BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O deputado Luiz Fernando Faria (PSD-MG), relator da principal medida ainda pendente de aprovação da agenda de receitas do ministro Fernando Haddad (Fazenda), quer fazer duas mudanças que, na prática, podem reduzir o valor de arrecadação esperada pelo governo.

O texto em questão é o da medida provisória 1.185, que, nos cálculos da Fazenda, pode gerar R$ 35 bilhões em 2024.

A MP permite ao governo federal tributar, a partir de 2024, o aumento de lucro gerado por incentivos fiscais de ICMS (imposto estadual) que não estejam ligados a investimentos.

Como acabam pagando menos imposto estadual, as empresas têm um ganho maior -sobre o qual incidem impostos federais. Para não recolher tributos sobre esse valor extra, esse ganho é excluído da base de cálculo de impostos e contribuições. Hoje, as empresas deduzem praticamente todos os incentivos fiscais do ICMS do cálculo de IRPJ, CSLL e PIS/Cofins, dilapidando a arrecadação federal.

Isso é feito não só quando o benefício tem a contrapartida de investimentos, mas também quando é voltado ao custeio -uma redução de custos que, na visão do governo, serve apenas para ampliar o lucro dos sócios. Segundo técnicos, um seleto grupo de 393 empresas fica com 95% dos incentivos envolvidos.

São esses descontos que a MP 1.185 quer regular, prevendo a concessão de crédito de 25% sobre o valor da subvenção concedida pelos estados. Esses 25% equivalem à alíquota do IRPJ, compensando, portanto, esse tributo, mas as empresas ainda teriam que acertar contas com a Receita em relação a CSLL e PIS/Cofins.

O relator, porém, estuda a possibilidade de o crédito incluir também outros tributos, como a CSLL, o que poderia elevar o percentual a 34% (25% equivalente à alíquota do IRPJ mais 9% equivalente à da CSLL) -o que resultaria na redução dos valores devidos à Receita Federal.

A segunda mudança estudada por Faria que pode reduzir ainda mais a arrecadação prevista pela Fazenda é a de ampliar o desconto máximo a ser dado às empresas em negociações de dívidas tributárias envolvendo o estoque não recolhido pelas empresas nos últimos anos.

Nesse caso, o Ministério da Fazenda entende, com base em uma decisão do STJ, que pode cobrar retroativamente os tributos não pagos pelas empresas sobre o ganho obtido com a redução de ICMS dada pelos estados. A Fazenda propunha um desconto nesse estoque de 65%. O relator estuda ampliá-lo para até 80%.

O envio da MP ao Congresso Nacional em agosto acompanhada da projeção de R$ 35 bilhões em receitas foi essencial para ajudar o governo a fechar a proposta de Orçamento do ano que vem dentro da meta de déficit zero estipulada por Haddad.

Conceder créditos maiores às empresas significa uma ameaça ao potencial de arrecadação. Por isso, a Fazenda resiste a uma negociação nesses termos.

Já a transação do estoque não está contabilizada nas estimativas de receitas. Caso ela vingue, será um reforço extra no caixa do governo em 2024. O relator afirma que a adesão das empresas à negociação será voluntária, e empresas que discordarem poderão seguir questionando os valores na Justiça.

A Fazenda, por sua vez, avalia que a ampliação dos descontos poderia minimizar os ganhos e incentivar o governo a executar as dívidas alcançadas pela decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) sobre o tema.

O ministério estima que essa dedução chegue a até R$ 190 bilhões neste ano. Com isso, a Receita Federal tem uma perda efetiva de cerca de R$ 70 bilhões, sem que essa renúncia tenha passado pela decisão do Congresso Nacional. O valor é mais do que o montante reservado para o Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) no ano que vem.

A MP substitui o sistema de redução da base de cálculo dos tributos pela concessão do crédito a ser usado posteriormente pelas empresas. Mas as companhias reclamam que, em vez de diminuir a base de incidência de quatro tributos, terão direito ao crédito de apenas um imposto.

