão legal de análise de impacto regulatório e de adoção de melhores práticas para qualificar decisões setoriais, conforme a lei de liberdade econômica, que justamente possui o objetivo de incentivar o desenvolvimento do país de forma mais eficiente e sustentável.

Edvaldo Santana

Elena Landau

Hermes Chip

Ivan Camargo

Jerson Kelman

José Luiz Alqueres

Luiz Eduardo Barata

Marcos Madureira

Mário Menel

Mario Veiga

Nivalde de Castro

Paulo Pedrosa

Ricardo Lima

Roberto Kishinami

Solange Davi"


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