BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O plenário do TCU (Tribunal de Contas da União) contrariou a área técnica do órgão e autorizou o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) a rever o cronograma de devolução de repasses irregulares feitos pelo Tesouro Nacional em gestões anteriores do PT.
Com aval do Ministério da Fazenda, a instituição propôs o parcelamento de R$ 22,6 bilhões remanescentes em oito prestações de R$ 2,9 bilhões anuais, a serem pagas entre 2023 e 2030.
O pedido foi aceito por unanimidade, em um julgamento que durou 73 segundos entre o anúncio do item da pauta, a leitura do voto pelo relator, ministro Aroldo Cedraz, e a conclusão da votação.
A decisão representa uma mudança de postura dos ministros em relação ao BNDES. No ano passado, diferentes membros da corte criticaram a "persistente relutância" do banco em cumprir determinações do tribunal e chegaram a mencionar a possibilidade de afastar dirigentes como punição.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, os auditores do tribunal emitiram um posicionamento duro, na mesma linha de pareceres anteriores, recomendando ao plenário negar o pedido. Eles afirmaram que o tema já foi julgado pelo TCU e que o BNDES não demonstrou razões suficientes para fundamentar o pedido de renegociação.
Os técnicos ainda rejeitaram o aval da Fazenda, ressaltando que a devolução de recursos de operações consideradas irregulares pelo tribunal "não é uma mera disponibilidade da qual a União pode renunciar em benefício da instituição financeira de fomento por ela controlada".
Após o relatório da área técnica, o BNDES apresentou "elementos complementares" ao pedido original. O presidente do banco, Aloizio Mercadante, e representantes da área jurídica também foram ao TCU para apresentar a ministros as respostas da instituição.
O principal argumento a favor da repactuação foi o risco à liquidez do banco, caso a corte de contas insistisse na devolução imediata dos R$ 22,6 bilhões.
"O aumento da demanda por crédito do banco associado à conjuntura do mercado de capitais resultou em uma situação de falta de liquidez para honrar com a última parcela extraordinária de devolução de recursos ao Tesouro Nacional", disse o BNDES.
O banco afirmou que a decisão original do tribunal já previa que o cronograma de devoluções aceleradas poderia ser suspenso ou revisado em caso de "eventos que impactem, ou ameacem impactar, a solidez financeira do BNDES", o que inclui limites prudenciais, plano de negócios e estratégia de longo prazo.
O banco apresentou uma tabela em que simula o impacto da devolução integral sobre os níveis mínimos de caixa, que ficariam abaixo do exigido com o repasse imediato dos R$ 22,6 bilhões.
"Considerada a necessidade de garantir a preservação da capacidade de desenvolver suas atividades operacionais planejadas, verifica-se que a amortização integral do valor restante em novembro do corrente ano impacta na solidez financeira no que tange a limites gerenciais de liquidez do BNDES", disse.
A instituição também reiterou a concordância do Tesouro Nacional com o novo cronograma. Segundo o BNDES, o órgão informou que adiar os pagamentos não afetaria de forma relevante sua estratégia fiscal.
Após a votação, Mercadante disse em nota receber a autorização do TCU "com satisfação".
"O acertado entendimento do TCU assegura o resgate histórico do BNDES como um dos grandes indutores do desenvolvimento nacional", disse. "A postura colaborativa e orientativa do Tribunal de Contas tem sido fundamental para o aprimoramento de políticas públicas dos órgãos do estado brasileiro."
Em 17 de novembro, o presidente do banco chegou a dizer que teria de paralisar linhas ou reduzir o crédito a setores estratégicos, como o agronegócio, caso tivesse de devolver os valores de forma imediata ao Tesouro. As declarações foram vistas como uma forma de pressionar o TCU.
"Temos, por exemplo, R$ 19,4 bilhões para governadores. Faz sentido o país parar metrô, estrada, investimentos estruturantes do governo do Estado para fazer uma antecipação que não tem nenhum impacto sobre o orçamento público?", afirmou, durante a apresentação dos resultados do banco.
"Se isso for feito, vamos ter de suspender crédito para a agricultura. Já estou avisando antecipadamente à bancada ruralista. Vai ter de cortar", acrescentou.
Em outubro de 2022, o BNDES -ainda sob o comando de Gustavo Montezano, durante o governo Jair Bolsonaro (PL)- tentou uma manobra para retardar as devoluções, alegando que a restituição mais veloz dos valores causaria prejuízos. O banco seria obrigado a captar recursos no mercado (a uma taxa de juros maior) ou vender ações de empresas que estão na carteira do BNDESPar, braço de participações da instituição.
Em reação, o plenário do TCU subiu o tom, falou em afastar diretores e ameaçou expedir uma medida cautelar para suspender qualquer distribuição de participação nos lucros a seus empregados até que as verbas da União fossem devolvidas.
"Esses embargos possuem claramente um caráter protelatório e estão inseridos no contexto já conhecido pelos senhores da persistente relutância do BNDES em dar cumprimento às determinações deste tribunal para proceder à devolução de vultosos valores que, é importante ressaltar, lhe foram transferidos de forma irregular", disse na época o ministro do TCU Jorge Oliveira.
"Que fique claro, a postergação da elaboração de um cronograma adequado de devoluções poderá levar esse tribunal a adotar medida cautelar para impedir a distribuição de lucros a seus empregados. Talvez assim a burocracia interna do banco abdique da postura resistente que vem adotando", acrescentou.
O ministro Walton Alencar, decano do TCU, disse no julgamento de outubro de 2022 que a resistência do BNDES em cumprir decisões "atravessa gestões".
"Passam as gestões e o BNDES continua exatamente o mesmo. Ele vem ao tribunal, faz promessas de emendas, mas é sempre a mesma recalcitrância no atender ao interesse público. É um órgão que não induz nenhuma confiança dos órgãos de controle, desobedece sistematicamente as normas mais básicas de direito administrativo", criticou.
No julgamento desta quarta-feira (29), não houve debate sobre o voto de Cedraz. A votação foi simbólica e unânime.
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