SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O governo paulista espera o aval de outros estados para colocar em prática a maior parte do programa de recuperação da dívida ativa "Acordo Paulista". A perspectiva é arrecadar R$ 4,4 bilhões nos próximos três anos ?em 2022, essa arrecadação somou apenas R$ 186 milhões.

No início de novembro, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) sancionou a lei que reformula o sistema de cobrança da dívida ativa e permite a transação de débitos junto à PGE (Procuradoria-Geral do Estado). Podem ser negociadas dívidas tributárias (ICMS, IPVA e ITCMD, por exemplo) e não tributárias.

O texto aprovado pela Assembleia Legislativa já trouxe a previsão de uma modalidade de negociação que, segundo especialistas na área, inclui praticamente toda a dívida ativa, que soma R$ 403 bilhões (leia mais abaixo). Desse valor, R$ 161 bilhões são considerados recuperáveis pela procuradoria.

O projeto original também previa que as negociações envolvendo o ICMS, principal tributo estadual, só poderiam ser fechadas após o aval do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária). Esse trecho caiu na Assembleia Legislativa, mas a PGE avalia que, ainda assim, a legislação exige que seja celebrado um convênio com os demais estados em relação a esse tributo.

"No ICMS, para ter segurança jurídica, evitar judicialização e, mais ainda, responsabilização dos gestores que estão à frente da procuradoria, vamos aguardar o convênio Confaz", afirma o subprocurador-geral do Contencioso Tributário Fiscal da PGE-SP, Danilo Barth Pires.

A lei prevê que as mudanças entram em vigor no prazo de 90 dias após a sanção. A procuradoria espera ter o aval do Confaz até lá. Para ele, é natural que as procuradorias de outros estados tenham o interesse em seguir esse mesmo caminho.

O procurador afirma que a lei paulista se espelha nas regras utilizadas no governo federal, que viu a recuperação da dívida ativa crescer significativamente com uma nova legislação sobre a negociação desse passivo.

"Essa lei faz parte de uma ideia de incrementar o índice de arrecadação dos créditos tributários inscritos em dívida ativa", afirma o procurador. "Precisamos reinventar a nossa cobrança aqui no estado. Afinal de contas, esse ingresso de receitas acaba viabilizando políticas públicas."

O subprocurador-geral diz que era comum que uma empresa fechasse acordo com a União, que pode oferecer condições mais vantajosas de parcelamento, mas mantivesse a inadimplência em relação aos tributos estaduais diante de limites mais rígidos para essa negociação.

Ele destaca também as novas regras que permitem ser mais seletivo na escolha de quais cobranças serão judicializadas. A ideia é levar para o Judiciário apenas aquele crédito tributário que seja efetivamente cobrável e cuja negociação com a procuradoria tenha sido frustrada.

"Vamos cobrar na Justiça aqueles devedores que não quiserem se adequar a esses novos ditames de consensualidade, criar um enorme ambiente de conformidade fiscal para que a judicialização fique para casos específicos, para aqueles contribuintes que efetivamente não têm interesse na regularização."

A procuradoria diz já ter mapeado os contribuintes com grandes dívidas e boa capacidade de pagamento que serão prioridade nas negociações assim que a lei estiver regulamentada.

Priscila Faricelli, sócia da área tributária do Demarest, afirma que o modelo de transação tem se mostrado uma solução mais efetiva que os antigos programas de renegociação nos moldes do Refis e deve ser seguido também por outros estados.

No caso paulista, ela destaca a possibilidade de uso de créditos acumulados de ICMS e precatórios para o abatimento desses débitos, além das regras que permitem selecionar quais cobranças devem ser judicializadas.

"Ficou provado que tirar algumas discussões do Judiciário, e adotar outras medidas para tentar viabilizar essa arrecadação, pode ser mais efetivo do que manter judicializada uma quantidade enorme de processos", afirma Faricelli.

NEGOCIAÇÃO AMPLA

A lei paulista já instituiu uma modalidade excepcional de transação, que trata das dívidas com cobrança de juros acima da taxa Selic.

Especialistas na área de tributação levantam duas questões em relação a esse programa.

A primeira é que praticamente todos os débitos inscritos em dívida ativa se enquadram nessa questão dos juros. Portanto, esse seria um programa bastante amplo e não haveria como limitar a adesão de contribuintes, independentemente da sua capacidade de pagamento.

A segunda é que essa transação deveria incluir casos que ainda estão em discussão no Judiciário. Na questão dos juros, o governo paulista já perdeu uma discussão (cobrança de 0,13% ao dia de juros) no STF, restando apenas outra (1% de juros sobre a fração de mês) que não está pacificada, segundo a PGE.

Gabriela Lemos, sócia da prática de Tributário do Mattos Filho, afirma que a ideia da transação sobre o chamado "contencioso de relevante e disseminada controvérsia" é que a procuradoria eleja quais temas são interessantes para o estado. Nesse caso, no entanto, a escolha vem do Legislativo.

A lei também não prevê vinculação da capacidade de pagamento do contribuinte para a obtenção dos descontos, que nesse caso é de 100% nos juros e 50% do valor remanescente, preservado o valor do principal do imposto devido.

"O contribuinte vai poder aderir a essa modalidade sempre que ele possuir débitos inscritos em dívida ativa contemplando a incidência de juros de mora calculados dessa forma. Mas basicamente todos os processos têm esse índice de juros, porque é a forma que se aplica aqui em São Paulo", afirma Lemos.

Danilo Barth Pires, da PGE, diz que a transação excepcional dos juros de mora já está regulamentada na lei, mas ainda é necessário um convênio Confaz para colocá-la em prática.

Além do Acordo Paulista, o governo de São Paulo lançou o programa Resolve Já, para regularização de débitos de ICMS não inscritos em dívida ativa (autos de infração e imposição de multa).

A Secretaria da Fazenda e Planejamento do estado diz que o programa pode beneficiar mais de 1.000 contribuintes que aguardam a inscrição em dívida ativa, após conclusão dos procedimentos de cobrança administrativa, o que representa cerca de R$ 18 bilhões em autuações, além dos processos ainda em tramitação nas delegacias tributárias e no Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo.


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