"Eles [governo] tiram os três, fica [o crédito] só em cima do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica. As empresas ficam pedindo para não tirar [os outros três tributos da base de cálculo do crédito]", diz o relator.

"Eu vou buscar uma solução salomônica. Talvez não os quatro, mas propor que insira mais um [na base do crédito]. Mas isso depende da negociação com o ministério", acrescenta.

Faria terá reunião na segunda-feira (4) com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para discutir o parecer, que deve ser apresentado na quarta-feira (6) na comissão mista. Ele também deve se reunir na terça (5) com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), de quem é aliado.

A ideia é chegar a um texto de consenso, capaz de ser aprovado nas duas Casas sem mudanças, dado o tempo exíguo. O ano legislativo termina em 22 de dezembro.

Para isso, outro ponto crucial é esclarecer o que será considerado custeio e investimento para efeitos da nova lei.

A Fazenda já flexibilizou alguns conceitos e vai permitir, por exemplo, que o aluguel de imóveis ou de máquinas e equipamentos que contribua para expandir a capacidade produtiva seja considerado investimento, fazendo jus ao crédito fiscal de tributos federais.

No entanto, os parlamentares ainda manifestam incômodo com esse tema. Na tentativa de resolver o impasse, o relator diz que orientou a consultoria técnica da Câmara a estudar opções de redação para deixar o texto ainda mais claro, sem brechas a serem exploradas depois em disputas jurídicas.

"Quero deixar esse ponto bem claro, para que não paire nenhuma dúvida sobre o que foi custeio e o que foi investimento. Não deixar fazer puxadinho, porque depois dá margem de discussão e subterfúgios", afirma.

Com a tarefa de buscar um texto de acordo, Faria não garante que vai aceitar a sugestão do governo de incluir no texto as mudanças no JCP (juro sobre capital próprio) solicitadas pela Fazenda.

Um projeto de lei enviado em agosto propôs o fim desse benefício, que permite às empresas remunerar seus acionistas pagando menos tributos. O impacto seria positivo em R$ 10 bilhões no caixa da União em 2024, caso aprovado ainda este ano.

A medida, porém, enfrenta resistências. Por isso, a equipe de Haddad pediu ao relator a inclusão de uma solução intermediária -que mantém a existência do JCP, mas limita o abatimento a 50% do lucro real da companhia.

A proposta ainda eleva de 15% para 20% a alíquota cobrada sobre essa remuneração e restringe manobras contábeis que elevam o patrimônio líquido da empresa e, consequentemente, criam espaço para distribuição de valores maiores de JCP.

Segundo o relator, a proposta está longe de um acordo na Casa e, se houver risco de o tema emperrar o acordo da MP, ele pode ficar de fora do texto final.

"Nós estamos negociando e eu estou vendo resistência [à inclusão]. Vou tirar essa conclusão mais para frente, até a apresentação do relatório", afirma.

O próprio líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), já havia sinalizado na quarta (29) que, se inclusão do JCP atrapalhar a tramitação da proposta, a discussão desse tópico não será levada adiante.

Faria foi designado por Lira para relatar o texto na manhã de terça-feira (28), em reunião de líderes da base do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ele disse que só teve acesso ao texto da Fazenda na quarta (29), pouco antes da instalação da comissão mista.

Até então, havia também um impasse sobre a forma de tramitação, se por MP ou projeto de lei com urgência constitucional.

Haddad chegou a se reunir com Lira no fim de outubro para pedir ajuda para destravar a agenda de elevação de receitas na Casa e, desde então, tem articulado com o presidente da Câmara e líderes para chegar a um texto de consenso.

A expectativa do relator e de membros do parlamento brasileiro é que as votações nos plenários da Câmara e do Senado possam ocorrer até o dia 18 de dezembro. "Vou fazer o maior esforço para poder aprovar, mas não posso garantir", diz Faria.


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